Acórdão nº 816/21.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Março de 2022
Magistrado Responsável | LUÍS CRAVO |
Data da Resolução | 08 de Março de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA veio instaurar o presente procedimento cautelar contra BB, pedindo que, pela procedência do mesmo, seja decretada providência cautelar que fixe no valor de € 1757 euros mensais os alimentos provisórios a prestar pelo requerido à requerente.
Para tal alega, em síntese, que, tendo 20 anos de idade, é estudante universitária; que depois do divórcio dos pais o pai deixou de contribuir para o seu sustento, de lhe entregar o abono; que tem despesas mensais de cerca de € 1757; que a mãe está desempregada; que o pai aufere pelo menos seis mil euros mensais e que, a manter-se a situação atual, não poderá continuar a estudar.
* O requerido apresentou contestação na qual impugnou, no essencial, a factualidade alegada pela parte contrária, sustentando que a requerente poderia angariar o seu próprio sustento, que não dispõe de recursos económicos suficientes para financiar a filha, a qual não cumpre os seus deveres de respeito em relação ao pai, aqui requerente.
* Não tendo sido possível a conciliação entre as partes, procedeu-se à audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
Na sentença que foi proferida na sequência entendeu-se, em suma, que o progenitor tinha capacidade para prestar alimentos à Requerente, mas igual obrigação competia à progenitora, a qual por estar desempregada a cumpria através da ajuda de familiares, donde, com critérios de equidade, face às apuradas despesas da Requerente, entendeu-se que o progenitor requerido devia contribuir para elas com o montante de € 1.000 euros mensais («considerando-se assim que fica a cargo da progenitora, actualmente desempregada, o remanescente necessário para financiar as despesas da requerente»), deste modo se concluindo pelo seguinte concreto “dispositivo”: «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão formulada pela requerente e, em consequência, condeno o requerido a pagar à requerente a título de alimentos provisórios, devidos desde o dia 1.03.2021, a quantia mensal de mil euros, para além de todos os abonos recebidos, absolvendo-o da parte sobrante do pedido.
Custas do procedimento cautelar a suportar pelas partes na proporção dos respectivos decaimentos – art. 527º do CPC.
Fixo o valor do presente procedimento cautelar na mensalidade pedida multiplicada por 12, ou seja, 21.084€ - vinte e um mil e oitenta e quatro euros - (=1757€x12), nos termos do art. 304º, nº 3, al. a) do CPC.
Registe e notifique.» * Inconformado com essa sentença, apresentou o Requerido recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. Nos presentes autos está em causa uma providência cautelar de alimentos provisórios; 2. Da factualidade constante dos autos não resulta verificado o requisito de que o direito a alimentos esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação; 3. Aliás, o que resulta dos autos é que o direito que a requerida tinha de concluir o processo de formação foi conseguido, pois a mesma concluiu a Licenciatura; 4. Um Mestrado não obrigatório e não integrado na Licenciatura não está incluído na previsão de legislador quando refere processo de educação.
5. A decisão recorrida viola assim o disposto nos artigos 362º e 368º do CPC; 6. Sem prejuízo do exposto, ainda se dirá que, 7. A pensão provisória que o requerido foi condenado excede e muito os meios de que o mesmo dispõe para o efeito e 8. Põe em causa a respetiva subsistência; 9. E não teve em conta a possibilidade de a requerente prover ou ajudar a prover à respetiva subsistência; 10. A sentença recorrida viola assim o disposto no artigo 2004º do Código Civil; 11. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso devendo a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que julgue a providência requerida não provada e improcedente ou, caso assim não se entenda, deve a ser dado provimento ao recurso e a sentença ser anulada e substituída por outra que fixe o montante da pensão provisória no valor que o requerido tem meios para pagar e que deverá ser fixada em valor não superior a 300,00€ ou no valor que V.ªs Ex.ªs considerarem justo atenta a situação concreta.
12. Assim V,ªs Ex.ªs farão a acostumada JUSTIÇA!» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
* O Exmo. Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.
Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
* 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: erro de decisão [quer porque «Da factualidade constante dos autos não resulta verificado o requisito de que o direito a alimentos esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação», quer porque «a pensão provisória que o requerido foi condenado excede e muito os meios de que o mesmo dispõe para o efeito», para além de pôr «em causa a respetiva subsistência» e «não teve em conta a possibilidade de a requerente prover ou ajudar a prover à respetiva subsistência»]? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Vejamos o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, sendo certo que o recurso interposto não põe em causa essa parte da decisão recorrida. Consignou-se então o seguinte na 1ª instância em termos de que “o tribunal considera sumariamente provados os seguintes factos”: «1) A requerente nasceu a .../.../2000 e é filha do requerido, à data com 33 anos de idade, e de CC, à data com 29 anos de idade, sendo os pais, à data, casados um com o outro.
2) Os progenitores da requerente divorciaram-se em 08.09.2020, no âmbito do processo de divórcio nº 293/20.... que correu termos no JFM de ...-Juiz1, tendo a requerente, nessa altura, já atingido a maioridade.
3) A requerente frequenta actualmente o 1º ano do mestrado em ..., na ... – ..., em ..., nunca tendo reprovado nenhum ano.
4) A requerente não exerce qualquer ocupação ou actividade remunerada.
5) Antes do divórcio, o requerido nunca quis que a requerente trabalhasse, de forma a poder dedicar-se aos estudos.
6) A requerente tem-se dedicado aos estudos, com bom aproveitamento escolar.
7) Antes do divórcio dos pais da requerente, o requerido suportava todas as despesas com o sustento da requerente, financiando os seus estudos na totalidade e entregando-lhe o abono de família, num total mensal que rondava os mil e setecentos/mil e oitocentos euros.
8) A requerente estuda em horário pós-laboral e, durante o dia, dedica-se ao estudo e à realização dos trabalhos académicos.
9) Em alimentação, a requerente tem um gasto mensal que ronda os trezentos euros.
10) Em calçado e vestuário, a requerente despende cerca de cem euros mensais.
11) Em transportes públicos entre a sua residência e a faculdade, fazendo o trajecto ..., ida e volta, em regra três vezes por mês, despende cerca de noventa euros.
12) Em propinas, a requerente despende mensalmente duzentos e cinquenta um euros, sendo que no ano transacto despendia quatrocentos e dezasseis euros mensais em propinas, as quais ficaram reduzidas ao montante actual por ter sido atribuída uma bolsa de mérito à requerente.
13) Da renda do apartamento que ocupa em ..., no valor mensal de oitocentos e quatro euros, a requerente suporta mensalmente quinhentos e quatro euros, sendo o remanescente suportado por uma colega que com ela reside.
14) A requerente partilha com a colega com ela residente as despesas de água, luz, gás e internet, suportando cada uma delas cerca de cinquenta euros mensais.
15) Em produtos e cuidados de higiene pessoal, despende mensalmente cerca de cinquenta euros.
16) Em medicação, a requerente despende mensalmente cerca de vinte e cinco euros.
17) Em consultas de psicologia, a requerente despende mensalmente cerca de cento e oitenta euros mensais (quarenta e cinco euros por cada consulta semanal).
18) A requerente, em conjunto com a mãe, beneficia de um seguro de saúde que, da sua parte, importa um custo mensal de quarenta e dois euros.
19) A mãe da requerente não exerce actividade remunerada há anos, fazendo face às suas próprias despesas e da filha, aqui requerente, através da reforma do avô materno da requerente e dos rendimentos da tia materna da requerente.
20) O requerido é técnico de programação CNC da fábrica N... SA na Suíça.
21) O pai emigrou em 2012 por ter sofrido dificuldades económicas na exploração da fábrica de mobiliário que geria no território nacional.
22) No ano de 2018, o requerido contribuiu para o sustento da filha com os montantes discriminados no art. 8º da oposição, cujo teor aqui dou por reproduzido.
23) No ano de 2019, o requerido contribuiu para o sustento da filha com os montantes discriminados no art. 9º da oposição, cujo teor aqui dou por reproduzido.
24) No ano de 2020, o requerido contribuiu...
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