Acórdão nº 1558/21.6T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução25 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - N... UNIPESSOAL, LDA., intentou, em 21/4/2021, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra R... UNIPESSOAL, LDA. e AA, pedindo a condenação solidária dos RR. no pagamento da quantia de € 37.520,00 e juros de mora vencidos calculados à taxa de juro comercial de 7% ao ano, desde 2/12/2020, ate 21/4/2021, no valor de € 1.007,39, sem prejuízo dos juros vincendos até integral pagamento, bem como a condenação da R. na devolução de dois moinhos e de uma máquina de café.

Alegou para o efeito – e muito resumidamente – que celebrou com a R., com fiança do R., um contrato de fornecimento de café que, além do mais, previa a aquisição de 9.000 Kg de café ao longo os 5 anos da sua duração, e que lhe entregou, como contrapartida, a quantia de € 148.215,00. Como a R. não adquiriu toda a quantidade de café convencionada, tendo apenas adquirido 5.248 kg dos 9.000 que deveria ter adquirido, entende que a mesma lhe deve, a titulo de cláusula penal, o montante de 10,00 por cada kilo de café contratado e não adquirido, o que perfaz a quantia de 37.520,00. Pede, em consequência, o pagamento deste valor, acrescido dos juros desde 2/12/2020 – dez dias sobre a segunda carta que lhes enviou - bem como pede a devolução da maquinaria que havia colocado no estabelecimento.

Por requerimento de 4/5/2021, e antes da citação dos RR, deu, no entanto, conhecimento no processo, que, «no dia 26.04.2021, obteve a entrega voluntária do equipamento cuja devolução fazia parte do pedido, requerendo, ao abrigo do disposto no artigo 283º/1 do CPC, a redução do pedido quanto à restituição do equipamento, por inutilidade superveniente, devendo os autos prosseguirem quando ao demais», não tendo chegado a recair qualquer despacho sobre o requerimento em causa.

Os RR. contestaram, pretendendo, antes de mais, estar em causa um contrato de adesão que não lhes foi explicado, nada tendo a R. podido negociar, assim pugnando por que unicamente sejam válidas as cláusulas 1ª, 8ª, 9ª e 10ª. Mais alegaram que quando a A. resolveu o contrato por incumprimento já o mesmo havia caducado, em função do decurso do prazo pelo qual foi celebrado, e que, de todo o modo, o contrato não foi incumprido pela R., pois que vigoraria até ser consumida a quantidade de café contratada ou até que se encontrasse decorrido o período de 5 anos, facto este que sucedeu. Sustentam ainda que a A. age em abuso de direito, porque nunca reagiu à circunstância de a R. nunca ter consumido a quantidade de café mínima mensal prevista no contrato durante a sua vigência, pois nunca os interpelou no sentido de se encontrarem em mora ou em incumprimento. Pretendem ainda que a fiança é nula por objecto indeterminado, e que o contrato deve ser modificado por alteração anormal das circunstâncias, atendendo a que surgiram, após a sua celebração, factos insólitos que assim o justificam, entre os quais a pandemia, pretendendo também que a cláusula penal estabelecida é desproporcional e excessiva.

A A. replicou, pugnando pelo indeferimento das excepções.

Teve lugar audiência prévia, no qual foi proferido despacho saneador, se fixou valor à acção - € 51.445,65 – se conheceu da excepção de abuso de direito e da excepção peremptória de nulidade da fiança, tendo uma e outra sido julgadas improcedentes, se identificou o objecto do processo e se enunciaram os temas de prova.

Ainda nessa audiência, e no que se refere à apreciação da prova requerida pelos RR, a R. requereu, para prova do alegado nos 13 a 17 e 57 da contestação, a notificação da A. para informar os autos, «juntando suporte documental para o efeito, de qual o custo de fabrico e preço de venda (para revenda e considerando as quantidades aqui em causa) do café descafeinado da marca “B...” “Lote Gold”», tendo o o Exmo Juiz convidado os RR. a aguardarem pela audiência final, onde teria lugar depoimento de parte do R., depois se reavaliando da necessidade ou pertinência da pretendida notificação .

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os RR. no pagamento, à A, da quantia de € 12.000,00, em sessenta prestações mensais e iguais, a liquidar no último dia útil do mês a que respeitem, e a iniciar no mês seguinte ao do trânsito em julgado da decisão, sendo devidos, em caso de eventual incumprimento, aferido mensalmente, juros, à taxa legal, no momento em vigor entre empresas comerciais, sobre a(s) quantia(s) em dívida, e até integral pagamento da(s) mesma(s), mais absolvendo RR. de tudo o mais contra eles pedido.

II – Do assim decidido, apelaram A e RR.

II – A – A A. concluiu as alegações da sua apelação, do seguinte modo: I -Salvo o devido respeito, o Mmº juiz não possuía elementos que lhe permitisse concluir que o preço de custo de cada quilo de café para a recorrente era de 15€.

II- O Mm juiz assentou a sua convicção apenas e só no depoimento da testemunha BB, aliás sem qualquer convicção, recheado de hesitações, umas vezes afirmando “não faço ideia”, “eu prefiro não fazer ideia”, apenas concretizando a insistência do Mmº juiz que sabia até onde poderia ir nas negociações. – declarações gravadas do (minuto 12,06 a 12,25; 13,04 a 13,48; 13,59 a 15,50 III- Não relevando para a fixação desse preço de custo a especificidade de cada negócio, isto é, a contrapartida financeira entregue pela recorrente à recorrida, no caso concreto 148.215,00€, com IVA incluído – facto provado ponto 4, bem como a perda de publicidade.

IV- Investimento essencial para a fixação do preço de custo, como explicou a testemunha BB – gravação de 16,50 a 18,08 e 21,28 a 23,26).

V- Assim, o facto dado como provado no ponto 57 – “o preço do fabrico e distribuição do quilo de café em causa ascende a cerca de € 15,00” deverá ser considerado -não provado VI- Estando em causa uma cláusula penal com natureza indemnizatória e compulsória, era aos recorridos que competia a alegação e prova de factos que permitissem considerar a cláusula penal manifestamente excessiva, o que não aconteceu.

VII- Apenas no alegado preço do custo do quilo do café, atribuído pelo Mmº juiz com base no único depoimento, inconsequente e inconsistente, sem considerar qualquer outro custo associado à colocação do café no estabelecimento da recorrida, designadamente o elevado montante despendido pela recorrente, serviu de fundamento para a elevada redução da clausula penal pedida pela recorrente.

VIII- Na nossa opinião, salvo o devido respeito, teria o Mº juiz, com base na prova produzida em audiência, para além de levar em consideração o elevado investimento da recorrente, a perda de publicidade à sua marca de café, também fixar-se na causa de incumprimento da recorrida, que mais não foi do que contratar com a marca de café “D...” Considerando o depoimento da testemunha BB – (minuto 31,36), da testemunha CC (gravação minuto 3,09 a 3,15) e DD -gravação 4,49 a 5,47), deveria o Mmº Juiz ter considerado provado -“que em 2020 a ré mudou de marca de café”.

IX- Para além da redução da cláusula penal o Mmº juiz fixou o seu pagamento em 60 prestações mensais.

X- Salvo o devido respeito, o Mmº juiz extrapolou os seus poderes.

XI- Não se vislumbrando, salvo melhor opinião, justificação legal para o ter feito.

XII- A recorrente pede a condenação dos recorridos no montante global de 38.527,39€, a título de indemnização. Ao condenar os recorridos ao pagamento da indemnização de 12.000,00 € em prestações mensais, o Mmº juiz condenou-os em objecto diverso do pedido.

XIII- O que, de acordo com o estabelecido no artigo 615º, nº 1, al. e) do CPC, tem como consequência a nulidade da sentença.

XIV- Nulidade que não impede este tribunal de recurso do conhecimento da apelação, como decorre do artigo 665º/1 do CPC A R. apresentou contra-alegações, sem conclusões, pugnando pelo indeferimento do recurso.

II – B – Por sua vez, concluiu as alegações da sua apelação, nos seguintes termos: I . O presente recurso tem por objecto a decisão proferida pelo Tribunal a quo que, por um lado, entendeu que ocorreu incumprimento contratual, desconsiderando que o contrato celebrado entre as partes havia caducado aquando da resolução do mesmo operada pela Autora e, por outro lado, que julgou improcedente a excepção peremptória de abuso de direito invocada pelos réus (esta última apreciada no despacho saneador, proferido na audiência prévia ocorrida em 14- 01-2022).

II. O Tribunal a quo deu como provado que “A ré não devolveu o equipamento” (facto provado nº 17, por referência à petição), contudo o mesmo deveria ter sido dado como não provado.

III. Acontece que, por requerimento datado de 04-05-2021 (ref.ª 38754906), a Autora deu a conhecer ao processo que “N... UNIPESSOAL, LDA., autora no processo à margem identificado que move a R... UNIPESSOAL, LDA., vem informar V. Exa. que no dia 26.04.2021, obteve a entrega voluntária do equipamento cuja devolução fazer parte do pedido. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 283, nº 1 do CPC, vem requerer a V. Exa a redução do pedido quanto à restituição do equipamento, por inutilidade superveniente, devendo os presentes autos prosseguir quanto ao demais”.

IV. Perante a inequívoca confissão/redução da Autora, o aludido facto deverá ser dado como não provado para todos os efeitos legais, aditando-se um facto à matéria dada como provada, nos seguintes termos: “A ré devolveu o equipamento que lhe foi comodatado à autora”.

V. Por outro lado, a sentença dá como não provado que “(…) devendo tal aquisição ser obrigatoriamente efectuada através de uma compra mínima mensal de 150 kg, durante os 60 meses do contrato previstos no número 1) da cláusula sexta” (facto não provado nº 3, por referência à petição), quando o mesmo deveria ter sido dado como provado.

VI. O facto de que a aquisição do café deveria ser efetuada através de uma compra mínima mensal de 150 kg resulta categoricamente do contrato outorgado entre as partes, além de se tratar de um facto admitido e assente...

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