Acórdão nº 8509/20.3YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | EMÍDIO FRANCISCO SANTOS |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra A.
, residente em ..., ..., requereu, através do procedimento especial de injunção, a notificação de B. e de sua esposa, C., residentes em ...strasse ... – Hagen, no sentido de lhe ser paga a quantia de € 26 622,86, conforme discriminação a seguir indicada: capital: € 19 600,00; juros de mora: € 6 869,86; taxa de justiça: € 153.
Para o efeito alegou: 1. Que ele, requerente, é empresário em nome individual, dedicando-se à actividade de empreiteiro de construção civil, enquanto que o requerido se dedica à construção de edifícios para venda; 2. Que, em 30 de Setembro de 2003, no âmbito dessas actividades, o requerente celebrou com o requerido um contrato denominado pelas partes de empreitada, tendo por objecto a execução pelo requerente dos trabalhos de construção de um edifício multifamiliar, composto por duas moradias geminadas independentes, no lugar de ..., freguesia de ..., concelho da ...; 3. Que as moradias objecto do contrato destinavam-se a ser vendidas pelos requeridos a terceiros; 4. Que o preço estipulado foi o de € 184 000,00 (cento e oitenta e quatro mil euros); 5. Que a obra foi executada pelo requerente dentro do prazo estipulado e entregue ao requerido, que a aceitou sem reservas ou reclamações, em finais do ano de 2004; 6. Que do valor do preço estipulado apenas foi pago ao requerente a quantia de € 164 400,00, permanecendo até hoje em dívida o montante bruto de € 19 600,00.
Notificados, os requeridos opuseram-se ao procedimento de injunção. Na sua defesa alegaram em síntese: 1. Que o imóvel cuja construção foi adjudicada pelo requerido ao requerente não foi objecto de afectação a qualquer actividade económica ou profissional do requerido, pelo que, não estando em causa uma transacção comercial, não era lícito o recurso ao procedimento de injunção; 2. Que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da injunção de factura relativa à transacção comercial pelo que, não existindo factura, não era admissível lançar mão do procedimento de injunção; 3. Que o requerimento injuntivo era inepto por falta de causa de pedir; 4. Que no caso de não procederem as excepções invocadas, o pedido deveria improceder já que o montante reclamado não era devido, pois o requerido liquidou todos os trabalhos executados pelo requerente.
Além de se oporem à injunção de pagamento, os requeridos pediram a condenação do requerente como litigante de má-fé, no pagamento de multa e de indemnização a favor deles.
Os autos foram remetidos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
O requerente respondeu à matéria das excepções, sustentando a respectiva improcedência, e contestou o pedido de condenação como litigante de má fé.
No despacho saneador, o tribunal a quo, pronunciando-se sobre as excepções alegadas na oposição, decidiu: · Julgar improcedente a alegação de ineptidão do requerimento de injunção; · Julgar improcedente a alegação de que não era lícito ao requerente recorrer ao procedimento especial de injunção; · Julgar improcedente a alegação de que, uma vez que não existia factura relativa à transacção entre o requerente e o requerido, não era lícito àquele requerente recorrer ao procedimento especial de injunção.
O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência foi proferida sentença que decidiu: 1. Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar os réus B. e C. a pagar ao autor A. a quantia de dezanove mil e seiscentos euros [€ 19.600,00] contra a apresentação da competente factura; 2. Condenar os réus como litigantes de má-fé em multa de 25 UC. O recurso: Os réus não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação. Neste recurso impugnaram ainda o despacho saneador, na parte em que julgou improcedentes as excepções dilatórias invocadas na oposição. Pediram: (…) * Questões suscitadas pelo recurso: Como se vê pela exposição efectuada, o recurso tem por objecto várias decisões. Seguindo a regra do n.º 1 do artigo 608.º do CPC de que a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica - – aplicável ao acórdão proferido em sede de apelação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC –, o primeiro segmento do recurso que importa conhecer é o que tem por objecto o despacho saneador na parte em que julgou improcedente a alegação dos ora recorrentes de que não era lícito ao requerente recorrer ao procedimento especial de injunção. Com efeito, caso se entenda que o procedimento especial de injunção não era o meio processual próprio para exigir judicialmente aos réus o pagamento da quantia de € 26 622,86, a consequência será a absolvição da instância dos requeridos. E com a sua absolvição da instância fica sem efeito a condenação deles no pagamento da quantia de € 19 600, bem como a sua condenação como litigantes de má fé e ficará prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas na apelação.
* Apreciemos, pois, o recurso interposto contra o despacho saneador, na parte em que ele julgou improcedente a alegação dos ora recorrentes de que não era lícito ao requerente recorrer ao procedimento especial de injunção.
O despacho saneador decidiu neste sentido dizendo, em síntese, que face ao teor do requerimento de injunção e quadrículas preenchidas, o procedimento de injunção era, em abstracto, ajustado ao pedido formulado. E era em abstracto ajustado pois os factos alegados pelo autor permitiam enquadrar o crédito invocado no conceito de crédito emergente de transacção comercial e tanto bastava para concluir que o autor requereu a providência em abstracto adequada à finalidade tida em vista.
Os requeridos contestam a decisão recorrida com uma dupla linha argumentativa.
A primeira é constituída pela alegação de que, sendo controvertida a qualidade em que o réu interveio no contrato, o conhecimento da invocada excepção dilatória inominada de falta de condição da acção (inexistência de relação entre a situação de facto deduzida e o regime legal invocado) devia ser relegada para a decisão final [VI conclusão].
A segunda é constituída pela alegação de que a edificação das moradias não foram objecto de afectação de qualquer actividade económica ou profissional do réu e que a transacção em apreço foi entre empresário da construção civil em nome individual (autor) e pessoa singular/consumidor (réu) [conclusões XVII a XXIV].
Esta segunda linha argumentativa assentou, por sua vez, na impugnação da decisão de julgar provada, sob as alíneas b) e e) que o réu B. dedicava-se à construção de imóveis para revenda e arrendamento e que pretendia rentabilizar as moradias germinadas a construir por intermédio da sua venda ou arrendamento a terceiros.
Apreciação do tribunal: A resposta às questões suscitadas pelos recorrentes remetem-nos, antes de mais, para a delimitação do campo de aplicação do procedimento de injunção.
Este procedimento foi instituído pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro, que o definiu como a providência que permitia que o credor de uma prestação obtivesse, de forma célere e simplificada, um título executivo, condição indispensável ao cumprimento...
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