Acórdão nº 1117/20.0T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Junho de 2022

Data14 Junho 2022
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo nº 1117/20.0T8VIS.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Helena Melo 2º Adjunto: José Avelino Gonçalves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO AA, intenta a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A... SA., pedindo o pagamento, pela ré, da quantia de € 99.759,94 e juros, dos quais logo liquidou € 2.327,73, correspondente ao dobro do capital seguro na companhia ré, indemnização que lhe é devida por se ter visto acometida de síndrome do canal cárpico, integrante de doença profissional, e que a impede, definitivamente, do exercício da sua atividade de médica dentista, da qual deu baixa, encontrando-se reformada, tendo aderido a seguro de grupo celebrado pela Ordem dos Médicos Dentistas, que previa o pagamento, nessas circunstâncias, de tal quantitativo.

A Ré apresenta Contestação, pugnando pela improcedência da ação, por falta de verificação das condições contratuais, alegando, em síntese: com a receção, pela ré, a 12.06.2018, do Relatório do Dr. BB que determina que “dada a profissão que desempenha, apresenta incapacidade para a atividade laboral habitual”, foi suspensa a cobertura de Incapacidade Total Temporária e proposto à autora que ativasse a cobertura de Invalidez Profissional, apresentando o documento de aposentação emitido por uma entidade oficial, bem como o Atestado Médico de Incapacidade Multiusos com desvalorização igual ou superior a 60%; trocada correspondência com o mandatário da autora, por ele era defendido que o pedido de apresentação de AMIM com desvalorização igual ou superior a 60% era descabido, face à situação em clinica em que a A. se encontrava; ora, de acordo com o previsto no art. 2º das Condições Especiais da Apólice, para a garantia complementar “Invalidez profissional”, a seguradora só se obriga a liquidar o capital seguro, caso a pessoa segura seja atingida por uma invalidez profissional e cumulativamente, por uma incapacidade funcional de grau igual ou superior a 60%; por outro lado, a autora fez 65 anos em 2018, pelo que deveria ter apresentado um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso com desvalorização igual ou superior a 60%, que se reportasse a data anterior a 31.12.208, o que não fez.

* Realizada audiência de julgamento, foi proferida Sentença em que é proferida a seguinte decisão: “Julgo a presente ação procedente, pelo que condeno a ré, A... SA, no pagamento, à autora, AA, da quantia de € 99.759,94 e juros, até integral pagamento, e dos quais estavam vencidos, à data da instauração da ação, € 2.327,73.

* Inconformada com tal decisão, a Ré CC interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: I. A decisão de folhas é injusta e violadora da lei substancial e, por conseguinte, de princípios elementares de justiça.

  1. Por muito que o Tribunal a quo quisesse considerar que o que acha “mais justo” é condenar a Recorrente nunca pode olvidar que os princípios jurídicos que informam o processo dos autos (nomeadamente o princípio do pacta sunt servanda) devem ser escrupulosamente respeitados.

  2. Resultou como provado que o contrato de seguro em questão tinha, entre outras, as seguintes garantias: 4 – garantia complementar – invalidez total e definitiva (condição especial 6) Em caso de invalidez total e definitiva da pessoa segura, antes dos 65 anos, o capital seguro é igual a 100% do capital base seguro (número 1 do artigo 2º); e 6 – garantia complementar – invalidez profissional (condição especial 10) Em caso de invalidez profissional da pessoa segura, antes dos 65 anos, o capital seguro é igual a 200% do capital base seguro (número 1 do artigo 2º). A incapacidade funcional para reconhecimento do estado de invalidez prevista no número 1 do artigo 2º é fixada em 60%. Fixa convencionado que a amputação ou perda completa do uso de qualquer dedo da mão dominante em consequência de acidente é condição suficiente para que seja reconhecido ao médico dentista o estado de invalidez permanente profissional.

  3. Ora, quem tinha o ónus da prova acerca da verificação das condições contratuais para possibilidade de acionamento das garantias de cobertura da apólice era a Recorrida (art.º 342.º do Código Civil).

  4. O Tribunal a quo estriba a decisão respeitante à matéria de facto provada, entre outros elementos de prova, no relatório pericial dos autos.

  5. A Recorrida padece de um grau de incapacidade de 28% e não está impossibilitada de exercer outras atividades dentro dos seus conhecimentos técnicos, no que à sua profissão de médica dentista diz respeito.

  6. A Recorrida não preenche os requisitos necessários para que as garantias de cobertura da apólice possam ser acionadas.

  7. Não tendo a Recorrida 60% de incapacidade e não estando impedida para o desenvolvimento da sua atividade profissional, as garantias de cobertura da apólice, contrariamente àquilo que é defendido na douta Sentença agora colocada em crise, não poderiam ser acionadas.

  8. Este foi o motivo pelo qual o Tribunal a quo, sem que a Recorrida alguma vez o tenha alegado (art.ºs 3.º e 5.º do CPC), decidiu declarar nula uma cláusula constante das CONDIÇÕES PARTICULARES da apólice.

  9. Efetivamente, conforme se pode aferir pelo teor da apólice (junta a fls… com a contestação da Recorrente) as cláusulas/estipulações vindas de referir encontram-se nas CONDIÇÕES PARTICULARES ada apólice.

  10. Não se tratam de CONDIÇÕES GERAIS.

  11. Não é, pois, possível excluir as referidas condições tendo por base o diploma que regula as CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS DL n.º 446/85, de 25.10).

  12. Acresce referir que a douta decisão agora colocada em crise se limita a alegar que em face dos princípios da boa fé a cláusula/estipulação vinda de referir é nula, não remetendo para qualquer preceito jurídico concreto.

  13. De todo o modo sempre será de referir que o escopo da cláusula em questão é assegurar a um qualquer segurado a possibilidade de ser indemnizado em determinadas circunstâncias, nomeadamente não poder mais desenvolver a sua atividade profissional (o que não sucede) e ter uma incapacidade que impossibilite o segurado de desenvolver outra qualquer atividade.

  14. A mesma não é, assim, abusiva ou ofensiva de quaisquer princípios de boa-fé.

  15. A decisão recorrida violou, assim, as normas constantes dos art.ºs 405.º, 406.º, 422.º e 342.º do Código Civil, art.ºs 3.º e 5.º do CPC e o art.º 427.º do Código Comercial (em vigor à data da celebração do contrato de seguro).

  16. Estamos perante um contrato de seguro de grupo.

  17. A obrigação de comunicação das cláusulas é da responsabilidade do tomador/beneficiário do contrato de seguro (a instituição de crédito), conforme veio esclarecer, de forma definitiva, o disposto no art.º 79.º da Lei do Contrato de Seguro (Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), por remissão do art.º 78.º do mesmo dispositivo legal.

  18. O Dec.-Lei n.º 176/95, de 26.07 foi, desta forma, definitivamente interpretado no sentido que agora se encontra definitivamente plasmado na Lei do Contrato de Seguro.

  19. A obrigação de comunicação das cláusulas é do tomador do seguro e a eventual responsabilidade pela sua não comunicação, só poderia, sem prescindir, ser assacada ao tomador e nunca à seguradora, ora Recorrente.

  20. Trata-se de uma disposição legal (constante da Lei do Contrato de Seguro) que resolve, de forma definitiva, a querela jurisprudencial acerca desta problemática, servindo mesmo de norma interpretativa para o que se passava antes da entrada em vigor do aludido diploma legal.

  21. Estando-se perante um seguro de grupo, nenhuma consequência poderia advir para a mesma de qualquer problema de comunicação/validade de cláusulas contratuais uma vez que a Lei do Contrato de Seguro interpretou de forma definitiva a questão da obrigação (e responsabilidade) pela comunicação das cláusulas contratuais quando está em causa um seguro de grupo: essa obrigação cabe, em exclusivo, ao tomador do seguro e quaisquer consequências decorrentes dessa não comunicação fazem o tomador do seguro incorrer em responsabilidade civil nos termos gerais da lei.

  22. Com a entrada em vigor da Lei do Contrato de Seguro o objetivo do legislador não foi ampliar o leque de “figuras” que podem ser objeto de responsabilização contratual.

  23. A segurança jurídica dos segurados (caso existisse algum perigo neste sentido) está perfeitamente assegurada pois tem que demandar, como decorre da Lei do Contrato de Seguro, que tem natureza interpretativa em relação à querela jurisprudencial que se verificava a este propósito, o tomador do seguro.

  24. Só não seria assim se o legislador quisesse acautelar a insolvência ou do tomador ou da seguradora o que, manifestamente, não parece ser a pretensão… XXVI. A douta sentença violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do Dec. Lei. n.º 176/95, de 26.07 bem, como o disposto no art.º 227.º do Código Civil.

  25. A decisão agora recorrida tem, pois, que ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido.

*A autora apresentou contra-alegações, cujos fundamentos sintetiza, nas seguintes conclusões: (…).

*Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Não verificação das garantias de cobertura da apólice – não se encontrar impedida para o desenvolvimento da sua atividade profissional, tendo uma incapacidade funcional geral de 28%.

2. Nulidade da cláusula que exige a verificação cumulativa de uma incapacidade funcional de 60%, por violadora dos princípios da boa-fé.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A. Matéria de Facto São os seguintes os factos dados como provados na decisão...

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