Acórdão nº 276/20.7T8SRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Em 16.9.2020, T..., Unipessoal, Lda., instaurou a presente ação declarativa comum contra AA, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 36 260,40, acrescida de juros de mora comerciais desde a data de vencimento de cada uma das faturas por si emitidas até integral pagamento.

Alegou, em síntese: acordou com o Réu o fornecimento de 162 carradas de tout venant, ao preço unitário de € 45 acrescido de IVA; o Réu não pagou o preço devido, no valor de € 8 966,70; foi ainda acordado, e prestado, o serviço de transporte (máquina e manobrador) do referido produto e de uma máquina bulldozer, bem como o serviço de giratória, com manobrador, mas o Réu não pagou o preço correspondente no montante global de € 27 293,70. O Réu contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados pela A., afirmando, nomeadamente, que a A. acabou por efetuar somente o transporte de 151 carradas de tout venant e que as partes acordaram que o Réu pagaria a totalidade dos serviços de transporte das carradas e do nivelamento com a entrega de uma caixa de velocidades 6x6 ZF multifunções que a A. pretendia, e que tinha globalmente um valor superior; a A. fez graciosamente a deslocação e transporte da máquina bulldozer; quanto à contratação de um manobrador para funcionar com uma máquina giratória tal ocorreu em apenas três dias. Aduziu, ainda, que face à atuação da A. - ao decidir faturar o que não era devido -, viu-se obrigado a faturar a dita caixa de velocidade (e a transmissão) e a respetiva mão-de-obra, razão pela qual, em sede reconvencional, solicita a condenação da A. no pagamento da quantia de € 28 000, acrescida de juros de mora comerciais; entregou à A. uma caixa de carga basculante no valor de € 5 000, tendo a mesma pago a quantia de € 1 000, pelo que deverá ser condenada no pagamento do remanescente em dívida, acrescido de juros de mora.

Rematou dizendo que deve ser absolvido do pedido formulado pela A. e que esta deverá pagar-lhe a importância global de € 32 454,14, acrescida de juros de mora vincendos.

A A. replicou concluindo pela improcedência da reconvenção e como na petição inicial (p. i.); pediu ainda a condenação do Réu como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador, que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à A. a quantia de € 1 476, acrescida de juros de mora, calculados à taxa de juro comercial, desde 01.8.2020 até integral pagamento, absolvendo-o do pagamento da restante quantia peticionada; e decidiu julgar a reconvenção improcedente, absolvendo a A. do pedido.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Conforme resulta da fundamentação empregue pelo Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, a sentença recorrida desconstruiu toda a prova testemunhal de A. e de R., não conferindo credibilidade a qualquer uma das testemunhas ouvidas em julgamento, ou porquanto os seus depoimentos eram incongruentes quando conjugados ou não corroboravam os depoimentos das partes, razão pela qual entendeu o Tribunal a quo não conferir qualquer credibilidade a toda a prova testemunhal produzida.

2ª - Todavia no julgamento do facto «provado» 13 o Tribunal a quo abandonou de tal trilho lógico, racional e dedutivo que empregou na apreciação da matéria de facto, e à míngua de qualquer prova testemunhal que acabara de desvalorizar, conferiu-lhe resposta positiva sustentada unicamente no depoimento de parte do R..

3ª - O legal representante da A. prestou depoimento logo no início da audiência de julgamento, em sede de confissão de parte, à qual o R. assistiu. O R., que sempre se encontrou presente ao longo do julgamento, requereu e prestou o seu depoimento, com a natureza de declarações de parte, apenas no final de toda a produção de prova - vide oposição da A. à prestação de declarações de parte do R., conforme exarado em ata de audiência de julgamento de 11.02.2022, precisamente por este as prestar no final de toda a produção de prova, à qual acabara de assistir.

4ª - É manifesto que a versão do R. foi preparada em função de toda a prova produzida, em que seria expectável que se norteasse quer pela coerência quer pela introdução de detalhes oportunistas, todavia in concreto o depoimento do R. nem sequer primou pela congruência.

5ª - A fundamentação empregue pelo Tribunal recorrido para conferir maior credibilidade às declarações do R., designadamente no segmento em que este emitiu a fatura em retorção à cobrança dos valores que a A. dele reclamava porque aquele entendia existir um acordo em que o preço de € 3 000 da caixa de velocidades e veio de transmissão – factos provados 21 e 22 – pagaria os serviços prestados pela A., é uma explicação que não faz qualquer sentido e, com o devido respeito, é até ofensiva da inteligência do cidadão comum e medianamente informado.

6ª - De facto é o próprio R. quem em declarações de parte prestadas na audiência de discussão e julgamento de 11.02.2022, refere reiteradamente a sua discordância com o valor atribuído pelo relatório pericial à caixa de velocidade e veio de transmissão, sustentando que o mesmo lhe custara 60 000 contos, contravalor de € 30 000, refutando, assim, o valor apurado de € 3 000 – vide factos provados 21 e 22.

7ª - Ora, se o R. se mantém inconformado com o valor determinado, por perícia, da caixa de velocidades e veio de transmissão, é evidente que emitiu a fatura daquela grandeza não por retorção ao pedido de pagamento da A. mas antes porque entende que é esse o valor que lhe é efectivamente devido.

8ª - Do mesmo modo, se o R. insiste em defender, nas suas declarações, que a caixa e veio de transmissão têm tal valor de € 30 000, tal apenas significa que aceita como correto e devido o valor faturado pela A. pelos serviços que esta lhe prestou.

9ª - De igual forma abala a coerência do R. a sua insistência em que tais componentes mecânicos assumem tal valor de € 30 000 quando, do outro lado, o veículo pesado a que se destinam tem o valor comercial de € 8 610 (cf. facto provado 23).

10ª - E se o R. insiste em defender nas suas declarações que a caixa de velocidades e veio de transmissão têm o valor de € 30 000, então não se compreende o racional do negócio de empregar tais preciosos componentes para pagar um conjunto de trabalhos que afinal não excederiam € 3 000, isto uma vez que este este é o valor real de tais componentes, conforme se logrou determinar – factos provados 21 e 22.

11ª - Ao mesmo passo é ininteligível e de repudiar qualquer ideia que a A., medianamente informada, aceitasse trocar os materiais que vendeu e os trabalhos que produziu no montante de € 36 000 por singela quantia de € 3 000, correspondente ao valor de tais componentes mecânicos.

12ª - Repare-se ainda que, em termos muitos semelhantes ao procedimento que adotou com a caixa de velocidades e veio de transmissão, o R. também lançou à liça que teria fornecido três bidons de gasóleo e uma caixa de carga basculante, tudo com o mesmo propósito de compensar sobre o preço dos fornecimentos e trabalhos que a A. lhe forneceu e prestou, respetivamente, todavia de tais alegados bens entregues para compensação do crédito da A. resultou um rotundo «não provado» conforme pontos 20 e 22 a 25 do respetivo rol, o que demonstra à saciedade a falta de verdade, de seriedade e de coerência das declarações de parte do R. que o Tribunal a quo valorizou.

13ª - Muito diversamente da fundamentação expressa na sentença recorrida, a posição da A. quanto ao acordo foi sempre mantida e conservada, conforme não apenas resulta do depoimento de parte do seu legal representante como também já se expressava na carta em que procedeu à devolução da fatura do R., como também na réplica que apresentou nos autos, esclarecendo-se que a devolução da fatura se deveu e se justificou por tais peças se destinarem a uma viatura pertencente à sociedade R..., Lda., que não à A., conforme resulta do facto provado 18, de resto questão bem explicada na réplica.

14ª - Desta feita, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto constante do ponto 13, assente unicamente nas declarações de parte do R. que não merecem nem o crédito nem a coerência, muito menos a verdade, que o Tribunal recorrido lhes prestou.

15ª - Aliás, mal andaria o processo civil quando a prova dos factos favoráveis ao depoente, ademais quando a prova lhe incumbe, assentasse na simples declaração dos mesmos, com a agravante de se desvirtuarem as mais elementares regras de distribuição do ónus probatório, culminando no absurdo das ações serem decididas apenas pelo confronto das declarações das próprias.

16ª - Impõe-se acrescentar que, muito contrariamente à decisão recorrida, à míngua de prova convincente e bastante para formar a sua convicção, o Tribunal a quo não carece de arrimar por uma das posições das partes, antes lhe cumpre fazer recair sobre as partes o respetivo ónus probatório.

17ª - A decisão de facto recorrida é incongruente quando, à míngua de prova, se ampara no depoimento de parte do R. que se revelou incoerente, condicionado e absolutamente contraditório, de resto permanentemente marcado por adjetivações em que, apesar de devedor, se queixava de enganado por meio mundo, por alusão a cheques falsos, a depoimentos falsos bem como a um rol de outros negócios mal contados – e tidos como não provados conforme factos 20 e 22 a 25 de tal rol – que apenas servem para ensarilhar e não pagar o quanto bem sabe dever.

18ª - Deve, por conseguinte, o facto constante do ponto 13 do rol de «factos provados» passar a constar do rol de factos «não provados» sob a redação seguinte: «Não provado que Autora e o Réu acordaram que este pagaria àquela a totalidade dos serviços de transporte das carradas de tout venant e de nivelamento com a entrega de uma caixa de velocidades 6x6 ZF multifunções e de um veio de...

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