Acórdão nº 1939/19.5T8VIS-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo 1939/19.5T8VIS-C.C1 Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório P... Lda, instaurou ação de resolução contra a Massa Insolvente de I..., Lda., representada pela Sra. Administradora de Insolvência, alegando, em síntese que: No dia 02-10-2018 foi celebrado por escritura pública, entre a Autora e a Insolvente, um contrato de reconhecimento de dívida, com hipoteca e penhor mercantil.

Este contrato foi objeto de resolução pela Sra. Administradora da Insolvência por entender que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no art. 121º do CIRE onde se inclui no nº 1, al. h) “atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro de um ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”.

A Autora alega que a escritura celebrada não constitui um ato oneroso dado que a insolvente se limitou a reconhecer uma dívida, constituindo garantias (hipoteca e penhor mercantil) para o cumprimento das obrigações assumidas. A isto acresce que as obrigações assumidas pela Insolvente não excedem as da contraparte, ou seja, da Autora.

A autora não teve intenção de prejudicar a Insolvente ou tirar um proveito indevido com o negócio celebrado, sendo que à data não tinha nenhum indício de que a Insolvente se encontrasse numa situação de insolvência.

A Insolvente não teve qualquer prejuízo porque a dívida existia desde novembro de 2017 e encontrava-se há muito vencida.

A Autora vendeu os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil pelo seu valor de mercado, atendendo ao estado de uso que os mesmos apresentavam à data em que foram transacionados, valor que deu a conhecer à Insolvente.

Assim, entende ser válido o contrato de reconhecimento de dívida com hipoteca e penhor mercantil, por não ser prejudicial à Ré massa insolvente, uma vez que o contrato não diminuiu, nem frustrou a satisfação dos credores da insolvência.

Consequentemente não estão preenchidos nenhum dos pressupostos necessários à resolução em benefício da massa insolvente com base nos art. 120º e 121º do CIRE, e que, por isso, a resolução deve ser revogada.

Concluiu pedindo que “seja revogada a resolução em benefício da massa insolvente notificada pela Sr.ª Administradora de Insolvência relativo ao negócio de reconhecimento de dívida, hipoteca e penhor mercantil celebrado por escritura pública na data de 02.10.2018, devendo, em consequência, manter-se todas as situações constituídas. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concede deve ser restituído tudo o que foi prestado e reconhecido e graduado o crédito da A. em conformidade.” A Massa Insolvente I..., Lda. contestou, alegando, em súmula: A autora conhecia, à data da celebração do contrato de reconhecimento de dívida, constituição de hipoteca e penhor mercantil, a situação de insolvência da sociedade Insolvente pelas razões que enuncia.

A garantia dada pela hipoteca foi obtida em troco da confissão de dívida e do acordo de pagamento faseado da mesma, pelo que o ato é oneroso.

O negócio revela uma manifesta desproporção entre as obrigações assumidas, na medida em que o valor máximo consignado pelas garantias reais constituídas (€91.349,86) é excessivamente desproporcional face ao valor em dívida que garantem (€71.363,52).

A Ré entende que a constituição de garantias reais constitui uma lesão à regra do tratamento prioritário e proporcional dos credores, pois cria um vínculo sobre determinado bem que o reserva à satisfação preferencial de um credor em detrimento dos restantes e preenche o conceito de negócio usurário, nos termos e para os efeitos do artigo 282º do Código Civil.

Mais invocou os mesmos factos que constituíram os fundamentos da resolução operada pela comunicação enviada à Autora pela Massa Insolvente –I..., Lda. em 11/12/2019 e impugnou os factos alegados pela Autora que não estão demonstrados documentalmente.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, onde se decidiu: - Absolver a Ré Massa Insolvente I..., Lda do pedido; - Declarar resolvido o ato de escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhor mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de Outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ...; - Declarar válida a resolução do contrato antes referido efetivada pela administradora da Massa I..., Lda à P... Lda. com observância dos legais formalismos.

A A. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as alegações do seguinte modo: 1. O presente Recurso é interposto da Douta Sentença proferida nos Autos nos termos da qual o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo decidiu absolver a Ré Massa Insolvente I..., Lda do pedido; Declarar resolvido o ato de escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhora mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ...; Declarar válida a resolução do contrato antes referido efetivada pela administradora da Massa I..., Lda à P... Lda” 2. A Recorrente discorda da Douta Sentença entendendo que se impõe a modificação da decisão, quer no que respeita à matéria de Facto, quer no que respeita à matéria de Direito.

  1. No entender da Recorrente, a Sentença padece de errada apreciação da matéria de facto - a sentença fez uma incorreta avaliação da prova produzida pelo que se torna necessário alterar os factos dados como provados nos pontos 3, 5 (parte inicial), 12, 19 e 29 e ainda os seguintes factos dados como não provados (como na douta sentença os factos não provados não estão numerados, por uma questão de pragmatismo, considerar-se-á, cada item como um ponto, pelo que existindo 9 items, considerar-se-á de 1 a 9) mencionados em 1, 2, 4, 5, 7, 8 e 9.

  2. Bem como padece de errada aplicação do Direito quando declara resolvido o ato de escritura de reconhecimento de dívida, com hipoteca penhora mercantil, praticado pela Insolvente, na qualidade de devedor, e P... Lda, na qualidade de credor, celebrado por escritura de 2 de outubro de 2018, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., em ..., com os fundamentos e consequências elencadas na decisão.

  3. Do mesmo modo que, se verifica uma errada aplicação do direito no que respeita ao valor a restituir pela A., ora recorrente, no caso da decisão vier a manter-se, o que só por mera hipótese se concede.

  4. A ação resume-se ao seguinte: “No dia 02-10-2018 foi celebrado por escritura pública, entre a Autora e a Insolvente, um contrato de reconhecimento de dívida, com hipoteca e penhor mercantil. Este contrato foi objeto de resolução pela Sra. Administradora da Insolvência por entender que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no art.121º do CIRE onde se inclui no nº1, al. h) “atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro de um ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte”. A Autora alega que a escritura celebrada não constitui um ato oneroso dado que a insolvente se limitou a reconhecer uma dívida, constituindo garantias (hipoteca e penhor mercantil) para o cumprimento das obrigações assumidas. A isto acresce que as obrigações assumidas pela Insolvente não excedem as da contraparte, ou seja, da Autora. A autora não teve intenção de prejudicar a Insolvente ou tirar um proveito indevido com o negócio celebrado, sendo que à data não tinha nenhum indício de que a Insolvente se encontrasse numa situação de insolvência. A Insolvente não teve qualquer prejuízo porque a dívida existia desde novembro de 2017 e encontrava-se há muito vencida. A Autora vendeu os bens móveis objeto de hipoteca e penhor mercantil pelo seu valor de mercado, atendendo ao estado de uso que os mesmos apresentavam à data em que foram transacionados. Este valor que foi dado a conhecer pela Autora à Insolvente. Assim, entende ser válido o contrato de reconhecimento de dívida com hipoteca e penhor mercantil, por não ser prejudicial à Ré massa insolvente, uma vez que o contrato não diminuiu, nem frustrou a satisfação dos credores da insolvência.

    Conclui que não estão preenchidos nenhum dos pressupostos necessários à resolução em benefício da massa insolvente com base nos art. 120º e 121º do CIRE, e que, por isso, a resolução deve ser revogada, peticionando que “seja revogada a resolução em benefício da massa insolvente notificada pela Sr.ª Administradora de Insolvência relativo ao negócio de reconhecimento de dívida, hipoteca e penhor mercantil celebrado por escritura pública na data de 02.10.2018, devendo, em consequência, manter-se todas as situações constituídas. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concede, deve ser restituído tudo o que foi prestado e reconhecido e graduado o crédito da A. em conformidade.” 7. Em contestação a Massa Insolvente I..., Lda. impugna os factos alegados pela Autora que não estão demonstrados documentalmente. Alega que a autora conhecia, à data da celebração do contrato de reconhecimento de dívida, constituição de hipoteca e penhor mercantil, a situação de insolvência da sociedade Insolvente pelas razões que elenca. A garantia dada pela hipoteca foi obtida em troco da confissão de dívida e acordo de pagamento faseado da mesma, pelo que o ato é oneroso. O negócio revela uma manifesta desproporção entre as obrigações assumidas, na medida em que o valor máximo consignado pelas garantias reais constituídas (€91.349,86) é excessivamente desproporcional face ao valor em dívida que garantem (€71.363,52). A Ré entende que a constituição de garantias reais constitui uma lesão à regra do tratamento prioritário e proporcional dos credores...

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