Acórdão nº 1330/20.0T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório 1.

AA, residente na ..., e BB, residente em ..., intentaram acção declarativa contra CC, residente na ..., pedindo seja declarada a resolução do contrato de arrendamento existente entre autores e réu, e ser este condenado no despejo imediato do local arrendado e a entregá-lo livre e devoluto àqueles.

Alegaram, em síntese, que entre autores e réu vigora contrato de arrendamento habitacional que teve início em Março de 1998 e foi celebrado pelo prazo de 5 anos. Sucede que o réu não reside no local, utilizando-o como armazém há mais de um ano. Conclui estarem verificados os fundamentos de resolução constantes do corpo do nº 2 e als. c) e d) do art. 1083º do Código Civil.

O réu, reconhecendo que não usa electricidade e água, alegou que toma as refeições no locado, que aqui tem muitos objectos de sua propriedade, dorme, passa momentos de lazer e recebe amigos no locado e tem o seu domicílio fiscal.

* A final foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido. * 2. Os AA recorreram concluindo que: 1. Entendeu a Meritíssima Juiz a quo, perfilhando a interpretração mais “exigente” para o senhorio, no sentido de que as situações tipificadas nas alíneas do nº 2 do artigo 1083º do Código Civil só poderão constituir fundamento de resolução do contrato de arrendamento se preencherem a a cláusula geral prevista no citado nº 2, isto é, se a sua gravidade e consequências tornarem inexigível a manutenção do contrato pelo senhorio, que os factos dados como provados nos autos não seriam suficientes para a resolução do contrato de arrendamento em apreço.

  1. Contudo, os factos considerados provados na sentença nos pontos D) e F) a Q) à luz da legislação em vigor e jurisprudência (amplamente) maioritária, impunham decisão contrária àquela que foi proferida pela Meritíssima Juiz a quo.

  2. Porquanto ficou provado, de modo manifesto e notório, que o apelado não faz uso normal que um bom pai de família faria de um imóvel arrendado para habitação, não usando ou nele tendo residência permanente há mais de um ano, utilizando o local arrendado para fim diverso daquele a que se destina, conforme se refere na douta sentença recorrida, onde se afirma utilizar o apelado o local arrendado (também) como armazém, do mesmo ainda efetuando ainda perigosa e ilegal utilização.

  3. Local arrendado esse, assinale-se, onde a Merítissima Juiz teve (grande) dificuldade em entrar, conforme resulta dos autos.

  4. A questão a decidir é a de saber se o uso que o apelado faz do imóvel arrendado, onde não prepara, nem confeciona refeições, não recebe visitas, não convive com familiares e amigos, não comemora datas festivas, não toma banho, não faz higiene pessoal, não lava nem seca roupa, não lava louça, não utiliza a cozinha e não efetua qualquer consumo de água e eletricidade, desde há anos, para além de manter ocupadas e inutilizádas todas as divisões do local arrendado, cheias de caixas do mais variado tipo e tamanho, contendo documentos e vários outros objetos, do mesmo fazendo perigosa utilização, se pode definir como residir no mesmo ou não e se tal uso está compreendido no espírito da lei ao referir-se ao uso do prédio para o fim para que foi contratado, mantendo a exigibilidade para o senhorio de manter o contrato de arrendamento.

  5. Todos os acórdãos anteriormente referidos nas presentes alegações são no sentido de que para que se possa concluir se o arrendatário tem ou não residência permanente no prédio arrendado, tudo o que importa averiguar é se é nele que o mesmo tem instalada e organizada a sua economia familiar, se é nele que têm lugar todas as relações de convivência familiar e social, de natureza normal e constante, do arrendatário, podendo assim concluir-se que não reside permanentemente no local arrendado o inquilino que ali não pratica os factos referidos como não provados nos pontos F) a Q) dos factos provados.

  6. O facto do apelado entrar e sair de casa todos os dias, ou mesmo de dormir num pequeno sofá (em vez de no quarto, por este estar cheio de objetos acumulados), não significa que o Apelado tenha residência permanente no locado, aliás como muito bem rtefre o Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Junho de 1995 BMJ 448º, 444, “Dormir no locado não é suficiente para se concluir que o réu tem aí a sua residência permanente.

    ” 8. Residência permanente implica, entre outros, cozinhar, receber família ou amigos, lavar e secar roupa, tomar banho e fazer a sua higiene pessoal, lavar a louça, manter a casa limpa e arrumada, ora nenhuma destas atividades é realizada pelo apelado no local arrendado, sendo o mínimo para isso exigível manter contrato de água e eletricidade no local arrendado o que também não existe conforme provado nos autos, não se podendo dizer que alguém tem residência permanente, num local onde, há anos, não se verifica qualquer consumo de água e de eletricidade.

  7. E não tendo residência permanente no local arrendado não merece o apelado a especial proteção que a lei confere ao arrendatário, assim evitando relevante e rápida deterioração do local arrendado (incluindo canalização de água, provavelmente há muitos anos não utilizada).

  8. Tendo em conta todos os factos suprarrefridos, não deveria a Meritíssima Juiz a quo, com o devido respeito, que muito é, ter considerado improcedente o pedido dos apelantes, porquanto resulta claro dos autos que o apelado não tem residência permanente no local arrendado desde, pelo menos 2019, utiliza o mesmo como armazém e, por isso, para fim diverso àquele a que se destina, efetuando perigosa e ilegal utilização do mesmo (apesar da falta de alegação que o apelado não usar velas ou seja fumador...).

  9. Situações que pela sua gravidade e consequências implicam a inevitável deterioração do local arrendado dada a falta de uso e incorreta e ilegal utilização do mesmo, tornando manifestamente inexigível para os apelantes/senhorios a manutenção do contrato de arrendamento.

  10. Ao ter decidido da forma como o fez a Meritíssima Juiz a quo violou o disposto no nº 2 do artigo 1083.º alíneas b) e c) do Código Civil, porque a utilização feita do locado pelo apelado, é uma utilização contrária à lei e aos bons costumes, desvaloriza o imóvel, provocando uma deterioração incompatível com o normal uso de uma casa de habitação e é uma utilização diversa daquela para que foi contratada.

  11. Face à prova produzida em julgamento não andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao dar como provado que não houve alteração do fim a que o imóvel se destina ou que o apelado tem residência permanente no locado, pelo que deverá a sentença ser alterada e proceder a ação, por violação do art. 1083.º n.º 2 alíneas b) e c) do Código Civil.

  12. Todos os requisitos legalmente exigidos para se concluir pelo direito à resolução por parte dos apelantes foram cumpridos, pelo que a ação intentada pelos mesmos deverá proceder substituindo-se a douta sentença recorrida por outra que dê ganho de causa aos apelantes, condenando o apelado nos respetivos pedidos, assim de pugnando pela procedência do presente recurso.

    Termos em que deverá revogar-se a douta sentença quanto à matéria do recurso, substituindo-a por outra que condene o Apelado nos termos suprarreferidos, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA a que essa douta Relação já nos habituou! 3. Inexistem contra-alegações.

    II - Factos Provados

    1. Os Autores são donos e legítimos proprietários da fração autónoma, destinada a habitação, designada pela letra “C”, correspondente ao rés-do-chão...

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