Acórdão nº 996/21.9T8CVL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório ([1]) A “Associação S..., Associação de Desenvolvimento Local”, com os sinais dos autos, intentou autos de procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova contra “A..., S. A.

”, também com os sinais dos autos, e, subsidariamente, contra qualquer entidade singular ou coletiva que se encontre a executar a obra descrita nos autos, pedindo:

  1. A ratificação judicial do embargo extrajudicial de obra nova efetuado pela Requerente; b) Caso assim não se entenda, seja ordenada a suspensão imediata das referidas obras; c) Em qualquer caso, sendo a Requerente dispensada da propositura da ação principal (inversão do contencioso).

    Alegou, para tanto, que: - no dia 28/07/2021, o Presidente da Requerente deparou-se, no denominado “campo de futebol”, sito no ..., com a realização de obras pela Requerida, tratando-se da preparação de uma caixa quadrada, de 7m por 7m, num total de 49m2, com a altura aproximada de 25cm/30cm, para uma sapata em betão e instalação de diversas tubarias, trabalho que foi finalizado já depois do embargo extrajudicial da obra, obra essa destinada à instalação de uma antena de transmissão (rede “M...”); - parte daquela sapata invadiu o terreno do campo de futebol da aldeia, impedindo o seu aproveitamento como terreno de jogo, o que inviabiliza a finalidade a que o campo se encontra afeto; - o espaço em causa é, e sempre foi, um lugar de prática lúdica, cultural e desportiva, servindo os habitantes da aldeia, que lhe deram tal uso público, não tendo havido qualquer aceitação por parte dos residentes da aldeia relativamente à diminuição de tal recinto desportivo, estando a obra a ser executada sobre um património histórico e comunitário da aldeia de ...; - em 30/07/2021, o responsável pela obra no local foi notificado para suspender de imediato os trabalhos, por tal obra se encontrar sobre um património histórico e comunitário daquela aldeia, lesando irremediavelmente o espaço e inviabilizando o seu uso para os fins a que sempre esteve afeto; - a Requerente tem legitimidade processual – encontra-se legalmente constituída desde 2014, tendo por objeto a defesa e recuperação do património da aldeia –, tendo em conta o bem jurídico tutelado pela presente ação (património comunitário), com aplicação do regime dos baldios – assistindo à Requerente o direito de intervir –, o qual concede aos compartes a posse correspondente às faculdades de uso e fruição.

    A Requerida deduziu oposição, concluindo, finalmente, pela sua absolvição da instância ou pela total improcedência do procedimento e alegando, em síntese: - a sua ilegitimidade passiva, por ser a “M..., S. A.” (e não tal Requerida) a proprietária da infraestrutura de telecomunicações em causa nos autos, visando a obra discutida reforçar o serviço básico de telecomunicações naquela área, mediante a construção/instalação de estação de rede móvel; - ter sido apresentado projeto respetivo à Câmara Municipal ..., a qual o aprovou, tendo sido celebrado com a proprietária do espaço – Junta de Freguesia ... – contrato de arrendamento, a que corresponde uma renda mensal de € 150,00, pelo período de 20 anos; - ter aquela Junta de Freguesia autorizado, de forma pacífica, a situação, não sendo aqui invocável a legislação dos baldios, visto não se tratar de terreno possuído ou gerido por comunidade local.

    Tendo sido suscitada pelo Tribunal a exceção de ilegitimidade ativa para a presente providência, com conceção às partes de prazo para se pronunciarem a respeito – o que estas fizeram (mantendo as suas posições anteriores) –, foi seguidamente proferida decisão, julgando verificada a exceção de ilegitimidade ativa para o procedimento cautelar, com a consequente absolvição da Requerida da instância.

    Recorre a Requerente, apresentando alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([2]): «1.ª O Tribunal a quo deu como provado o seguinte: “Alega a requerente que a mesma goza de um direito real de baldio, pelo que lhe assiste o direito de intentar a presente providência” 2.ª A Recorrente nunca consignou nos seus articulados tal afirmação, nem o poderia fazer, no sentido da apropriação de um qualquer direito.

    1. O Tribunal a quo estribou a sua apreciação tal como de um titular de um qualquer direito real (de gozo), pessoal ou mesmo possessório se tratasse.

    2. Foi este o erro “capital” do tribunal a quo que depois inquinou todo o restante raciocínio e decisão: não estamos perante o dito “paradigma” tradicional da parte do Requerente, mas antes perante um conceito alargado/abrangente da própria legitimidade que expressamente a lei concede à Autora.

    3. A Requerente/ora Apelante é a voz, na qualidade de actor popular, de uma forma de tutela jurisdicional de posições jurídicas materiais que, sendo pertença de todos os membros, de uma certa comunidade, não são, todavia, apropriáveis por nenhum deles em termos individuais.

    4. A Apelante sempre afirmou nas suas peças processuais foi que o Campo da Bola era património da comunidade sobralense, onde a recorrente se encontra integrada.

    5. E por assim ser, se achava e acha no direito de, na defesa desse património comunitário, ofendido pela obra da Ré, se sentir legitimada a poder intervir, ao abrigo da lei de acção popular, para defesa de interesses difusos, como amplamente vem sendo reconhecido por jurisprudência firme dos nossos tribunais superiores, tendo juntado acórdãos sufragando tal tese, que desconsiderada na sentença recorrida.

    6. Por via da melhor interpretação jurisprudencial de todo o edifício normativo que rege esta matéria, a Requerente goza de total legitimidade para o presente Procedimento, uma vez que faz parte da comunidade de interesses visados e consagra nos seus Estatutos a defesa de todo o património de interesse comunitário na área da aldeia.

    7. As considerações sobre a personalidade jurídica e a capacidade judiciária que o Tribunal a quo teceu na sentença recorrida são apenas aplicáveis no caso de estarem constituídos os órgãos dos baldios, o que não é o caso dos autos, pelo que se lhe não pode aplicar o regime invocado pela Meritíssima Juiz, mas sim o regime especial previsto nos números 9 e 10, do art.º 6.º da Lei dos Baldios, assistindo, assim, legitimidade à Apelante.

    8. A sentença enveredou temerariamente pela análise de questões materiais, a partir de uma leitura errada do alegado pela Recorrida, sem qualquer instrução mínima da causa, sem ter assegurado o contraditório à Apelante e, pior, com base numa situação ilegal, claramente proibida pela Lei dos Baldios, denunciada, em tempo, pela Apelante.

    9. Fê-lo, nomeadamente, quando atribuiu à Apelante uma alegação – a invocação de um direito real de gozo – que esta nunca produziu, tecendo considerações sobre um facto inexistente.

    10. Repetiu-o, quando alargou a sua análise e interpretação a questões materiais – “Dos factos trazidos a estes autos urge, sem mais, concluir que a requerente não é sujeita da relação material subjacente à presente providência.”.

    11. Tudo isto, ultrapassado o lado meramente formal da Ilegitimidade que se tinha proposto apreciar e mergulhando na análise de questões materiais, prescindindo de qualquer instrução mínima, sem conceder o contraditório à Apelante, desatendendo à sinalização por esta da precaridade dos documentos juntos pela Recorrida.

    12. Assim, nesta medida, a sentença violou claramente e o disposto na Lei 83/96, de 31 de Agosto, nomeadamente os seus artigos 2.º e 3.º; violou ostensivamente as normas constante dos artigos 2.º, alínea a) ponto i) e art.º 6.º, n.º 3, da Lei 75/2017, de 17 de Junho; e violou, ainda, as normas constante dos artigos 3.º, 4.º e 615.º do CPC, n.º 1, nomeadamente alíneas b), c) e d).

    13. Ferindo de NULIDADE a sentença ora recorrida.

    Nestes termos, e nos demais de Direito que Vossas Excelências não deixarão de doutamente suprir, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação, sendo revogada a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, e mantida, na íntegra, a providência cautelar nos termos em que está estruturada, seguindo a respectiva tramitação em sede de 1.ª instância até final, com todas as demais consequências legais, como é de Direito e Sã Justiça.

    ».

    Não se mostra junta contra-alegação recursiva.

    O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, motivo pelo qual ocorreu remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde resulta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT