Acórdão nº 3181/20.3T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução14 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 3181/20.3T8VIS.C1 – Apelação Comarca de Viseu, Viseu, Juízo Local Cível Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra AA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra O..., S.A.

, ambos já identificados nos autos, pedindo que: a) se declare que o contrato de seguros referido nos autos e que se encontrava em vigor ao tempo do sinistro ocorrido no dia 19/12/2019 cobre o referido evento e b) a condenação da ré a reparar os danos/prejuízos sofridos pelo autor e que estão orçamentados no montante de € 21.279,00, acrescido de juros de mora.

Alega, para tal, em resumo, que no ano de 2015 celebrou com a ré um contrato de seguro riscos múltiplos habitação, titulado pela apólice que identificou, sendo o objecto segurado o bem imóvel identificado em 2º. Alegando seguidamente a ocorrência, no dia 19/12/2019, da tempestade Elsa, disse que pelas 20h00m do mencionado dia e como consequência da referida tempestade um dos muros que delimita a sua propriedade e que confronta com a via publica a sul ruiu. Após ter participado o sinistro à ré esta rejeitou a responsabilidade, com o que não se conforma face à circunstância das condições particulares cobrirem, entre outros, os danos “muros/muretes não int. do Edifício” e as cláusulas 29º, 33º, computando os prejuízos a este título sofridos na quantia de € 17.300,00, acrescido de IVA.

Citada a ré contestou defendendo-se por impugnação e por excepção.

Impugnando disse que em causa está a derrocada parcial de um muro de suporte de terras e de vedação, que tinha cerca de 4 m de altura, construído em alvenaria de blocos de cimento e que possuía uma via cinta no seu topo e sem pilares e tubagem para escoamento e drenagem de águas.

Mais disse que na sequência da peritagem efectuada após a participação do sinistro conclui-se que o muro não estava dimensionado nem construído de acordo com as regras técnicas, não apresentando quaisquer elementos estruturais adequados para desempenhar eficazmente a função de contenção de terras com a sua dimensão, concretamente pilares e vigas em betão armado. Invoca seguidamente que as boas práticas de construção impunham que junto à base do muro tivesse sido aplicado, no lado de dentro, um tubo para drenar as águas da chuva que se vão infiltrando no terreno que o mesmo tinha como função sustentar.

Afirmou, ainda, que com a degradação dos materiais e diminuição da resistência do muro a queda do muro era evidente, sem embargo do aumento do lençol freático pela acumulação de águas pluviais e saturação do solo por inexistência do sistema de drenagem.

Termina dizendo que os danos no muro resultaram de deficiências originárias na construção do muro, pelo que mesmo que a queda accionasse uma qualquer cobertura o dano sempre estaria excluído, nos termos das als. b) e c) das exclusões aplicáveis à cobertura e que não é legitimo exigir-lhe uma indemnização causada num muro feito sem obedecer às boas práticas de construção, o que à época da subscrição do contrato era do desconhecimento da ré. Impugnou, por fim, o valor do orçamento por não se reportar à restauração natural mas sim à construção de um muro novo, em betão armado.

* Por despacho datado de 15/12/2020 foi declarada a existência de erro na forma do processo, com a consequente distribuição como acção de processo comum.

* Com dispensa da realização da audiência prévia, elaborou-se despacho saneador tabelar, identificando-se o objecto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 143 a 160, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide:

  1. Declarar que o contrato de seguro titulado pela apólice identificada em 1. dos factos provados cobre o sinistro descrito em 6. dos mesmos factos provados.

  2. Absolver a ré do pedido de entregar ao autor a quantia de € 21.279,00, acrescido de IVA.

  3. Condenar a ré a entregar ao autor, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, quantia não concretamente apurada mas inferior ao valor agora referido em b) e correspondente à quantia necessária à reconstrução da parte do muro que ruiu e com as características assentes em 15. a 18. dos factos provados, a liquidar em execução de sentença.

    * As custas eventualmente devidas a juízo serão suportadas por autor e pela ré, o primeiro na proporção do seu decaimento.”.

    Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, O..., SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 183), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1ª/ Existe erro na apreciação da matéria de facto, bem como contradições.

    1. / O Tribunal não deu como provada a matéria não provada das alíneas c), d), e), f) e g) devia ter sido julgada provada.

    2. / Concretamente a matéria da alínea d) da matéria de facto não provada é uma explicação ou repetição em parte do facto provado nº 6, quando neste se diz que foi como consequência do peso das águas das chuvas caídas e acumuladas no terreno, que provocaram pressão sobre o muro, associado às características construtivas do mesmo e mencionadas em 15. a 18. dos factos provados, cedendo, ruiu parcialmente um dos muros que delimita a propriedade do autor e de suporte de terras.

    3. / Por isso, sob pena de contradição nas respostas a matéria da alínea d) devia ser considerada provada.

    4. / Também deriva da matéria de facto provada no nº 6, quando neste de faz a relação com os factos 15. a 18. , que a matéria não provada das alíneas c) a e), por um corolário lógico, tinha que ser considerada provada.

    5. / De um muro de sustentação de terras com 4 metros de altura e a sustentar terra com praticamente essa altura, sem pilares intervalados na sua estrutura, sem tubagem para escoar e drenar águas, com uma caixa de recepção de águas das caleiras no seu interior não se pode esperar grande longevidade, ainda por cima apresentando degradação, fissuras e sem manutenção por parte do Autor.

    6. / O colapso deste muro resultou da forma errada e deficiente como foi construído, em blocos de cimento sobrepostos, sem pilares e sem vigas, aliado ao facto de se terem indo degradando os seus elementos construtivos.

    7. / Impõem, assim, que a matéria referida não provada seja considerada provada, além dos documentos juntos aos autos, nomeadamente as fotografias juntas com a contestação e a matéria do nº 6 dos factos provados, também o depoimento da testemunha BB, que foi o perito da empresa independente R..., S.A., que procedeu à averiguação do sinistro e avaliação dos danos, nas passagens seguintes: 00:01:45; 00:02:18; 00:03:20; 00:05:10; 00:07:10 e 00:08:31.

    8. / Que confirma as circunstâncias em que o muro estava construído, a sua degradação e falta de manutenção e que este muro não tinha possibilidades de resistir.

    9. / Relevam ainda as seguintes passagens do depoimento da testemunha BB , agora a instâncias da Meritíssima Juiz nas passagens 00:09:40; 00:10:22 e 00:12:10.

    10. / Para além de se tratar, quanto à previsibilidade das consequências (a sua ruína era previsível a qualquer momento) de um facto da experiência comum, como que de um facto notório.

    11. / A matéria da alínea f) também deve ser considerada provada, porque, em rigor, se trata de matéria de excepção (alegada em 37º da contestação) à qual competia ao Autor responder, o que não fez.

    12. / Finalmente, quanto ao facto provado 5., não foi produzida qualquer prova, discordando-se totalmente da fundamentação invocada pela Meritíssima Juiz, para o dar como provado ( ser um facto notório) pelo que deve ser julgado não provado.

    13. / Assim, em resumo, os concretos meios de prova que impõem decisão diversa quanto aos factos não provados da alínea c), d), e) f) e g) e que devem ser considerados provados são as fotografias juntas com a contestação e demais documentos nomeadamente os orçamentos quanto à forma de construção do muro, em que nenhum prevê a hipótese de construir o muro tal como foi o que ruiu, o depoimento da testemunha BB nas passagens indicadas nas conclusões 8ª/ e 9ª/.

    14. / Ao presente sinistro nunca podiam ser aplicadas, pela sua natureza, as coberturas de "Inundações", mas quando muito a de "Tempestades" previstas na cláusula 32º, 2.1 - a).

    15. / Na verdade, a da Cláusula 32º, 2.1-b) refere-se a alagamento pela queda de chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior de edifício em consequência de danos causados pelos riscos mencionados em 2.1, na condição de estes danos se verifiquem nas 72 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício".

      16 17ª/ Já a da cláusula 32, 2.1 - a) pressupõe: a) que se esteja perante "tufões, ciclones, tornados e toda a acção directa de ventos fortes ou choque de objectos arremessados ou projectados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique instalações, objectos ou árvores num raio de 5 Kms envolventes dos bens seguros e desde que, no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100km/hora".

    16. / Não consta da matéria alegada, nem da matéria provada, nem de qualquer meio de prova que no local e momento do sinistro, os ventos tenham atingido velocidade igual ou superior a 100 Km/hora.

    17. / Também não consta da matéria alegada ou provada que tenha havido destruição de instalações, objectos arremessados ou projectados num raio de 5 Km envolventes dos bens seguros.

    18. / Por isso, há confusão manifesta quando na douta sentença se afirma que o sinistro dos autos e ao invés do que sustenta a Ré mostra-se enquadrado pelas coberturas garantidas pela apólice contratada e descritas em 1. dos factos provados.

    19. / Aliás, o Autor, em parte nenhuma da petição inicial, ao...

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