Acórdão nº 4046/17.1T8VIS.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório Em autos incidentais para liquidação de obrigação pecuniária, que Fundação ...

, com os sinais dos autos, intentou contra AA e BB, também com os sinais dos autos, pediu aquela que a quantia que os AA./Reconvindos (aqui Requeridos) foram condenados a pagar à R./Reconvinte (aqui Requerente), por decisão transitada em julgado, seja liquidada no montante de € 15.844,60, acrescido de juros, contados desde 16/10/2017.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - no âmbito da decisão proferida – já transitada em julgado –, aqui a liquidar, foram os agora Requeridos (ali AA./Reconvindos) condenados a pagar à Reconvinte (aqui Requerente) a quantia, a liquidar ulteriormente, correspondente ao valor da pintura e restauro do chassis do veículo, das peças usadas em tal restauro e da mão de obra, tendo, por limites máximos os valores peticionados; - aquele montante de € 15.844,60 justifica-se por ter sido esse o total que despendeu e contabilizou quer em peças quer em mão-de-obra e deslocações de funcionários seus no restauro, a que procedeu, no veículo que foi condenada a devolver.

Os Requeridos contestaram, alegando – quanto ao essencial – procurar a contraparte cobrar valores que não lhe são devidos, não resultarem os valores pedidos justificados e especificados, aceitando, todavia, os contestantes que algum trabalho foi prestado na reparação do veículo, mas concluindo pela sua absolvição do pedido e, bem assim, pela condenação da Requerente, por litigância de má-fé, em multa e indemnização nunca inferior a € 2.000,00.

Efetuada a subsequente tramitação processual – com enunciação do objeto do litígio e da temática da prova –, procedeu-se à audiência final, com produção de prova pessoal, a que se seguiu a sentença (datada de 02/03/2022), liquidando «a quantia a arbitrar, a ser paga pelos reconvindos à reconvinte, no montante de € 7.500,00».

Inconformados, recorrem os Requeridos – recurso admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo –, apresentando motivação e as seguintes Conclusões ([1]): «A – A sentença objecto de recurso carece de fundamento por se basear numa incorrecta aplicação do Direito à realidade do caso em apreço.

B – Não ter a A. face à despesa reclamada suprido o ónus probatório a que se encontrava adstrita demonstrando incongruências evidentes entre a argumentação aduzida, a prova testemunhal e a prova documental apresentada.

C - O valor inicialmente solicitado pela A. junto do público para intervencionar o veículo em questão no presente processo foi considerado como a si pertencente não incorrendo igualmente aos dias de hoje a Fundação ... em qualquer prejuízo face à intervenção de que foi alvo podendo até, de futuro e naturalmente, entender-se que a A. poderá ser ressarcida duplamente por conta da intervenção que realizou num veículo da qual sempre soube não ser proprietária.

D - De uma intervenção originalmente prevista para um tecto máximo de 5.000,00€ (Cinco Mil Euros), a ora A., já accionada judicialmente pelos proprietários do veículo, dizia ter afinal despendido qualquer coisa na ordem dos 17.126,00€ (Dezassete Mil Cento e Vinte e Seis Euros).

E – Tal índole e postura falaciosa e fraudulentas evidenciadas pela A. e desmascaradas pelo douto Tribunal ... relativamente aos argumentos aduzidos relativos quanto à propriedade do veiculo foram pela verdade dos factos expostos, permanecendo ainda assim presentes aos dias de hoje no espirito dos responsáveis pela gestão da Fundação ... quando, com base na prova documental e/ou testemunhal, peticionam os valores em questão.

F - Não se encontra presente no espirito dos RR. a pretensão de fazer passar ao Venerando Tribunal, a percepção de que a intervenção que a ora A. alega não se verificou relativamente ao veiculo em questão, outrossim, o que pretendem os RR. nesta sede é que seja apreciada a verdadeira dimensão da mesma em todos os seus aspectos e que se fixe com maior grau de certeza o valor efectivamente despendido pela Fundação ....

G – Não é crível ou verosímil que uma instituição com décadas de dedicação relativamente a tudo o que concerne veículos antigos, se engane de forma tão gritante face ao valor de intervenção por si a despender num triciclo com 200 Kgs de peso e com um motor de 190 Cc.

H - A vindicação e reconhecimento de tais valores como devidos à A. é totalmente injustificada e nada mais significa do que uma forma de retaliação perante os legítimos proprietários de um veiculo que foi intervencionado sem a sua concordância o que se materializa em nada mais do que um exemplo gritante de enriquecimento sem causa a que a Lei alude.

I - Era sobre a A. que impendia o ónus da prova quanto à questão principal, ou seja, é sempre a A. que cabe demonstrar de forma categórica, inequívoca, concisa e clara com base na prova testemunhal e documental apresentada de que o veículo em questão foi objecto do profundo dispêndio de material humano e mecânico que hipoteticamente e segundo o critério da Fundação ... carecia e lhe foi alegadamente aplicado.

J - Cabe a A. fazer prova de que um veiculo triciclo destas características, (Peso de 200Kgs e motor de 191Cc conforme figura no livrete do mesmo), carece da mesma quantidade de horas de intervenção, 424 horas para o caso, como se de um “vulgo” automóvel de colecção se tratasse.

K - Se em tudo o mais goza a A. de uma presunção quanto à sua qualidade de pessoa idónea, proficiente e diligente, deve esse mesmo critério deve ser reconhecido linearmente, não se consentido pois a ideia de que face ao valor a empregar futuramente no veiculo se equivocou como se de forma insignificante e irrelevante o tivesse feito.

L – [Suprimida, por se tratar de mera repetição, certamente por lapso, da conclusão anterior (K)].

M – Deve manter-se o entendimento presente na Douta Sentença de que “regra geral, não houve, com rigor, registo de todos os trabalhos, muito menos contabilidade organizada como seria necessário no caso de tudo se passar como sendo em proveito de terceiros chamados a pagar. Os documentos existentes, em muitos dos casos, não comprovam mais do que a ordem da direcção da Fundação no sentido de ser passado um documento a dizer “isto e aquilo”, porque, na altura, tal, por manifestamente desnecessário, não foi documentado.” N - Não é bastante como tal, um mero juízo de verosimilhança e prognose face à despesa que a A. alega ter despendido, com base em testemunhos dúbios e questionáveis e facturas passadas efectivamente à Fundação ... durante o período em que alega que o restauro decorreu, mas nas quais não se pode retirar que as mesmas tenham conexão real ao veiculo triciclo em questão por não aludirem directa ou até, não raras vezes, indirectamente ao mesmo.

O - Obviamente que a essencialidade do necessário rigor na apreciação das mencionadas facturas é indispensável tanto mais que é legítimo e razoável neste âmbito questionar se não poderão as mesmas reportar a um qualquer distinto serviço alocado durante aquele período a qualquer outro dos mais de 200 veículos que a Fundação ... tem a seu cargo.

P – Deve ter-se por garantido que um triciclo destas proporções não pode manifestamente ser alvo de tão demorada e despesista intervenção, tal como se retira da Douta Sentença: “ (…) não se pode aferir o trabalho gasto no ... com o que seria para um Cadilac Eldorado descapotável, cujo motor e superfície de chapa são mais de dez vezes superiores em peso e envergadura.” Q – O referido caderno de apontamento onde eram apontadas toda a mão de obra e horas despendidas, e que foi dado como existente por todas as testemunhas arroladas pela A. acabou por ser dado como inexistente, como a própria reconheceu em requerimento elaborado a 6/1/2022 em que mencionou: “as notas em questão eram descartadas logo que remetidas à direcção do Museu e por esta registadas” sendo que “a Requerente não dispõe actualmente de tais anotações”, o que não deixa de ser insólito, ainda para mais numa altura em que a Fundação ... sabia existir já contra si um processo judicial em que o mesmo caderno seria vital na defesa dos seus interesses..

R – De onde se retira que é através da palavra da Fundação ... de que todos estes documentos existiram em tempos e de que as facturas, embora não o mencionem expressamente, reflectem serviços alocados ao veículo em questão que deve o Douto Tribunal apoiar-se na elaboração da sentença.

S – Ora tal entendimento não é de todo consubstanciado e/ou apoiado pelo Direito.

T - Até porque como é apanágio do comportamento da Fundação ... desde o início do corrente processo, logo no Doc. 1, é descrito e cobrado o valor de pintura correspondente a 92 horas e 25 minutos durante o período temporal que intermedeia o dia 30 de Setembro e o dia 6 do mês de Outubro de 2015 seguinte, período que integrou um fim-de-semana e um feriado, lapso de tempo que não cabe em 3 dias, o que só encontra justificação no total laxismo e soberba de que a A. julga usufruir.

U – A Testemunha CC fez denotar que no fim de contas, outros veículos, logicamente foram intervencionados por parte da Fundação ... no mesmo espaço temporal em que decorria a intervenção no veículo em apreço, podendo obviamente as facturas relativas a materiais alocadas às primeiras terem sido juntas enquanto prova documental no presente processo, havendo apenas e só a menção de serem dirigidas à Fundação ... e sem menção ao veiculo M....

V – Devem as Testemunhas DD e EE ser consideradas como credíveis e essenciais na descoberta da verdade, não só pelo seu currículo e prestigio ligado ao sector dos veículos motorizados mas, desde logo por serem peritos independentes e não possuírem, ao contrário das testemunhas arroladas pela A., qualquer laço profissional ou de amizade com a parte que as trouxe a juízo.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser a Sentença recorrida revogada e substituída por decisão que: A - Altere a decisão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT