Acórdão nº 668/20.1T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução11 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório.

As Comunidades Locais (Universo de Compartes) dos lugares de ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia e concelho de ..., organizados em Assembleia de Compartes dos ..., ..., ..., ..., ... e ..., propuseram, no dia 15 de Setembro de 2020, contra o Município e a freguesia ..., no Juízo Local Cível ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção declarativa, com processo comum, pedindo a condenação dos últimos a: a) Reconhecer que os terrenos inscritos nos artigos matriciais rústicos da Freguesia e Concelho ... identificados no artigo ....º da P.I., são baldios; b) Reconhecer que os referidos terrenos são possuídos e geridos pelas comunidades locais das aldeias serranas de ..., ..., ..., ..., ... e ... da Freguesia e concelho de ...; c) Reconhecer que os terrenos baldios, identificados no artigo ....º da p.i, são administrados através de actos de representação, disposição, gestão e fiscalização pelos órgãos daquelas comunidades locais democraticamente eleitos, com exclusão de quem quer que seja; d) Reconhecer que as inscrições matriciais dos terrenos baldios identificados no artigo ....º da p.i. em nome do Município ..., foram indevidamente efectuadas; e) Absterem-se da prática de quaisquer actos materiais ou jurídicos que ofendam a posse das comunidades locais das aldeias serranas de ..., ..., ..., ..., ... e ..., da freguesia e concelho de ...l, sobre os terrenos baldios identificados no artigo ....º da p.i.

f) Ver ordenado o cancelamento de quaisquer descrições e inscrições na Conservatória do Registo Predial ..., que entretanto tenham sido efectuados, bem como os que se vierem a efectuar, e ainda ordenar a inscrição na matriz junto da Autoridade Tributária em nome das comunidades locais ..., ..., ..., ..., ... e ..., referente aos terrenos baldios já melhor identificados no artigo ....º da p.i.

g) Ver declarado a ilegitimidade da gestão exercida sobre os prédios identificados no art.º 4.º desta PI, e, consequentemente, ver invalidados todos e quaisquer contratos, sejam que natureza forem, celebrados sobre aqueles prédios, desde a data da constituição da Autora em 11/06/1995, cfr. Acta n.º 1; Fundamentou estas pretensões no facto de ter sido constituída através de Comissão ad hoc, em 22 de Janeiro de 1995, com o recenseamento dos compartes, tendo ocorrido a assembleia constituinte e eleitoral dos respectivos órgãos sociais em 11 de Junho de 1995, reconhecida pelo Chefe da Zona Florestal do Pinhal Litoral, de, sob os artigos matriciais rústicos da freguesia ..., se acharem inscritos na titularidade do Município ..., os baldios denominados ..., ..., ..., ..., ... e ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., prédios nos quais as comunidades locais aparentaram os seus gados, extraíram lenha, cortaram e recolheram matos para a cama nos currais dos animais, bem como pedras para as suas construções, colheram os frutos das árvores, semearam e colheram tremoços, actos que sempre foram praticados desde tempos que excedem a memória dos homens, ou seja, há mais de 100, 200 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, de forma conjunta e segundo os usos e costumes e necessidades das comunidades locais e sem interrupção, na convicção de que se trata de propriedade comum, comunitária, de os réus se a arrogarem gestores desses terrenos, invocando essa gestão perante as mais diversas autoridades, de o Município ...

celebrar contratos com diversas entidades privadas, tendo dado a exploração de pedra do baldio ..., e de aquele e a freguesia ... terem vindo a celebrar contratos com empresas de exploração e produção de energia eléctrica eólica, em vários terrenos baldios, contratos que estão feridos de nulidade por falta de legitimidade para os subscrever.

Os réus defenderam-se por excepção dilatória, invocando a falta de capacidade judiciária da autora e a irregularidade da sua representação e, por impugnação, negando a veracidade dos factos alegados por aquela e afirmando que o Município ... é o possuidor dos prédios, há mais de 50 anos, com o apoio e colaboração da freguesia ....

A autora pronunciou-se pela improcedência de todas as excepções.

O Sr. Juiz de Direito do Juízo Local Cível ..., por despacho de 12 de Janeiro de 2021, convidou a autora a aperfeiçoar petição inicial, esclarecendo no pedido formulado na alínea g) qual concreta consequência que assaca aos contratos alegadamente celebrados pelas Rés, assim como concretizando e identificando cada um desses contratos e suprindo as assinaladas imprecisões na matéria de facto contidas nos artigos 17.º e 18.º da petição inicial, mediante a alegação de factos que ilustrem a celebração pelas Rés de determinados contratos geradores de direitos e obrigações, com indicação especificada dos elementos, objecto e sujeitos de cada um desses contratos – convite em acatamento do qual a autora apresentou nova petição na qual especificou aqueles contratos e modificou o pedido formulado na alínea g), no sentido da condenação dos réus a ver declarada a ilegitimidade da gestão exercida sobre os prédios identificados no art.º 4.º desta PI, e, consequentemente, declarar a nulidade dos contratos melhor identificados nos art.ºs 17. e 18.º desta PI, desde a data da constituição da ora Autora em 11/06/1995, cfr. Acta n.º 1, e/ou em alternativa, caso assim não se entenda, subsidiariamente, seja declarada a sua ineficácia relativamente à Autora.

Por despacho de 18 de Maio de 2021, admitiu-se, a pedido da autora, a intervenção principal provocada, como associadas dos réus, de I..., S.A., e de E..., S.A. que ofereceram articulado próprio.

E..., S.A., invocou a falta de capacidade judiciária da autora, a ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, dado que o contrato de cessão de exploração de terrenos baldios foi celebrado também com as Juntas de Freguesia ..., ... e ..., e respeita a parque eólico que só parcialmente se localiza nos baldios reclamados pela autora, pelo que o pedido da sua nulidade nunca poderá proceder totalmente, e a excepção peremptória do abuso, pela autora, do direito, e impugnou os factos articulados por aquela.

Em reconvenção pediu que, caso se considere que os baldios de ... ..., ..., ..., ... e ... detêm legitimidade para administrar e ceder a exploração dos terrenos baldios em questão, condenar a autora, em representação daqueles baldios, a celebrar um contrato de cessão de exploração de terrenos baldios com a EESS, com efeitos para o futuro, no que respeita aos aerogeradores 4, 6, 7 e 8, declarando-se cessados os efeitos do Contrato de Cessão de Exploração apenas no que respeita a esses aerogeradores, mantendo-se porém a plena validade desse contrato no que diz respeito ao aerogeradores 1, 2, 3, 5, 9 e 10, e, em alternativa, nesse caso, condenar a Autora e os Réus na celebração de um negócio jurídico tendente à cessão da posição contratual do Município ... e da Junta de Freguesia ..., no âmbito do Contrato de Cessão de Exploração no que respeita aos aerogeradores 4, 6, 7 e 8, mantendo-se, porém, a plena validade do contrato atual no que diz respeito aos aerogeradores 1, 2, 3, 5, 9 e 10, e subsidiariamente, caso se considere que os Baldios de ..., ..., ..., ..., ... e ... detêm legitimidade para administrar e ceder a exploração dos terrenos baldios em questão e aqueles pedidos reconvencionais não sejam julgados procedentes – o que por mero dever de raciocínio se concebe sem, todavia, conceder –, condenar o Município ... ao pagamento dos custos de remoção dos aerogeradores que a EESS terá de suportar, bem como dos lucros cessantes decorrentes da perda de produção dos mesmos e quaisquer outras despesas e danos emergentes advenientes da perda do direito de utilização desses terrenos, nos termos do disposto no número 1 da cláusula 6.ª do Contrato de Cessão de Exploração e na alínea f) do número 1 da cláusula 12.ª do Contrato de Atribuição de Licença, relegando-se para execução de sentença a determinação desses montantes.

A interveniente principal I..., S.A, invocou a excepção da incompetência em razão da matéria do Tribunal, dado que o litígio emerge de contratos administrativos, pertencendo a competência aos tribunais administrativos, a sua ilegitimidade e a da autora, por esta pedir a nulidade dos contratos desde a sua constituição, em 11 de Junho de 1995, e o contrato de concessão do direito de exploração de preda no baldio do lugar do ... ter sido celebrado em 3 de Janeiro de 1978, a falta de personalidade judiciária da autora e a excepção peremptória do abuso, pela última, do direito e, por impugnação, afirmou desconhecer parte dos factos alegados por aquela.

Por despacho de 23 de Novembro de 2021, o Sr. Juiz de Direito do Juízo Local Cível ... fixou à causa o valor de € 60 000,02, declarou a incompetência daquele juízo, em razão do valor, e determinou a remessa do processo para o Juízo Central Cível ....

A autora pronunciou-se, entretanto, pela improcedência das excepções opostas pelas intervenientes principais, designadamente a da incompetência em razão da matéria.

O Sr. Juiz de Direito do Juízo Central Cível ..., por decisão de 1 de Abril de 2022, depois de observar que a causa de pedir dominante consiste na precisamente na celebração pelos Réus dos vários contratos sujeitos a regras de direito administrativo celebrados desde 1971 a 2014, sendo aplicável o regime anterior ao regime previsto na Lei n.º 75/2017 de 17 de Agosto, pelo que são competentes para apreciar e julgar o presente processo os tribunais administrativos e fiscais e não os tribunais comuns, declarou o ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., incompetente, em razão da matéria, para preparar e julgar a presente acção e, em consequência, absolveu os Réus e Intervenientes Principais Passivos da instância, sem prejuízo da faculdade prevista no art. 99.º, n.º 2, do CPC.

É esta decisão que a autora impugna no...

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