Acórdão nº 2464/20.7T8VIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA GONÇALVES |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Apelação nº 2464/20.7T8VIS-A.C1 Tribunal recorrido: Comarca de Viseu - Viseu - Juízo Execução - Juiz 1 Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves Des. Adjuntos: Maria João Areias Paulo Correia Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
O T..., S.A.
veio instaurar execução contra U..., S.A.
e AA, melhor identificados nos autos, pedindo o pagamento da quantia de 469.583,75€ com fundamento numa livrança caução, vencida em 02/06/2020 e subscrita pela 1.ª Executada e avalizada pelo 2.º Executado, que foi emitida em garantia do cumprimento das responsabilidades emergentes de um contrato de mútuo celebrado com a 1.ª Executada – em 18/12/2015 – nos termos do qual esta se obrigou a amortizar o capital mutuado em 61 prestações trimestrais e sucessivas.
A 1.ª Executada veio deduzir embargos de executado, invocando a inexigibilidade e iliquidez da quantia exequenda na parte referente aos juros compensatórios (2.720,97€) e invocando a nulidade do contrato de mútuo invocado pela Apelante. Alega, no que toca à nulidade do contrato: que nunca retirou qualquer benefício das quantias em causa; que as quantias em causa se destinaram a amortizar um financiamento que havia sido concedido pelo B... a AA e mulher e a justificar o reforço das garantias já concedidas no âmbito daquele empréstimo, ampliando-as aos bens titulados pela U..., S.A; que o valor mutuado não foi utilizado no apoio à tesouraria da U..., S.A tendo sido integralmente utilizado na atividade em nome individual exercida pelo casal AA e em benefício destes e que, nessas circunstâncias e face ao disposto no art.º 6.º do CSC, tal contrato – bem como a prestação de garantias pela sociedade – é nulo.
A Exequente contestou, sustentando a improcedência dos embargos e pedindo que a Embargante seja condenada, por litigância de mé fé, em indemnização e multa a determinar pelo Tribunal.
Foi realizada a audiência prévia e proferido despacho saneador, tendo sido também fixado o objecto do litígio e delimitados os temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.
Inconformada com essa decisão, a Executada/Embargante U..., S.A, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Relativamente à validade do negócio jurídico subjacente à emissão da livrança, o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova carreada para os autos, assim como claudicou na sua subsunção ao Direito aplicável, como se deixará demonstrado.
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A sentença recorrida enferma de error in judicando, resultante de uma distorção da realidade factual (error facti), de forma a que o decidido não corresponde à realidade ontológica dos factos alegados e tidos como provados, e incorrendo em desvio da realidade factual por errada representação da mesma.
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Identificou a sentença recorrida, e bem, a tese da embargante, de que a invalidade do negócio descrito em 16. (por que contrário ao fim da sociedade), inquinaria o mútuo que foi contraído para regularizar as responsabilidades decorrentes desse primeiro negócio, ou seja, o mútuo dado à execução.
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E, conclui o mesmo decisório que, para poder vingar exigia que a mesma alegasse e demonstrasse que esses negócios eram desnecessários e inconvenientes à prossecução do seu fim.
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Ora, na nossa modesta mas segura opinião, não podemos deixar de entender que, ao contrário do consignado na sentença recorrida, resultou apurada e provada pela embargante a sua falta de interesse em solicitar o financiamento bancário que está em causa na execução.
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A sentença recorrida fez errada apreciação da prova carreada para os autos e, consequentemente falhou na decisão sobre o juízo de prova que fez recair sobre os factos que integraram o art.º 5º da matéria assente, designadamente quanto às alegadas instruções da embargante para movimentar a sua conta de depósitos à ordem, e ao seu interesse nos mesmos movimentos, dando-o como provados.
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Devia o tribunal a quo ter dado como não provado, o facto que teve como assente sob o n.º 5.
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O alegado pela embargante e demais matéria tida como provada pela sentença recorrida, acarretam desfechar que “os movimentos efetuados na conta da executada, no qual foi depositado o capital mutuado, (…) com o seu conhecimento”, mas não foram feitos de acordo com as instruções da executada,” nem no seu interesse! 9. A este respeito suporta-se a sentença recorrida apenas no depoimento de BB, diretor comercial do banco embargado, de onde retira que “a aludida conta foi movimentada de acordo com as instruções que a cliente, ora embargante, deu ao Banco estando atestado documentalmente que a quantia de 385.519,60€ serviu para liquidação de responsabilidades e despesas relacionadas com o âmbito da reestruturação, tendo sido utilizada em proveito da própria embargante na medida em que serviu para regularizar a sua situação de incumprimento perante o Banco embargado.” 10. Antes de mais, importa realçar que a testemunha BB apenas teve contacto com a Embargante e com os contratos subscritos por esta e pelo Sr. AA após Abril ou Maio de 2019, na sequência da fusão do B... (entidade financiadora das quantias em causa) com o T..., S.A.
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A testemunha nunca foi funcionário do B..., claudicando necessariamente a sua razão de ciência relativamente aos contratos discutidos nos autos, quer o mútuo inicial de 2006, quer as sucessivas reestruturações que o mesmo veio a sofrer.
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E esta circunstância resulta assumida pelo próprio na sua resposta ao tribunal quanto aos costumes, tendo sido refletida na sentença recorrida, 13. Não podia pois a sentença recorrida ter alicerçado a sua convicção de que a conta de DO da embargante foi movimentada (desde 2015) de acordo com as instruções daquela, apenas no depoimento daquela testemunha.
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Assim como não podia ter valorado a narração da mesma testemunha de que em 2015, quando foi feito o empréstimo em causa nesta execução, o dinheiro foi creditado na conta na conta DO da sociedade, tendo asseverado que quando é feito um contrato de crédito standard, para fins gerais, o cliente é livre de utilizar era livre de utilizar o dinheiro para os fins que entendesse.” 15. Reitera-se que a testemunha não tem qualquer conhecimento das motivações/negociações subjacentes aos contratos sem causa.
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Tão pouco pode dar nota do que é normal ou comum em determinado tipo de contrato a que chama “standard” – já que á data de celebração dos mesmos não era sequer era funcionário da entidade financiadora, desconhecendo a sua forma de atuação ou políticas de contratação.
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E estas afirmações da testemunha são tão mais atacáveis na sua credibilidade quando, a mesma reconhece, como consigna a sentença recorrida, que “embora se a conta tivesse prestações de crédito vencidas, esse valor era cativo para as pagar, desconhecendo se, em concreto, isso aconteceu. – em clara contradição com a necessidade/liberdade da mutuária dar instruções sobre as quantias mutuadas para a reestruturação de empréstimos anteriores em incumprimento.
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O desconhecimento da testemunha relativamente às condições e termos dos financiamentos em causa, à forma como ocorreram, quais as operações que lhe seguiram, por iniciativa e no interesse de quem, acaba mesmo por ser admitida pelo próprio funcionário da embargada.
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Este acaba a mesma por reconhecer, como aliás é do conhecimento público comum, que, havendo valores em dívida, são os saldos mutuados imediatamente cativos pelos bancos e transferidos “oficiosamente” para as contas onde estão em falta.
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Tratando-se o mútuo exequendo de reestruturação sucessiva de um contrato inicial titulado por AA e mulher, nos quais existiam, assumido por todas as partes em juízo, prestações e valores em dívida, não pode deixar de concluir-se que o mesmo foi afeto ao pagamento de tais responsabilidades, sem instruções da embargante, mas antes por iniciativa e imposição do próprio Banco..
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E relativamente ao mesmo facto, se não pode constituir prova suficiente o depoimento da testemunha BB, há que ter em conta a prova feita em sentido contrário pelas testemunhas CC e DD.
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CC, jurista da embargante foi perentório ao afirmar que em 2012 a ora Recorrente assumiu cerca de metade da dívida de AA (3,5 milhões) e prestou garantias reais ao Banco, explicando que foi uma operação bancária em que a conta da U..., S.A foi creditada no montante do financiamento e automaticamente utilizado para liquidar parte do financiamento inicial. – cfr resulta da sentença recorrida.
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DD empregado de escritório da Recorrente e reconhecidamente conhecedor dos factos, pela sentença Recorrida, por ter realizado os movimentos contabilísticos da empresa, instado asseverou que o montante o montante financiado à U..., S.A, de 3,5 milhões de euros foi utilizado integralmente para amortizar o financiamento concedido a AA. – cfr considerado pela sentença recorrida.
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E este ultimo ainda acrescentou: em 2015 os dois empréstimos (da própria embargante e de AA) tinham prestações em dívida, tendo sido contraído novo mútuo para regularizar essas prestações vencidas, com novas garantias reais prestadas. cfr considerado pela sentença recorrida.
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Não é suscetível de negação que a sentença recorrida reconhece o conhecimento direto destas testemunhas sobre os factos em causa e a credibilidade dos seus depoimentos.
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Assim como não pode afastar-se que a prova testemunhal revela que o empréstimo em causa na execução teve como objetivo regularizar prestações vencidas de contratos de crédito pendentes entre as partes. – como aliás aceite pela sentença recorrida.
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Considerando os depoimentos prestados, concatenados com aquilo que é o conhecimento público geral da atuação das instituições bancárias, impunha-se ao tribunal recorrido dar como não provado que a conta de DO da embargante não foi movimentada, após o depósito na mesma da quantia mutuada, de acordo com as suas instruções e no seu interesse da aqui recorrente.
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O tribunal a quo carecia o Tribunal de prova cabal que...
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