Acórdão nº 360/18.7T8PBL-A.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. AA, BB, por si (Apenso A) e na qualidade de herdeiro de CC, DD, EE, FF na qualidade de herdeiro do embargante GG, falecido na pendência da causa, e HH e II na qualidade de herdeiras de CC, deduziram oposição (por embargos) à execução para pagamento de quantia certa[1] que lhes é movida por C..., S. A. (C...)[2], aduzindo, em síntese: a executada CC faleceu em 25.01.2008 e por isso, o preenchimento da livrança caducou; a sociedade subscritora da livrança exequenda (F..., Lda.) celebrou com o então B... um contrato de abertura de crédito em conta corrente de utilização múltipla em 1996, alterado em 2004 e objeto de um aditamento em 2006; para garantia ficou na posse da exequente uma livrança avalizada pelos sócios da sociedade subscritora e respetivos cônjuges; AA, BB e mulher DD procederam à amortização e cessão das quotas sociais de que eram titulares em 23.6.2011; EE transmitiu a sua quota em 02.10.2013; AA, BB e mulher DD e EE e o ex-cônjuge GG deixaram de ter qualquer participação social ou ligação à sociedade subscritora e, nesse momento, não existia qualquer montante em dívida ao exequente; após perderem a qualidade de sócios transmitiram verbalmente e por escrito à exequente e comunicaram a sua desvinculação das garantias; nessa medida, consideram o preenchimento da livrança abusivo; consideram ainda que o contrato é nulo por o objeto ser indeterminável; o requerimento executivo é inepto por não se lograr apurar o valor em dívida, logo a obrigação é incerta, ilíquida e inexigível.

Concluíram pela sua absolvição do pedido.

A exequente/embargada contestou, dizendo, nomeadamente, que a vontade de desvinculação dos garantes avalistas não é suscetível de, unilateralmente, produzir efeitos; os executados/embargantes assinaram a livrança e respetivo pacto de preenchimento, aceitando que fosse preenchida em caso de incumprimento das obrigações assumidas; nunca aceitou, a qualquer título, a desvinculação dos embargantes como avalistas da livrança dada à execução e que foi preenchida de acordo com o convencionado; improcede a demais matéria de exceção. Concluiu pela improcedência dos embargos.

Na sequência do acórdão desta Relação de 11.02.2020 (que revogou o saneador-sentença de 16.9.2019), foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 08.7.2021, julgou parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os embargos de executado e, em consequência: julgou extinta a execução quanto a BB, DD e AA; determinou o prosseguimento da execução contra EE, FF como herdeiro de GG, responsabilidade limitada aos bens que tenha recebido de GG (art.º 744º do Código de Processo Civil/CPC), BB, EE, HH e II, como herdeiros de CC responsabilidade limitada aos bens que tenham recebido de CC (art.º 744º do CPC).

Inconformada, a exequente/embargada apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - A Recorrente instaurou em 26.01.2018 ação executiva tendo por base uma livrança subscrita pela sociedade F..., Lda. e avalizada por CC, JJ, KK, BB, DD, EE, LL e AA, no valor de € 81 409,65.

  1. - Os avalistas e respetivos habilitados apresentaram embargos alegando, essencialmente, que se desvincularam de sócios da sociedade e, por esse motivo, deixaram de ter responsabilidade pelo aval outrora prestado.

  2. - Alegam os embargantes que, com a comunicação infra se desvincularam do aval prestado, 4ª - O Tribunal a quo, com a comunicação supra entendeu que “é de interpretar a comunicação da cessão de quotas e desvinculação das garantias como declaração de oposição à renovação da garantia aquando da renovação do próprio contrato de crédito.” 5ª - Não ficou provado, por não ter acontecido, a existência de oposição à renovação do contrato de crédito.

  3. - Mais, quanto à garantia prestada não ficou definido que a garantia poderia ser alterada ou extinguida sem consentimento de ambas as partes.

  4. - O pacto de preenchimento não é sujeito a denúncia ou resolução - limita-se a acordar condições para o preenchimento de uma livrança.

  5. - Não entende assim a Recorrente como é que o Tribunal a quo entende o aval como um contrato de garantia com condições iguais ao contrato primitivo.

  6. - Sucede que os Recorridos enquanto sócios poderiam ter decidido denunciar o contrato antes de cederem as suas quotas ou deveriam ter acautelado a sua posição de garante com os novos sócios, não correndo o risco inerente à prestação do aval.

  7. - Isto é, porque deveria a lei proteger um indivíduo que vendeu e lucrou com a transferência das quotas da sociedade e se olvidou de assegurar que estaria completamente liberto de qualquer responsabilidade em prol do sujeito que cumpriu o acordado? 11ª - Não está em causa uma negação da Recorrente em alterar a situação do contratado com a sociedade, nomeadamente com substituição de garantias.

  8. - Foi apenas comunicado que os avais deveriam ser cancelados.

  9. - Pela documentação junta aos autos, pelos testemunhos prestados e por toda a situação em si, temos que concordar com a posição do AUJ 4/2013: “Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”.

  10. - No presente caso existiu a celebração de um contrato de abertura de crédito.

  11. - Os sócios da empresa prestaram aval ao referido contrato.

  12. - O aval consiste numa garantia pessoal das obrigações cartulares cuja finalidade é garantir o pagamento da obrigação cambiária, representando, portanto, um reforço suplementar de segurança atribuído ao credor, neste caso à Recorrente.

  13. - A obrigação do avalista é materialmente autónoma, subsistindo mesmo no caso da obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, conforme art.º 32º, n.º 2 da LULL.

  14. - Não faz assim naturalmente sentido que se oponha à renovação da garantia aquando da renovação do próprio contrato de crédito.

  15. - Muito menos fará sentido terem os avalistas, que não são parte da relação principal (contrato de crédito), o poder de alterar, unilateralmente e sem qualquer consentimento do credor, o pacto de preenchimento ou adicionar condições ao mesmo, nomeadamente às garantias e funcionamento das mesmas.

  16. - Seguindo a posição do AUJ, o aval não se caracteriza por ser um contrato, mas antes um ato jurídico unilateral, não reptício, autónomo, abstrato, não sendo passível de ser denunciado.

  17. - E temos que concordar com o AUJ, pois a garantia prestada foi o aval, existindo muitas outras que poderiam ter tomado o seu lugar, como a fiança.

  18. - Mas se foi o aval a figura escolhida, pelas suas características, não poderá à posteriori ser a figura desvirtuada em prol da vontade única e exclusiva de uma das partes.

  19. - Apesar de ser claro que a perda de qualidade de sócio exclui a possibilidade de acompanhar e gerir a vida da sociedade, esse risco não pode ser suficiente para desfigurar o aval e a garantia que um qualquer credor tem.

  20. - É um risco que o próprio sócio tem que ponderar quando dá o seu aval, é um risco que o sócio tem que ponderar e acautelar quando decide ceder as suas quotas e afastar-se da sociedade.

  21. - Não está vedado ao sócio, que no próprio contrato de cessão de quotas possa transferir, no plano interno, a respetiva responsabilidade para o cessionário ou renegociar a substituição da garantia diretamente com o credor.

  22. - E é o facto de nenhum dos Recorridos, ex-sócios, ter acautelado a sua situação que joga contra eles.

  23. - Pois deveriam ter acautelado a alteração de garantia ou término da mesma enquanto tinham ainda influência na sociedade ou no momento em que negociaram a cessão das suas quotas.

  24. - Não o tendo feito não podem agora tentar desvirtuar o acordado e infligir mais danos na Recorrida, que perderia a sua garantia e que não poderia reclamar os valores aos cessionários das quotas.

  25. - E temos ainda em conta que a missiva que cada um dos Recorridos remeteu.

  26. - Pedem os Recorridos que sejam cancelados todos os avais ou qualquer outra responsabilidade bancária assinada pelos mesmos.

  27. - Não se entende como poderá ser aposto contra a Recorrente uma simples declaração onde nem se especifica que contrato ou garantia se refere ou sequer apresentam uma fundamentação para o “cancelamento”.

  28. - E não entende a Recorrente como é que o Tribunal a quo conseguiu interpretar as três linhas de texto, que requerem cancelamento de avais e de todas e quaisquer responsabilidades bancárias, a uma oposição, válida, de renovação de um contrato específico.

  29. - Contrato esse que o Tribunal a quo identifica como “contrato de garantia”.

  30. - Não sendo um contrato, mas sim um negócio jurídico unilateral, não é suscetível de denúncia.

  31. - Mas, ainda que o se pudesse considerar que o documento junto aos autos pelos embargantes pudesse ter os efeitos por estes pretendidos, nunca poderia o tribunal, sem mais, considerar que aquela declaração permitiria que os embargantes ficassem desvinculados de toda e qualquer responsabilidade bancária! 36ª - Ainda assim o Tribunal a quo responsabiliza a Recorrente quando dita que “se não obstante as comunicações de cedência de quotas e desvinculação das garantias e mais, da diminuição das reservas legais e património da sociedade decorrente da cedência e amortizações de quotas, o Exequente entendeu manter, nos seus exatos termos, o contrato de crédito (garantido), sendo esta matéria da sua disponibilidade, terá de suportar o risco decorrente de ter sucessivamente renovado um contrato de crédito com garantias potencialmente inadequadas ou insuficientes.” 37ª - Isto leva-nos a concluir que o Tribunal a quo é da posição de que não só a Recorrente deveria ter interpretado a missiva que requer “que, a partir desta data sejam cancelados todos os avais, ou...

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