Acórdão nº 610/17.7T8CVL-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de COIMBRA RELATÓRIO AA, mãe dos menores BB, CC e DD, veio em 10/12/21, ao abrigo do disposto nos artigos 41.º e 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, invocar o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais pelo progenitor dos menores EE, alegando o não pagamento da prestação de alimentos devida aos menores nos meses de Outubro de 2016 a Abril de 2017 e no ano de 2020, à excepção do mês de Março, altura em que os menores residiram com o progenitor. Mais alega não terem sido pagas as despesas escolares tidas com os menores, no valor de € 216,45, tudo no valor global de € 4.608,00.

Peticiona, assim, que seja ordenado o cumprimento coercivo da pensão de alimentos através do imediato desconto no vencimento do Requerido das prestações vincendas, a remeter à Requerente, através do depósito na sua conta bancária com o IBAN ....

* Notificado para alegações nos termos e para os efeitos do artº 43 do RGPTC, veio o progenitor Requerido invocar que após o divórcio os ex-cônjuges reconciliaram-se, passando a coabitar em condições análogas às dos cônjuges, desde inícios de 2017 a Fevereiro de 2020, razão pela qual não são devidas as prestações de alimentos referentes aos menores, por já prestados.

Mais alega que após a separação ocorrida em 2020, acordaram extra-judicialmente na guarda partilhada dos menores, suportando cada um os alimentos devidos nesses períodos, razão pela qual não está em dívida com qualquer quantia de alimentos.

Por último, alega que nunca lhe foram pedidas quaisquer despesas escolares dos menores e que já deu entrada da acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais dos menores.

* Designada data para audiência de julgamento foi proferida decisão no tribunal a quo na qual se julgou “procedente o presente incidente e, em consequência, declara-se o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais pelo requerido – obrigação de pagamento de prestação de alimentos, incluindo despesas educação aos filhos, condenando-o no pagamento das pensões de alimentos supra mencionadas, no valor de € 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros), acrescido do valor por despesas na quantia de € 108,20 (cento e oito euros e vinte cêntimos) o que perfaz o valor global de € 5.508,20 (cinco mil quinhentos e oito euros e vinte cêntimos)”.

*** Notificado da decisão proferida e não se conformando com a mesma, veio o requerido interpor recurso, formulando no final das suas alegações, as seguintes: “IV- CONCLUSÕES: I. O Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida pelo Tribunal “A quo” que julgou a ação procedente, por provada e nessa medida, o condenou na totalidade do pedido, contudo entende que a mesma não faz justiça.

  1. A douta sentença que, julgou procedente o incidente – o incumprimento do exercício das responsabilidades parentais condenou o, aqui recorrente, “no pagamento das pensões de alimentos supramencionadas, no valor de €5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros), acrescido do valor por despesas na quantia de €108,20€ (cento e oito e vinte cêntimos) o que perfaz o valor global de €5508,20€ (cinco mil e quinhentos e oito euros e vinte cêntimos).” III. A douta Sentença de 1.a Instância incorreu em erros na apreciação de algumas questões suscitadas nos presentes autos e na sua apreciação global da prova produzida e junta aos autos, nomeadamente documental e testemunhal violando, assim, normas de direito substantivo e processual, como adiante se demonstrará, nomeadamente o artigo 334.º do Código Civil, Abuso de direito na modalidade de suppressio.

  2. Uma modalidade de abuso de direito que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara.

  3. Na verdade, o abuso do direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objeto de apreciação e decisão, ainda que não invocado, o que não foi objeto de apreciação pela douta sentença aqui em crise.

  4. A douta sentença desconsiderou o valor probatório de um documento – o acordo extrajudicial da Responsabilidades Parentais autenticado que – nos termos do artigo 369.º e artigo 371.º do Código Civil considera, este último, que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos a que se referem.

  5. Ao olvidar os dois aspetos mencionados a douta sentença incorreu em erros na apreciação de algumas questões suscitadas nos presentes autos e na sua apreciação global da prova produzida e junta aos autos, o que aqui expressamente se recorre.

  6. Ficou provado– matéria de facto provada – ponto 14 – e cita-se “Requerente e Requerido reconciliaram-se, após o divórcio, em abril de 2017, continuando a viver juntos, em comunhão de mesa, cama e habitação, em condições em tudo análogas às dos cônjuges, inclusivamente, no que concerne ao pagamento e suporte de despesas de ambos e dos seus filhos, até março de 2020.

  7. A 26 de junho de 2020, subscreveram acordo de alteração da regulação das responsabilidades parentais extrajudicialmente X. A douta sentença, ao não se pronunciar sobre os dois aspetos – abuso de direito e o acordo extrajudicial por documento particular - está a penalizar desmesuradamente o aqui recorrente, condenando-o duplamente, na medida em que no período de reconciliação procedeu e promoveu alimentos e agora ao condená-lo valida o pagamento de mensalidades referentes ao período de reconciliação e a um período que as partes, quiseram, afastar e cessar aplicação do acordo da regulação das responsabilidades parentais.

  8. O Recorrente no período de reconciliação contribuiu para os alimentos/sustento e vivência familiar.

  9. Após a separação está a ser condenado a um pagamento que as partes não quiseram acordar, pensão de alimentos, mas quiseram, que pelo seu punho subscrever outro acordo que deveria prevalecer sobre os demais, tanto que o autenticaram.

  10. A douta sentença deu como provado que o Requerido, aqui recorrente, não pagou a pensão de alimentos relativas aos meses – ponto 11 da A1 – Matéria de facto provada. – Períodos em que viveram em condições análogas às dos cônjuges e ainda, mutuamente, redigiram um acordo que afastava o pagamento de pensão de alimentos.

  11. A 22 de abril de 2021, por apenso aos autos principais “foi homologado, por sentença, acordo de alteração das RRP” XV. Perante a realidade de reconciliação duradoura, não se retira em momento nenhum que o progenitor faltou ao cumprimento da prestação de alimentos de forma culposa.

  12. Não era exigível ao aqui Recorrente manter a obrigação alimentar, isto é, promovendo o pagamento da quantia de 300,00€, através de transferência, na medida em que diariamente os proporcionava aos seus filhos.

  13. Entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente deveria ter comparticipado, duplamente, com alimentos, quer através de pensão de alimentos acordada em determinado período, quer através da vivência em comum.

  14. O que é manifestamente abusivo, na medida em que no concerne à prova testemunhal o tribunal a quo entendeu que e cita-se “são todas coincidentes quanto ao lapso temporal em que a requerente e requerido viveram juntos” isto é “requerente e Requerido reconciliaram-se em 2017 e viveram junto até ao início da pandemia – março de 2020.” XIX. Relativamente à prova documental junta aos autos, aqui em crise, o Tribunal a quo, salvo melhor opinião, desconsiderou –nomeadamente o valor probatório do documento – acordo extrajudicial de alterações da RRP, documento autêntico.

  15. A douta sentença condena o Recorrente como se não tivesse, nesse período de conciliação e depois por acordo contribuído de forma igual ao da Requerente.

  16. O Tribunal a quo, entendeu na sua apreciação global e dentro das regras a que está adstrito que seria uma prática normal, de um homem médio, viver em condições análogas ao de um cônjuge, conjuntamente com os seus filhos, ter que a determinado dia de cada mês depositar na conta bancária da progenitora, que vivia na mesma casa, partilhando mesa, cama e habitação, a prestação de alimentos regulada quer por sentença quer pelo acordo extrajudicial.

  17. Com o devido respeito, sérias dúvidas se levantam que a normalidade, o acima descrito seria o comportamento de um homem médio.

  18. Tal comportamento, salvo o devido respeito, era sim de equacionar hoje, perante o peticionado e a douta sentença, atendendo à surpresa que o incidente de incumprimento causou no aqui Recorrente.

  19. Na verdade, ao condenar da forma descrita o Tribunal a quo entendeu que a partilha de mesa, cama e habitação e o acordo extrajudicial firmado deviam, salvo o devido respeito, ser envolvidos num contexto de desconfiança, de não crença na relação familiar criada e do normal funcionamento familiar.

  20. A normalidade permitiu, inclusive, neste período de conciliação, o nascimento de uma filha.

  21. Pelo que o Recorrente confiou e não programou a sua conduta ao longo dos tempos tendo por base que caso a relação terminasse teria que ter em conta que teria de provar que promoveu alimentos nos períodos em referência. (conciliação e acordo extrajudicial) e promover ainda a transferência bancária.

  22. Salvo melhor entendimento, não seria plausível que cumulativamente o indicado ocorresse ao longo destes anos.

  23. Não era o comportamento padrão, de quem vive sobre a égide da confiança, da unidade familiar, da boa-fé.

  24. Ninguém, um Homem médio, fará um juízo de prognose que em caso de rotura da relação terá que provar, no futuro, que o tempo de vivência conjunta com a Requerente pagou a quantia acordada a título de pensão de alimentos a par de toda uma vida em economia comum (para não ser sentimental) em momento anterior à reconciliação.

  25. Pelo que, a condenação em crise - a título de pensão de alimentos peticionada, após a separação definitiva, consiste no presente caso um evidente abuso de direito na modalidade de supressivo.

  26. Na medida em que foi criado uma conduta, continua, de um sujeito jurídico que...

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