Acórdão nº 4339/19.3T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO O Município de L...

, com os sinais dos autos, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “N..., S.A.

”, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação do R. «(…) a pagar ao Autor o valor das garantias first demand corporizadas nos documentos nºs 1 a 7 juntos a este articulado [a petição inicial], no montante de 1 040 032,15 € (um milhão, quarenta mil e trinta e dois euros e quinze cêntimos), acrescido dos juros à taxa contratual correspondente à taxa máxima de juro praticada pelo N... para as operações activas, que é de 15% ao ano, contados do dia 4/06/2019 ate integral pagamento, liquidando-se os juros já vencidos em 50.434,44 euros.».

Alegou, para tanto, em síntese ([1]): - em 08/04/2009, o “B..., S.A.” (doravante, B...), celebrou a favor da sociedade “L..., S. A.”, um contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.”, do contrato que tinha por objeto a empreitada de conceção/construção com estudo prévio, do P...; - por tal contrato o B... obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação, sem que a beneficiária tivesse que justificar o pedido e sem que o banco pudesse invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato de empreitada referido ou com o cumprimento das obrigações que a “I..., S.A.” assumisse com a celebração desse contrato, tendo-se também obrigado a pagar essa quantia no dia seguinte ao do pedido; - no dia 04/08/2009, o B... celebrou a favor da referida sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.”, do contrato que tinha por objeto a empreitada de conceção/construção com estudo prévio, do aludido P..., outorgado com a referida sociedade “L...”, obrigando-se o banco a pagar aquela quantia à primeira solicitação; - no dia 14/12/2009, o mesmo B... celebrou a favor da sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.” do contrato que ela e a “L...” haviam outorgado e que tinha por objeto a mesma empreitada, obrigando-se o banco a pagar aquela quantia à primeira solicitação; - em 23/04/2010, o B... celebrou a favor da sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma, no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “I..., S.A.” e obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação; - no dia 19/07/2010, o mesmo B... celebrou a favor daquela “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “C..., S.A.” do contrato que ela e a “L...” haviam outorgado e que tinha por objeto a dita empreitada, sendo que por tal contrato o banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação; - no dia 11/01/2010, o B... celebrou a favor da sociedade “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 50.000,00, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para a sociedade “C..., S.A.” do contrato que ela e a “L...” haviam outorgado, sendo que por tal contrato o banco obrigou-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação; - no dia 30/01/2009, o B... celebrou a favor da “L...” outro contrato de garantia autónoma no valor de € 740.032,15, destinado a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações decorrentes para o consórcio “I..., S.A.” do contrato outorgado com a “L...”, obrigando-se o banco a pagar aquela quantia à primeira solicitação; - após vicissitudes várias, passou a ser o Município o titular da posição acionista correspondente a 49% do capital social que a empresa “L...” detinha na “L...”, com efeitos a 30/09/2014; - em 04/02/2016 foi, em assembleia geral da “L...”, realizada com a presença de todos os seus acionistas, deliberado autorizar a cessão gratuita, a favor da sociedade, da totalidade das ações de que eram titulares os acionistas privados; - em 2016, a Assembleia Municipal deliberou a dissolução imediata da empresa “L..., S.A.”, com internalização das suas atividades, incluindo todos os ativos e passivos, resultando a incorporação no Município do objeto do contrato de empreitada referente ao dito P..., passando este a deter a posição jurídica de beneficiário das garantias em questão; - na sequência de auto de vistoria e tendo em conta as anomalias existentes, em 26/01/2019 foram as empresas que constituíam o consórcio notificadas para procederem à respetiva reparação, no prazo de 90 dias, o que, porém, não ocorreu, pelo que o Município deliberou o acionamento das garantias bancárias first demand e, em 31/05/2019, solicitou ao aqui R. o seu pagamento, o que este recusou, sem razão, mediante a invocação de a sociedade “L...” se encontrar extinta, com a consequência de ter deixado de existir beneficiária para as garantias bancárias ([2]).

Contestou o R. (N..., S.A.), defendendo-se por impugnação, invocando, designadamente, o desconhecimento do anterior relacionamento entre as diversas sociedades aludidas, e por exceção, âmbito em que invocou, para além do mais, ter-lhe sido solicitado o cancelamento das garantias pelas ordenantes, ter verificado, na sequência, que a respetiva beneficiária («L...») já se encontrava dissolvida e liquidada desde dezembro de 2016.

Esgrimiu também depender a transmissão da posição de beneficiário das garantias para o A. de consentimento do R., nunca solicitado, nada lhe tendo sido notificado a respeito, estando ainda configurado abuso do direito, na modalidade de supressio, tornando ilegítima e inatendível qualquer posição jurídica ativa a que se arroga o A., sendo ainda que, caso assim não se entendesse, haveria direito de regresso contra as ordenantes das garantias.

Concluiu, assim, pela improcedência da ação e, caso assim não se entendesse, pela admissão da intervenção acessória das ordenantes das garantias ([3]).

O A., notificado, veio expressar que, havendo, no caso, defesa por exceção, mas não reconvenção, não há lugar a réplica (art.º 584.º do NCPCiv.), podendo a resposta admissível ser deduzida na audiência prévia ou, na ausência desta, na audiência final, para esse momento, por isso, remetendo a sua resposta/contraditório.

A sociedade “C..., S.A.”, na qualidade de interveniente acessória (assistente do R.) apresentou contestação, invocando que: - as garantias bancárias identificadas nos autos se encontram canceladas, não tendo qualquer efeito jurídico; - à carta do Município de 17/10/2018, informou a Chamada “C..., S.A.” que não iria participar na vistoria agendada pelo Município, por a receção definitiva da obra do P... já ter ocorrido em 07/09/2017 e por o ato convocado, para além de não ter qualquer sustentação legal, ser inútil; - pugnando assim pela total improcedência da ação.

Também “F..., S.A.”, chamada a intervir como parte acessória, deduziu contestação, apresentando defesa por exceção e por impugnação: - para além da matéria de exceção (incompetência em razão da matéria), alegou que: - no exercício da sua atividade, agindo em consórcio, na sequência do respetivo concurso público, celebrou um contrato de empreitada de obras públicas com a já extinta sociedade anónima, constituída, na altura, como uma parceria público-privada (PPP), “L..., S. A.”, nos termos do qual esta adjudicou a construção do P...; - em virtude desse contrato, o banco R., a pedido da chamada, aprovou a garantia bancária prestada a favor daquela sociedade, “L...”, a título de caução, para garantir o exato e pontual cumprimento das suas obrigações contratuais; - aquela só se manteria em vigor até à sua extinção, nos termos previstos na legislação aplicável (DLei n.º 59/99, de 02-03) e a beneficiária daquelas garantias só poderia executá-las, se demonstrasse, de forma objetiva, que a ré ou alguma das suas consorciadas, haviam incumprido o contrato celebrado entre si; - as garantias sempre se extinguiriam com a receção definitiva da obra, que ocorreu em, pelo menos, em 07/09/2017; - a obra foi entregue e disponibilizada à “L...” (dona da obra), iniciando-se o respetivo período de garantia (5 anos), durante o qual a empreiteira/entidade executante está obrigada a realizar, por sua conta, todos os trabalhos de correção e reparação de quaisquer deficiências supervenientes, em decorrência de defeito de execução inicial ou dos materiais utilizados na mesma; - a obra foi utilizada, pela primeira vez, em termos públicos, em 04/01/2012 e, até ao verão de 2012, foram ali sendo realizados outros eventos, o que corrobora que a obra estava concluída e havia sido efetivamente entregue ao dono da obra, estando em condições de ser plenamente utilizada.

Notificadas as partes para informarem se nada opunham à dispensa da audiência prévia, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova por despacho escrito, nenhuma oposição foi deduzida.

Porém, em novo despacho, o Tribunal, admitindo a possibilidade de conhecer de imediato do mérito da ação [art.º 595.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv.], determinou a notificação das partes para assegurar o princípio do contraditório, evitando decisões surpresa, e alegarem o que houvessem por conveniente.

O A./Município, notificado, veio alegar, pronunciando-se, designadamente sobre o invocado abuso do direito e concluindo pela procedência da ação, enquanto o R., por sua vez, concluiu pela total improcedência da mesma.

Após o que foi proferido despacho saneador-sentença, conhecendo do mérito da causa – considerou-se «que os elementos e o estado dos autos assim o permitem» –, em cujo dispositivo, julgando improcedente a ação, se determinou «a absolvição dos réus do pedido».

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT