Acórdão nº 1846/12.2TBFIG-J.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução12 de Julho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo nº 1846/12.2TBFIG-J.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Paulo Correia 2º Adjunto: Helena Melo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Nos presentes autos de insolvência respeitantes a F..., Lda., após a apresentação das contas da administração e respetivo julgamento, o Administrador da insolvência veio apresentar, no âmbito do processo principal, dois aditamentos às contas; posteriormente, quando notificado pela secretaria para indicar o saldo disponível para a realização do rateio final, indicou despesas de honorários com advogado no valor de € 7.297,08, não incluídas nas contas aprovadas nem nas contas adicionais.

A fim de sindicar estas novas despesas, e ao abrigo dos poderes de gestão processual, determinou-se que os credores e o Ministério Público fossem ouvidos sobre os aditamentos apresentados e sobre a despesa de honorários.

Os credores, notificados, nada disseram.

Tendo tido vista nos autos, o Ministério Público promoveu que se notificasse o Sr. Administrador para esclarecer o motivo pelo qual foram omitidas nas contas inicialmente apresentadas as despesas relativas a honorários com advogado, omissão esta que se manteve nos 1.o e 2.o aditamentos às contas.

O Sr. Administrador Judicial veio identificar os processos nos quais o mandatário da massa prestou serviços, referir que não obteve autorização da comissão de credores para a sua contratação, defender que esta contratação não estava sujeita a autorização prévia e que, de todo o modo, a sua intervenção visou os interesses patrimoniais da massa, refletiu atos essenciais ao processo e foram praticados em processos em que a constituição de mandatário era obrigatória. Concluiu pedindo que as contas adicionais fossem aprovadas.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da não aprovação da dita despesa, por considerar que a mesma deveria ter sido objeto de autorização prévia, e acrescentando que o administrador não explicou porque só agora indicou tal despesa.

Pelo Juiz a quo proferido Despacho a aprovar os 1º e 2ºs aditamentos às contas da insolvência apresentadas pelo Sr. Administrador da insolvência e as despesas descriminadas nos requerimentos de 22.10.2021 e 08.11.2022, com exceção das despesas de honorários do mandatário constituído pelo Sr. Administrador da insolvência, no valor de € 7.297,80, que se não validam.

* Inconformado com tal decisão, o Administrador da Insolvência dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. A douta sentença em recurso enferma de nulidade pois viola o disposto no artigo 615./1, c) do CPC.

  1. A sentença em recurso, ao longo do dispositivo, conclui que o patrocínio em recurso era de constituição obrigatória de mandatário.

  2. Conclui, no entanto a final, que não era preciso contratar mandatário por um juízo de mera oportunidade.

  3. A fundamentação é totalmente contraditória com o sentido decisório pelo que se verifica a apontada nulidade.

  4. Em qualquer caso, a lei não faz depender a intervenção processual de um juízo de oportunidade, mas sim da vontade da parte de se poder em pronunciar em Tribunal sobre uma questão que lhe diz respeito (artigo 3º do CPC), de estar representada por um jurista em igualdade de partes com a parte contrária (in casu o MP estava representado por uma ilustre Procuradora-Adjunta, também ela licenciada em Direito como o mandatário da MI (artigo 4o do CPC) e, dadas as questões suscitadas e nos Tribunais concretos em que o foram, a parte tinha de ser necessariamente representada por advogado (artigo 40º do CPC).

  5. A lei exige ao permitir a todo e qualquer interessado poder participar em processos que lhe digam respeito e, para tal, tem de estar representado por advogado como, ademais, a intervenção do mandatário não foi tão inócua como se pretendeu inculcar: basta atentar nas contra-alegações de recurso para o Venerando STJ em que suscita a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, circunstancialismo que veio a ser acolhido pelo Supremo Tribunal.

  6. Era obrigatória a contratação de um mandatário para poder intervir no processo, pelo que a decisão em recurso neste aspeto encontra-se fulminada de nulidade: discorre-se (e conclui- se) pela obrigatoriedade de constituição do advogado, mas, a final, conclui-se que não devia ter sido contratado mandatário; ou seja, existe uma manifesta contradição entre os fundamentos e o sentido decisório.

  7. A tempestividade da nota de honorários deduz-se da própria matéria de facto dada como provada: o MP interpôs recurso de apelação de um despacho em 11.12.2020, recurso esse que chegou ao STJ e cuja decisão foi notificada em Maio de 2021. Ora, o recorrente apresentou as contas em 03.10.2019 e o aditamento em 15.06.2020, pelo que o trabalho do mandatário da MI ainda não estava findo, não sendo consequentemente possível apresentar a nota de honorários em momento prévio.

  8. Se a arguição da invocada nulidade improceder, sempre entende o recorrente que nesta parte – a dos trabalhos prestados pelo mandatário a partir de 14.10.2020 – a sentença enferma de erro de julgamento, o que cautelar e subsidiariamente se aduz.

  9. Resulta demonstrado que o MP suscitou uma questão assaz complexa e que o recorrente decidiu contratar um profissional especializado para curar de responder aos interesses de um único credor que, a proceder a sua tese, prejudicaria todos os outros (recorde-se que o MP queria que um elevado número de certidões fiscais fossem tratadas automaticamente como constituindo dívidas da MI).

  10. Estando o MP representado por um licenciado em direito, a MI tinha igual direito (concita-se novamente o artigo 4o do CPC), sendo que em sede recursiva, tal constituição até é obrigatória (artigo 40º do CPC).

  11. Ora, a sentença em recurso ao não validar as contas referindo que “o AI não justificou, em concreto, a não solicitação da prévia concordância e a necessidade e a adequação das mesmas (...), considera-se que as despesas relativas à contratação do advogado da massa insolvente não podem ser aprovadas”, incorre em erro de julgamento, e consequente vício de violação de lei, pois fez uma deficiente interpretação das normas invocadas no número antecedente, impondo-se a revogação da sentença em recurso e a prolação de uma nova decisão em que se validem as contas relativas aos trabalhos prestados pelo mandatário a partir de 14.10.2020.

  12. Já quanto à deficiente interpretação do artigo 55º/3 do CIRE impõe-se dizer que o Tribunal a quo, para além do já retro invocado, decidiu que a constituição de mandatário para apresentar e acompanhar as queixas crimes implicavam a autorização da Comissão de Credores.

  13. Foi apresentada a competente Nota de Honorários que – crê-se – obedece aos ditames do EOA, mormente ao artigo 100o.

  14. Aos Administradores Judiciais são confiadas as funções definidas no artigo 55o CIRE e que visam garantir a defesa dos interesses patrimoniais da Massa e o interesse ressarcitório do quorum creditício.

  15. Com efeito, o AI não pode – ou pelo menos e à semelhança dos causídicos, não deve - advogar em representação própria ou da Massa.

  16. Desde logo, por determinação legal, não é exigível, nem consta como requisito legislativo, que os Administradores Judicias sejam licenciados em Direito, podendo ter formação noutras áreas de conhecimento com igual valorização para os processos de insolvência, mormente economia.

  17. Por outro lado, mesmo sendo licenciado em direito, não significa ipso facto que seja advogado; e mesmo sendo jurista e advogado, o distanciamento, objetividade e discernimento exigíveis no mandato judicial, não aconselham a defesa da própria causa.

  18. No âmbito de mandato forense, no nome e em interesse da Massa, foram praticados atos que se circunscrevem a quatro processos como melhor descrito na nota de honorários apresentada.

  19. O processo nº 644/13.... teve origem na queixa-crime através da qual foi formalmente prestada notícia da...

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