Acórdão nº 3221/19.9T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório A.

, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra 1.ª - "B.

, S. A.

” e 2.ª - “Universidade C.”, estas também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da contraparte a pagar-lhe a quantia total de € 228.481,26 ([1]), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência de acidente, acrescida de juros, à taxa supletiva legal, a contar da citação e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, que: - tendo celebrado um contrato de bolseira de investigação com a 2.ª R., a A., nesse âmbito contratual, quando efetuava trabalho laboratorial, sofreu um acidente, tendo o seu cabelo sido colhido pelo rotor do “agitador” (máquina com sistema de rotação de alta velocidade), ocasionando-lhe diversas lesões, designadamente no couro cabeludo, com submissão a tratamentos e intervenções cirúrgicas, bem como decorrentes sequelas, tudo com os inerentes danos patrimoniais e não patrimoniais; - a A. beneficiava de um seguro contra acidentes pessoais, por via do qual a 2.ª R. havia transferido para a 1.ª R. a responsabilidade por acidentes pessoais sofridos pelos seus bolseiros de investigação; - a 2.ª R. é responsável pelas consequências emergentes dos acidentes pessoais sofridos pelos seus bolseiros de investigação, mormente na parte excedente ao montante máximo da cobertura do seguro.

Contestaram ambas as RR.: - a 2.ª R. invocou, para além do mais, que, com a celebração do contrato de seguro, transferiu para a 1.ª R. a responsabilidade por eventuais acidentes pessoais sofridos pela A., sendo que o estatuto de bolseiro de investigação não gera relações de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços, mostrando-se excluída a responsabilidade contratual dessa 2.ª R., para além de não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, sendo, em qualquer caso, excessivos os montantes indemnizatórios peticionados; - a 1.ª R. alegou que, vistas as coberturas contratadas e os montantes já suportados para regularização do sinistro, à A. apenas cabe receber, no máximo, a quantia de € 5.380,69, mais impugnando os danos invocados e os valores reclamados.

A A. respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.

Tramitados os autos e realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «(…) julgo a ação parcialmente procedente, por provada (…) e, em consequência, condeno a 1.ª ré, “ B. , S.A.”, a pagar à autora (…) as seguintes quantias: a) 45.000,00 EUR (…), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, contados desde a presente data, até efetivo e integral pagamento; b) 5.000,00 EUR (…), a título de danos patrimoniais futuros, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação da 1.ª ré; c) 380,69 EUR (…), a título de despesas de tratamento, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a data da citação da 1.ª ré.

Absolvo as rés do demais peticionado.

(…)».

Da sentença condenatória, veio a 1.ª R. (seguradora), inconformada, interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([2]): «1 – A sentença recorrida violou o preceituado nos artigos 236º, nº 1, 238º, nº 1, 405º, nº 1 e 562º todos do CC, nos artigos 1º, 175º, nºs 1 e 2 e 210º do RJCS e no artigo 9º, nº 1, al. e) da Lei nº 40/2004, de 18 de agosto; 2 – O contrato de seguro dos autos não inclui, no âmbito das coberturas contratadas, a indemnização por danos não patrimoniais, jamais se podendo considerar, in casu e atentas as cláusulas do contrato, que tais danos estão incluídos na cobertura de “Invalidez Permanente”; 3 - Com efeito, conforme resultou provado e consta das Condições Particulares e das Condições Gerais juntas como docs. nºs 1 e 2 à contestação da ora Recorrente, à data do sinistro ocorrido, a Ré Universidade C. mantinha com a Ré B. , SA, um contrato de seguro de “Acidentes Pessoais”, titulado pela apólice nº ..., que contemplava as seguintes coberturas: - morte ou invalidez permanente, até ao montante de 50.000,00 EUR; - incapacidade temporária, até ao montante diário de 50,00 EUR; - despesas de tratamento e repatriamento, até ao montante de 10.000,00 EUR; 4 - No que respeita à cobertura por “morte ou invalidez permanente”, prevê-se no artigo 4.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii), que «o montante da indemnização será obtido pela aplicação ao valor seguro, da respetiva percentagem de invalidez permanente estabelecida na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro, adiante designada por Tabela de Desvalorizações, que faz parte integrante destas condições gerais» – cf. “condições gerais” da apólice juntas como documento n.º 2 com a contestação da ora Recorrente; 5 - Ou seja, o critério para a determinação do quantum indemnizatório contemplado nesta cobertura é meramente aritmético, sendo o valor a liquidar tão só o produto da divisão do capital seguro máximo pela percentagem de desvalorização atribuída; 6 - As condições contratuais pré-estabelecidas às quais aderiu o tomador de seguro (transmitidas à Autora, conforme resultou provado) não contemplam, pois, no risco da Incapacidade coberto, os danos não patrimoniais, onde o critério prevalente é o da equidade (art. 496º, nº 4 do CC); 7 - Procedendo à interpretação da apólice do seguro sub judice, tendo presente a teoria da impressão do destinatário tal como prevista no artigo 236º do CC, cremos que dos termos em que na mesma se mostra garantida a indemnização por invalidez permanente resulta a nosso ver, com clareza, que esta não compreende as consequências não patrimoniais que eventualmente a pessoa segura possa sofrer em consequência do sinistro verificado aquando do exercício da sua actividade de bolseira; 8 - Desde logo nas Condições Gerais da apólice o conceito de “Invalidez Permanente” é definido como “Perda ou incapacidade funcional, parcial ou total, de um membro ou órgão da pessoa segura, clinicamente constatadas e sobrevindas dentro de 24 meses a contar da data do acidente, e deste directa e exclusivamente resultantes”, cfr. art. 1º do Cap. I das Condições Gerais juntas à contestação como doc. nº 2; 9 - Se atentarmos no teor de todas as subalíneas da alínea b) do artigo 4º das Condições Gerais do contrato, verificamos que todos os critérios de apuramento da indemnização para a cobertura de invalidez permanente têm pressupostos exclusivamente de cariz aritmético, cfr. art. 4º do Cap. lI das Condições Gerais juntas à contestação como doc. nº 2; 10 - E se verificarmos o teor das exclusões contratuais, constantes do artigo 7º do Capítulo III, podemos constatar que se encontra excluído “todo e qualquer prejuízo consequencial directo e/ou indirecto, nomeadamente lucros cessantes e/ou perdas e financeiras de qualquer natureza.”; 11 - Ora, perante este texto contratual e sendo o contrato de seguro um contrato formal – o que determina que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (art. 238º, nº 1 do CC) -, é manifesto que na reparação da invalidez permanente foi convencionado um critério dependente de meros cálculos matemáticos (no qual não intervém o princípio geral contido no artigo 562º do CC, segundo o qual o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido e repará-lo integralmente), não se vendo como pode ter-se como compreendida no capital por invalidez permanente, para além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda da capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais; 12 – A entender-se assim, teríamos que aceitar a incongruente solução de que a apólice apenas contemplaria a reparação de danos não patrimoniais em casos de menor gravidade, em que a invalidez permanente fosse de um valor percentual mais baixo, pois o valor do capital disponível para tal indemnização iria diminuindo à medida que fosse subindo o grau de desvalorização funcional permanente. O que não será de admitir; 13 - Por outro lado, não se pode descurar que o diploma que regula o estatuto do Bolseiro de Investigação – Lei nº 40/2004, de 18 de agosto, apenas prevê no seu artigo 9º, nº 1, al. e), a garantia da existência de um seguro de acidentes pessoais, incluindo as deslocações ao estrangeiro; 14 - Não estabelece coberturas mínimas, não estabelece capitais mínimos, nem estabelece qualquer imposição de inclusão da cobertura de danos não patrimoniais, como bem nota a sentença recorrida; 15 - Deixando, por isso aos contraentes a liberdade de modulação da relação contratual, nos termos do artigo 405º, nº 1 do CC e 11º do RJCS; 16 - A significar que o legislador não estipulou qualquer obrigatoriedade a esse título; 17 - Assim, por tudo o exposto e tudo ponderado, não pode a ora Recorrente ser responsabilizada por qualquer indemnização a título de danos não patrimoniais, os quais, atentas as razões aduzidas, não estão abrangidos pelas coberturas contratadas; 18 – Jamais se podendo considerar, atento o clausulado contratual e o regime legal aplicável, que dentro da cobertura de Invalidez permanente estão incluídos todos os tipos de danos, incluindo os não patrimoniais, (neste sentido, vide, entre outros, Ac.STJ de 7-11-2019, Proc. nº 654/16.6T8ABT.E1.S1 e AcRGuimarães de 15-01-2015, Proc. nº 1266/09.6TBEPS.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt); 19 - Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada em conformidade com as presentes alegações, não se condenando a Recorrente no pagamento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais, a qual não está contemplada no âmbito das garantias do contrato de seguro dos autos.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V...

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