Acórdão nº 685/15.3T8CBR-I.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelLUÍS CRAVO
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO O Ministério Público instaurou o presente processo judicial com vista à aplicação de medida de promoção e proteção relativamente à menor AA, nascida a .../.../2014, filha de BB e de CC.

Na conferência de pais realizada a ... foi homologado acordo de promoção e proteção no qual foi aplicada medida de apoio junto da mãe, pelo período de seis meses, comprometendo-se os pais a aceitar a intervenção do “...” do Gabinete da Ação Social da Câmara Municipal ... e a seguir as orientações que lhes fossem dadas pelos técnicos e a manter um ambiente harmonioso na presença da filha.

Tendo sido sinalizada em fevereiro de 2021 pelos SATT a continuação da comunicação disfuncional dos progenitores, o que colocava em perigo a menor, o Tribunal providenciou pela instrução dos autos, designadamente através das audições dos pais, conferências, relatórios das entidades que tiveram intervenção junto dos pais, como o Centro de Prestação de Serviços à Comunidade da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Instituto Nacional de Medicina Legal, CEIFAC, Segurança Social, informações escolares e Gabinete de Intervenção Sistémica do Instituto Superior Miguel Torga, bem como esclarecimentos dos respetivos profissionais.

Em conferência de pais, realizada a ..., foi celebrado novo acordo de promoção e proteção, traduzido em «medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, pelo período de seis meses, nos termos dos artigos 35.º, n.º 1, alínea a), 36.º, 39.º, 55.º e 56.º da LPCJP», sendo que neste âmbito se determinou, nomeadamente, que a situação da criança seria acompanhada pela Segurança Social.

De referir que em subsequente informação enviada, datada de 19.05.2022, as técnicas dos SATT concluem propondo a aplicação da medida de acolhimento residencial, por três meses, única que no entender da equipa, atendendo à inexistência de retaguarda familiar eximida e ao comprometimento da relação paterno-filial, seria capaz de nesta fase acautelar o bem-estar integral da AA.

O Ministério Público, concordando com tal posição das técnicas dos SATT, pronunciou-se oportunamente no sentido de que a AA se encontra em situação de grande perigo aos cuidados da mãe.

* Por despacho judicial proferido na sequência, mais concretamente em 07.07.2022, considerou-se que «A sobreposição do alto conflito parental ao bem-estar da AA constitui, de acordo com os vários técnicos envolvidos no acompanhamento e com a avaliação psicológica da criança e sua interação com os pais (vide a avaliação psicológica solicitada no processo de regulação apenso), o principal fator de risco para a criança», pelo que se decidiu, a final, o seguinte: «Assim, de harmonia com os artigos 35.º n.º 1, al. f) e 37.º n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, inexistindo por ora alternativa em meio natural de vida, procurando retirar a AA do conflito parental a que se encontra sujeita até que os pais elejam o seu bem estar como bem superior à manutenção do litígio, determina-se a aplicação à AA, a título cautelar, da medida de acolhimento residencial, única medida que, neste momento, se mostra adequada para afastar a situação de perigo em que se encontra, atenta a sobreposição do conflito dos pais ao bem-estar da AA e à falta de adesão da mãe à intervenção proposta.

Os convívios da AA com os pais ocorrerão na residência onde a criança AA seja integrada, cumprindo as orientações da respetiva equipa técnica.

Determino a emissão dos competentes mandados de condução da criança ao Centro de Acolhimento que o SATT vier a indicar.

» * Inconformada com essa decisão, apresentou a progenitora da menor, CC recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes “conclusões”: «1- Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido nos autos e que determinou “a aplicação à AA, a título cautelar, da medida de acolhimento residencial, única medida que, neste momento, se mostra adequada para afastar a situação de perigo em que se encontra, atenta a sobreposição do conflito dos pais ao bem-estar da AA e à falta de adesão da mãe à intervenção proposta”.

2- Entendeu o douto Tribunal a quo aplicar a medida mais gravosa de todas as medidas previstas, aparentemente face à incapacidade da mãe para, no momento actual, exercer de forma responsiva e empenhada as responsabilidades parentais, para garantir a estabilidade emocional e as necessidades psico-afectivas da filha”, traduzidas, a avaliar pelos “factos indiciariamente demonstrados”, na “obstacularização” dos convívios entre pai e filha, o que não pode aceitar-se.

3- Desde logo, a “informação junta aos autos a 28.04.2022” não podia referir-se a convívios posteriores à sua data de elaboração, tratando-se de um lapso que importa corrigir, imaginando a ora recorrente que o douto tribunal a quo se quereria referir à informação de 19/05/2020.

4- E diz-se “imaginando”, uma vez que a ora recorrente não foi pessoalmente notificada nem da proposta da SATT, nem para fazer comparecer a AA onde quer que seja, nem de qualquer outra coisa constante do referido despacho, pois dele não foi pessoalmente notificada e não ficou a conhecê-lo.

5- Também não é exacto, como consta da Informação social de 03/06/2022, que a AA tenha faltado a qualquer sessão de acompanhamento psicológico.

6- É certo que a mãe reagendou, fundamentando, duas das consultas (a de 19/04/2022 para 22/04/2022 e a de 20/05/2022, para 23/05/2022), mas não faltou, tendo a AA comparecido em todas elas.

7- Ou seja, a AA, enquanto esteve com a mãe, não faltou a qualquer consulta agendada pela Drª DD, psicóloga que a acompanha no âmbito do projecto SER+Família.

8- Salvo o devido respeito, mesmo que tal fosse exactamente assim – e não é como se demonstrou – ainda assim, não nos parece que seja suficiente para arrancar uma criança de 8 anos do seio da família que sempre conheceu e que tem por securizante e protectora.

9- Por outro lado, a medida foi aplicada pelo período de três meses, com início a 12/07/2022, o que significa que terminará a 12/10/2022 - um mês depois do início do ano lectivo, o que significa que, para além da já de si difícil separação da mãe, com quem viveu toda a sua vida e da adaptação a uma nova situação e casa, a medida aplicada, a manter-se, imporá à AA mais uma difícil adaptação, desta vez a uma nova escola, sem o suporte e apoio da mãe.

10- Tornando também mais difícil, também a nível logístico, a sua reversão, o que deve ser muito bem equacionado.

11- A ora recorrente é e sempre foi uma boa mãe, sendo a AA a menina dos seus olhos, o seu grande amor e a sua única e verdadeira prioridade.

12- A decisão a agora tomada e de que se recorre é demasiado gravosa para a AA, estando a ora recorrente convencida de que trará mais prejuízos do que benefícios, especialmente a manter-se para além do início do ano lectivo, como decidido.

13- Devendo, pois, ser revogada, voltando a AA a residir com a mãe, que desde já se compromete a cumprir com todas as recomendações que lhe vierem a ser efectuadas quer pelo tribunal, quer pela Segurança Social, tal como sempre cumpriu com o acompanhamento psicológico da AA, que também foi interrompido pela medida aplicada e que é imperioso que seja retomado.

14- Ao decidir da forma explanada no despacho proferido violou o douto tribunal a quo, entre outros, os princípios da proporcionalidade e adequação e do superior interesse da criança.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser o douto despacho proferido revogado, com todas as legais consequências.

JUSTIÇA! » * Contra-alegou o Ministério Público, sustentando a manutenção do decidido.

* Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - a (in)correção da medida de proteção aplicada.

* 3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Vejamos o elenco factual que foi considerado “fixado”/“provado” pelo Tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido pela Recorrente, por nada ter sido formulado pela mesma no quadro do art. 640º do n.C.P.Civil, se encontra circunscrito à matéria de direito. Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância: «- BB intentou a...

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