Acórdão nº 612/17.3T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução28 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 612/17.3T8ACB.C1 – Apelação Comarca de Leiria, Alcobaça, Juízo Local Cível Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra O Conselho Directivo dos Baldios de ..., em representação dos respectivos compartes, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra Freguesia de ...

, já ambas identificadas nos autos, pedindo a condenação desta no seguinte: Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência: 1) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 3º da p.i. por a R. não ter adquirido por usucapião o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...83, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto; 2) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 9º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...61, ...67 e ...76, freguesia de ... concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto; 3) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 15º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...39, ...24, ...22 e ...23, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto; 4) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 21º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...20, ...30 e ...57, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto; 5) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 27º da p.i.. por a R. não ter adquirido por usucapião os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos ...31 e ...32, freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto; 6) - deve ser declarado impugnado o facto justificado na escritura de justificação notarial referida no artigo 34º da p.i. por a R. não ter adquirido por usucapião o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...33 e o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...03, ambos da freguesia de ..., concelho ... e declarada essa escritura nula e de nenhum efeito relativamente a esse facto; 7) - deve ser reconhecido e declarado que a R. não detém o direito de propriedade sobre os prédios identificados nos artigos 5º, 11º, 17º, 23º, 29º e 36º deste articulado.; 8) - deve a R. ser condenada a reconhecer que estes prédios são baldios possuídos pela comunidade que constitui a população de ..., concelho ..., deles devendo abrir mão para serem administrados pelos Compartes através dos órgãos competentes; 9) - deve ser decretado o cancelamento dos registos e inscrições de propriedade a favor da Freguesia de ... feitos com base nas referidas escrituras e todos e quaisquer registos que eventualmente possam ter sido feitos ou venham a ser feitos com base nas mesmas.

Alegou, para tal e em resumo que, no dia 15 de Abril de 2012, em ..., se realizou a 1.ª assembleia de compartes dos ..., na qual foi aprovado o recenseamento definitivo dos compartes, a constituição da Assembleia de Compartes, a eleição da Mesa da Assembleia, do Conselho Directivo e da Comissão de Fiscalização.

Mais alega que nas datas especificadas na petição inicial, foram lavradas as seis escrituras de justificação notarial ali melhor descritas, nas quais, o Presidente da Junta de ..., em representação da ré, declarou que esta, com exclusão de outrem, é dona e legítima possuidora dos prédios em cada uma delas descritos, tendo os mesmos advindo à sua posse por “doação meramente verbal feita por volta dos anos de 1930/40, por AA e mulher BB, residentes que foram em ...”.

Acrescenta-se nas referidas escrituras que, desde tais doações, a ré passou a possuir tais prédios, como sua proprietária, neles exercendo os descritos actos de posse, de forma ininterrupta, com conhecimento de toda a gente e sem oposição.

Mais alega que com base em tais escrituras, a ré procedeu ao registo em seu nome dos referidos prédios.

Mais alega, no entanto, que, contrariamente ao vertido em tais escrituras, todos os prédios nelas referidos, são “baldios”, conhecidos como “...” ou ...” ou “...”, situados na zona com a mesma designação, o que acarreta a nulidade das referidas escrituras, cf. artigo 4.º da Lei 68/93, de 4/9 (Lei dos Baldios).

Fundamenta a qualificação de tais prédios como “baldios” no facto de os mesmos têm sido usados e fruídos pela comunidade local como se fossem coisa de todos e que todos aí podiam legitimamente aproveitar-se do que deles se podia retirar, o que vem sucedendo desde tempos imemoriais, ininterruptamente, ali apascentando gado, recolhendo lenhas, cortando e apanhando mato, piornos e fenos que neles se criam, colhendo ervas e outras substâncias vegetais que nos terrenos despontam, aproveitando águas, tirando pedra e areias, cultivando pequenas hortas, apanhando pinhas e, no que respeita ao prédio inscrito sob o artigo ...83, também utilizando terrenos desse prédio com barracas desmontáveis no período do Verão, tudo para o seu próprio consumo e satisfação das necessidades pessoais e neles permanecendo e circulando livremente (cf. artigos 50.º e 51.º da p.i.); de forma pacífica, à vista de toda a gente e sem oposição, com a convicção de que o faziam sobre terrenos comunitários integrados na freguesia de ..., destinados ao uso e fruição dos moradores que deles necessitavam, no exercício de um direito comunitário à utilização desses terrenos pelos habitantes da freguesia, sem exclusão uns dos outros (cf. artigos 52.º e 53.º da p.i.) e de que a Junta de Freguesia apenas teve a “administração dos mesmos” (cf. artigo 57.º da p.i) e nunca a sua posse.

Pelo que, conclui, serem falsas as declarações feitas nas seis escrituras de justificação melhor descritas na p.i. e falsos são, também, os fundamentos nelas exarados.

Na contestação apresentada, a ré FREGUESIA DE ..., excepcionou a falta de personalidade e de capacidade judiciária do autor CONSELHO DIRECTIVO DOS BALDIOS DE S..., por invalidade da constituição da pessoa colectiva – Assembleia de Compartes dos Baldios de ...

Alega, para tal, que grande parte dos sujeitos identificados como compartes pelo autor (designadamente nos documentos n.º s 1 e 2 juntos à petição inicial) não estão recenseados, nem são residentes na área geográfica da FREGUESIA ..., nem sequer aí desenvolvem qualquer actividade agro-florestal ou silvo-pastoril.

Identifica 11 a título meramente exemplificativo.

Adianta que, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 68/93 (Lei dos Baldios), as comunidades locais organizam-se para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma Assembleia de Compartes, um Conselho Directivo e uma Comissão de Fiscalização.

Tendo a eleição dos órgãos – Conselho Directivo e Comissão de Fiscalização – sido realizada por sujeitos («pseudo-compartes») que não possuíam a qualidade de compartes, a mesma revela-se juridicamente inexistente, por falta de legitimidade dos eleitores.

Para que a Assembleia de Compartes se possa reunir pela primeira vez, em assembleia constituinte, é necessário que previamente se elabore um recenseamento provisório dos compartes.

O autor não refere qual o número de compartes dos baldios em apreço, pois não revela que caderno de recenseamento dos compartes foi tido em conta na reunião, se o mesmo abarca ou não todos os moradores da freguesia (com direito a participarem na assembleia constituinte dos órgãos dos baldios).

Sobre a convocação da Assembleia de Compartes, o autor não demonstra onde, como e com que antecedência é que foi convocada a dita assembleia.

A acta da reunião da Assembleia de Compartes também não está assinada – como devia – pelos compartes alegadamente presentes, pelo que se fica sem saber quem na verdade participou na referida assembleia.

Também não alega de que modo ocorreram as eleições para os órgãos de administração dos baldios e particularmente como foi eleito o autor, Conselho Directivo. O autor alega apenas que a referida assembleia se realizou, mas não como nessa assembleia ocorreram as eleições para os órgãos de administração dos baldios e particularmente que ele próprio foi eleito de harmonia com o estabelecido na Lei dos Baldios.

Com estes fundamentos, impugna a existência de uma Assembleia de Compartes, bem como a eleição dos órgãos de administração dos ditos baldios.

Impugnando ainda o teor das actas juntas com a petição inicial.

Tanto a personalidade judiciária, como a capacidade judiciária, requerem a constituição válida da pessoa ou da entidade que, em nome da pessoa, figura na lide como parte.

No caso do autor Conselho Directivo, é necessário que tal órgão exista juridicamente, isto é, tenha sido validamente criado, nos termos legais.

O Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe exercer funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses citados e de representar o universo dos compartes.

É eleito pela Assembleia de Compartes de entre os seus membros.

O que significa que os membros que compõem o Conselho Directivo têm primeiramente de possuir qualidade de comparte, qualidade que o próprio Presidente do Conselho Directivo – CC – não possui, porquanto não é recenseado na FREGUESIA ..., nem ali desenvolve qualquer tipo de actividade agro-florestal ou silvo-pastoril.

Conclui...

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