Acórdão nº 139/21.9T8SEI-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelEMÍDIO FRANCISCO SANTOS
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 139/21.9T8SEI-C Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A sociedade «P..., Unipessoal Lda» foi declarada em situação de insolvência por sentença proferida em 18-05-2021.

A administradora da insolvência propôs que a insolvência fosse qualificada como culposa e que o gerente de direito da insolvente, AA, e o gerente de facto, BB, fossem afectados por tal qualificação.

Foi proferido despacho a declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência.

O Ministério Público, concordando com os fundamentos invocados pela administradora da insolvência, propôs também a qualificação da insolvência como culposa.

Citados, AA e BB, opuseram-se à proposta da administradora.

A administradora da insolvência respondeu à oposição.

O processo seu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que decidiu: 1. Qualificar a insolvência da sociedade «P..., Unipessoal Lda» como culposa; 2. Considerar afectados pela qualificação da insolvência os gerentes AA e BB; 3. Decretar a inibição de AA e BB para administrar patrimónios de terceiros, por um período de 3 (três) anos; 4. Decretar a inibição de AA e BB para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 (três anos); 5. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por AA e BB e condenar os mesmos na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; 6. Condenar AA e BB a indemnizar os credores da sociedade insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até à força do respectivo património, sendo solidária a responsabilidade entre os afectados.

Os recursos AA não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se revogasse a sentença recorrida em relação a ele.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. Com relevância para o recurso encontra-se provada a seguinte matéria de facto:

  1. Era o Requerido BB (sogro do Requerido AA) quem, desde a constituição da sociedade até à declaração da insolvência, exercia os actos inerentes à gestão da empresa insolvente, designadamente dava ordens aos trabalhadores, efectuava pagamentos, negociava com fornecedores e clientes, validava orçamentos e tomava decisões sobre o destino da empresa Insolvente.

  2. A sede e o escritório da empresa funcionavam nas traseiras da sua habitação. O ora recorrente sempre residiu no ..., sendo a contabilidade da empresa tratada em ....

  3. O recorrente não exercia qualquer poder de direcção junto dos trabalhadores da insolvente, como não intervinha nas negociações com fornecedores ou clientes, nem emitia facturas; d) No exercício de 2019, a sociedade insolvente teve um resultado positivo do valor de 3 817,12 euros, o que se traduziu numa recuperação face ao resultado negativo de 2018; e) O ora recorrente assinou um requerimento de venda do veículo ... de matrícula ..-NZ-.., tendo tal documento sido assinado a pedido do sogro, BB, tendo sido este último quem interveio nos negócios e decidiu os seus termos, tendo o respectivo valor da venda (1 230,00) sido depositado na conta bancária da insolvente: 2. Face à factualidade alegada, conclui-se que, nos três anos anteriores à insolvência, o aqui recorrente não dissipou património relevante da empresa, não lhe sendo, por isso, aplicável o disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CIRE, inexistindo, assim, insolvência culposa imputável ao recorrente com esse fundamento.

    1. Entendeu o Meritíssimo juiz a quo que o ora recorrente não requereu a insolvência da empresa, sendo-lhe por isso aplicável a presunção constante do artigo 186.º, n.º 3, alínea a) do CIRE.

    2. Todavia e tal como consta da factualidade provada, o aqui alegante não geria a empresa insolvente, estando totalmente alheado dos negócios sociais, desconhecendo, por isso, a gestão da empresa e a sua situação económica e financeira, nomeadamente em 2020, até pelos resultados positivos de 2019, pelo que não lhe pode ser imputada a responsabilidade da apresentação à insolvência perante uma situação que de todo desconhecia, ignorando a ocorrência, em concreto dos pressupostos da insolvência.

    3. Entendeu o Meritíssimo juiz a quo que o artigo 186.º, n.º 3, do CIRE, ao referir-se aos administradores de direito ou de facto, pretende imputar a culpa da insolvência aos gerentes de direito e de facto.

    4. Todavia, a letra da lei é clara na disjuntiva, de direito ou de facto, não empregando a copulativa “de direito e de facto”. Se são responsáveis os administradores/gerentes de direito ou de facto, significa que podem ser uns ou outros, sem prejuízo de poderem ser ambos, mas apenas se a factualidade provada assim o permitir, o que não sucede “in casu”.

    5. Assim, em relação ao requerido AA, não é aplicável a presunção constante do artigo 186.º, n.º 3, alínea a) do CIRE, como se pretende na sentença recorrida.

    6. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), e n.º 3, alínea a) do CIRE e o artigo 9.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.

      ** BB também não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação e substituição dela por decisão com o seguinte sentido: Em primeiro lugar, se declarasse a insolvência como fortuita, porquanto não se encontravam preenchidas as circunstâncias previstas no artigo 186.º n.º 1 e n.º 2 al. a) e i) do CIRE; Em segundo lugar, para o caso de a insolvência ser considerada culposa, não fosse o recorrente declarado afectado, nos termos do artigo 189.º do CIRE; Em terceiro lugar, para o caso de improceder o pedido de não afectação do recorrente, atentos os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso e da culpa: 1. Se reduzisse ao mínimo legal de 2 anos, o período de três anos de inibição, que foi fixado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE; 2. Se fixasse o grau de culpa do afectado, determinado o critério e o quantum da indemnização a que se reportam a alínea e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189.º do CIRE, tomando em consideração a medida da culpa de cada um dos afectados e do dano que os mesmos, com a sua específica conduta, causaram à massa insolvente e, reflexamente, aos credores, fazendo-os, pois, responder, limitadamente e solidariamente, pelo valor dos bens que foram dissipados e que, não fosse esse seu comportamento, deveriam responder pelos créditos reconhecidos e graduados, não olvidando o resultado das acções de resolução ainda pendentes, caso em que o dito prejuízo poderá ser total ou parcialmente mitigado, cujo valor deverá ser liquidado em sede de execução de sentença, pois não está ainda determinado, e terá sempre como limite a diferença do valor de mercado dos bens referidos nos autos se superior ao do valor pelo qual foram vendidos, tendo por referência a data em que os negócios de transmissão de tais bens tiveram lugar.

      Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. O objecto do recurso circunscreve-se: a aferir se há razões para qualificar a insolvência como culposa; na afirmativa, se a mesma deve afectar o aqui recorrente, enquanto eventual gerente de facto, analisando especificamente a questão de saber se os actos por si praticados, venda de bens móveis, correspondem a actos de dissipação de património para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE, saber se a falta de colaboração e dever de apresentação à insolvência nos termos do disposto no artigo 186.º n.º 1 e 2, al. i) do CIRE estão verificados e se os mesmos lhe são imputáveis; analisar se o período de três anos de inibição que foi fixado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 189.º do CIRE, é excessivo e se, em face das circunstâncias do caso, deve ser reduzido; apurar o grau de participação e responsabilização do aqui recorrente na situação da insolvência; E, por fim, determinação dos critérios que devem nortear a fixação e o quantum da indemnização a que se reportam a alínea e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189.º do CIRE.

    7. Dispõe o art.º 186º, nº 1, do CIRE que “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

    8. A qualificação da insolvência como culposa pressupõe, pois, de acordo com a norma citada: que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada por determinada conduta ou actuação do devedor ou dos seus administradores; que tal actuação seja dolosa ou gravemente culposa e que esta actuação tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.

    9. Estabelecem-se, no entanto, nos nºs 2 e 3 do citado art.º 186.º um conjunto de presunções que facilitam a qualificação da insolvência por via da verificação objectiva das situações ali mencionadas.

    10. Para fundamentar a decisão de qualificação da insolvência, considerou a decisão recorrida que, no que concerne às circunstâncias previstas na al. a) do n.º 2 artigo 186.º do CIRE, estão em causa situações em que os administradores tenham destruído, inutilizado, danificado, feito desaparecer no todo ou parte considerável o património do devedor.

    11. No âmbito de um processo de insolvência, fazer desaparecer ou ocultar património do devedor, como refere a citada alínea, é subtraí-lo ilegitimamente à apreensão que se segue à sentença declaratória da insolvência e impedir que os credores sejam pagos com o produto da venda desses bens.

    12. No caso em apreço, resultou da factualidade provada que a Insolvente, através do gerente, com intermediação do aqui recorrente, transmitiu a propriedade uma parte considerável do património da Insolvente em Dezembro de 2020 (cerca de quatro meses antes de ser requerida a insolvência).

    13. Mais concretamente do...

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