Acórdão nº 48849/20.0YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 14 de Junho de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. V..., Lda., intentou contra M..., Lda., procedimento injuntivo, convertido em processo especial de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9 968 acrescida de juros de mora vencidos desde 10.11.2018 até 25.6.2020, no valor de € 1 526,07 e da indemnização de € 40 pelos custos de cobrança da dívida.
Alegou, em síntese: forneceu à Ré diversos bens e serviços, a pedido desta, emitindo a fatura FA 2018/130, de 01.8.2018, no montante de € 19 968,80, com vencimento a 31.8.2018; na data de emissão da fatura, foram entregues pela Ré à A., para pagamento daquela quantia, dois cheques pré-datados, emitidos por entidade terceira, nos montantes de € 10 000 e € 9 968,80, o primeiro, depois substituído por dois cheques; em 10.11.2018, o cheque no montante de € 9 968,80 foi devolvido por falta de provisão e a Ré não pagou essa importância, os juros moratórios e a indemnização pelos custos com a cobrança da dívida.
A Ré opôs-se, sustentando, em síntese: apenas contratou com AA, que se intitulou perante si como representante, além de outros, da A., propondo-se vender-lhe vinho a granel, o que aconteceu; pagou ao tal AA, a cada fornecimento feito, o vinho que lhe foi entregue, e sempre aquele prometendo (sem nunca identificar quem surgiria como vendedor/credor) que após a última entrega e pagamento emitiria a respetiva fatura global, admitindo a Ré que seria em nome de uma das suas empresas ou outra com quem tivesse uma qualquer relação comercial; não manteve qualquer relação comercial com a A.; desconhece os fornecimentos alegados pela A.; os cheques invocados no requerimento injuntivo não foram por si emitidos.
Terminou pedindo: a) a sua absolvição da instância, por ilegitimidade passiva; b) a intervenção principal do dito AA c) ou, se assim não se entender, a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.
Na sequência de despacho, a A. respondeu e explicitou o alegado “negócio” celebrado entre as partes - referindo, inclusive, haver interpelado a Ré para pagamento do valor devido, tendo BB e CC, seus representantes, garantido que iriam regularizar a situação, o que nunca fizeram -, não se opôs à pretendida intervenção principal provocada e juntou diversos documentos.
Foi indeferido o incidente de intervenção principal.
Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz a quo, por sentença de 18.6.2021, julgou improcedente a exceção de ilegitimidade processual da Ré e julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - Das declarações prestadas pelas testemunhas DD e EE deveria resultar provado que “AA contactou a autora dando nota que a ré estaria interessada na aquisição de produtos referida em 1.
” 2ª - Como resulta dos depoimentos supra indicados, a Recorrente, ainda que admita ter realizado o negócio por intermédio do AA, reconhece a Recorrida como real compradora.
3ª - Não é necessário verificar-se a existência de um vínculo formal entre AA e a Recorrida, para que se admita a possibilidade de este contrato ter sido negociado por intermédio do referido Sr..
4ª - Para além disso, segundo a testemunha DD, o representante da Recorrida, CC, quando por ele confrontado quanto a essa questão, não negou a existência da dívida a favor da Recorrente, tendo, pelo contrário, dito que “depois se veria isso”.
5ª - Deve ser ainda realçado que foram negociados novos contratos entre a Recorrida e a Recorrente, posteriores ao contrato aqui em causa, o que significa que a relação entre elas se manteve e, inclusivamente, se fortaleceu, provando que nenhuma das partes questionou a legitimidade do negócio do contrato em discussão.
6ª - De acordo com o depoimento da testemunha EE, a encomenda destinava-se, segundo AA, à Recorrida.
7ª - Nas palavras da mesma testemunha, “a fatura normalmente é sempre passada à pessoa que comprou”, pelo que inevitavelmente a Recorrida deve ser considerada compradora.
8ª - Tendo a Recorrida recebido a aludida fatura, dela não tendo reclamado, e nada disse da carta que a Recorrente lhe enviou relativamente à falta de pagamento da fatura em crise.
9ª - Da conjugação dos depoimentos de DD e EE, resulta que a Recorrida, por intermédio do AA, comprou à Recorrente os 32 130 litros de vinho de mesa branco a granel que esta lhe forneceu.
10ª - Com base na factualidade descrita, é seguro afirmar que um declaratário normal, colocado na posição da Recorrente, não teria dúvidas de que a sua contraparte era a Recorrida e não AA, que, na verdade, atuou como um mero intermediário na negociação.
11ª - Assim, e por força da “teoria da impressão do destinatário” consagrada no art.º 236º, n.º 1 do Código Civil (CC), e segundo o entendimento da jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do STJ de 20.12.2017-processo n.º 396/13....(dgsi), a Recorrida deve ser considerada parte no contrato de compra e venda e, consequentemente, devedora da quantia pedida pela Recorrente.
12ª - Se assim não entendesse, a Recorrida deveria atempadamente ter informado a Recorrente dessa mesma situação, quer no momento em que recebeu o fornecimento de vinho, quer no momento da entrega da fatura, ou quer ainda perante a carta de interpelação enviada pela Recorrente.
13ª - Não o tendo feito, não restará outra hipótese senão a de considerar a Recorrida como a real compradora e, consequentemente, real devedora.
14ª - Assim, julgou mal o tribunal a quo, quer na parte em que dá como não provado o facto de AA ter contactado a Recorrente no sentido de realizar uma encomenda a pedido da Recorrida, quer na parte em que não reconhece a Recorrida como parte no contrato de compra e venda.
15ª - Deverá a decisão proferida pelo tribunal a quo ser revogada e alterada por outra que julgue procedente o pedido, reconhecendo o direito de crédito da Autora e condenando a Ré ao pagamento da quantia pedida.
A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende da eventual alteração da decisão de facto.
* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) AA contactou a A., dando nota que estaria interessado na aquisição dos seus produtos (vinho de mesa branco a granel).
2) O negócio consistia no fornecimento de 32 130 litros de vinho de mesa branco a granel pelo preço de € 19 968,80.
3) No dia 01.8.2018, os 32 130 litros de vinho de mesa a granel saíram das instalações da A. na Rua ..., em ..., e foram entregues na sede da Ré em ..., ....
4) O transporte ficou a cargo da empresa P..., Unipessoal, Lda., com sede em ..., ..., com a guia de transporte n.º 2306058.
5) Tendo, nessa sequência, sido emitida em nome da Ré a fatura n.º ...30, datada de 01.8.2018, no valor de € 19 968,80.
6) A referida fatura foi enviada à Ré na mesma data, com data de vencimento a 31.8.2018.
7) A fatura foi emitida e...
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