Acórdão nº 1595/21.0T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - R..., Ld.ª veio intentar contra P..., Ld.ª, procedimento cautelar especificado de arresto, requerendo-o, “por aplicação subsidiária do disposto no nº 3 do art 735º CPC (ex vi do disposto no art 391º/2 do mesmo diploma legal”), em bens de terceiro, até ao valor de 4.662,98 € (valor da dívida acrescido de 20%).

Para tanto, alegou, em síntese, que se encontra pendente no Juízo Local Cível de Castelo Branco – Juiz 2, o processo de execução de sentença n.º 90561/19.1YIPRT.1, sendo ela, Requerente, ali Exequente, e Executada, C... Unipessoal, Lda, Ld.ª, ascendendo a quantia exequenda a € 3 885,82. Refere que em resultado das diligências de penhora tentadas nessa execução teve conhecimento que o ativo da Executada, a referida C... Unipessoal, Lda, havia sido transferido para a aqui Requerida, P..., Ld.ª, em 23 de Abril de 2019, tudo indicando, em face do teor das faturas exibidas pelo sócio único da ali Executada para documentar a transferência de património entre esta e a Requerida, estar-se perante uma transmissão global de estabelecimento.

Mais descreve, por outro lado, que a acima referida Executada, C... Unipessoal, Lda, Ld.ª, foi constituída em 15 de Outubro de 2012, com sede na Rua..., ..., em ..., tendo então como sócio único, AA, sendo que, desde Maio de 2019, que tem como sócio único, BB, casado com CC, e residente na Rua..., ..., ..., sendo actualmente gerente dessa sociedade, DD, igualmente residente na Rua..., ..., ..., tendo como objeto social a produção e comércio de produtos agrícolas, agroindústria e sua comercialização, tendo alargado em 2016 o seu objecto social.

Por seu turno, a Requerida, P..., Ld.ª foi constituída em Julho de 1995, tendo como sócios BB e mulher, CC, tendo a sua sede também na Rua..., ..., ..., e desde 30 de Abril de 2008 que são seus gerentes o referido DD e EE, também com morada na Rua..., ..., em ..., ambos filhos de BB e CC, tendo as suas instalações na denominada Quinta..., em ..., local onde explora um centro hípico e produz produtos hortícolas.

Relativamente ao crédito cuja garantia patrimonial pretende proteger com o arresto, refere que, pelo menos desde 2010, começou a fornecer material de rega a BB, para instalação na Quinta..., sendo as faturas emitidas em nome da Requerida - P..., Ld.ª, Ld. – a pedido daquele, mas que, desde 2013, também a pedido de BB, as faturas emitidas pela prestação de bens pela Requerente passaram a ser emitidas em nome da sociedade Executada, C... Unipessoal, Lda, não obstante o material fornecido ter continuado a ser aplicado no mesmo local em que o era o anteriormente fornecido, fazendo, aliás, parte de um mesmo sistema de irrigação.

Refere ainda a Requerente que a correspondência bancária da sociedade Executada era recebida na casa de morada de família de BB, e que, por detrás desta sociedade, sempre esteve BB e não AA. Este prestava serviços à Requerida a ferrar cavalos e mantinha boa relação com a família daquele, sendo que, como sócio único da sociedade Executada aquando da sua constituição, logo em Janeiro de 2013, pouco depois da mesma, viu aprovado em seu nome pelo PRODER um projeto para a instalação de jovem agricultor, financiamento esse que se destinava a BB, que de outra forma o não poderia alcançar, tendo aquele saído da sociedade depois dos 5 anos em que a lei o obrigava a dedicar-se ao projecto sem que a sociedade tivesse que devolver os apoios recebidos, passando a ser sócio da mesma o referido BB.

No que se refere ao “justificado receio”, a Requerente situa-o na forma como BB e respetiva família têm tentado prejudicar os seus credores ao longo dos anos. Refere, como exemplo, que BB e mulher foram sócios e avalistas da sociedade F..., S. A., e que, na pendência de execução de que a mesma foi alvo, em Setembro de 2004, aqueles e os já mencionados seus filhos, alteraram o capital social da referida sociedade de forma a que os sócios originários e executados naquele processo passassem a deter apenas 5% da sociedade, tendo ainda alterado as regras de amortização das quotas, tendo mantido a gerência dessa sociedade durante mais quatro anos, após o que a mesma veio a ser objeto de um processo de insolvência. Refere ainda, ao nível do dito receio, que DD, já se viu que filho de BB, instaurou contra o pai uma execução, não obstante não existir qualquer litígio entre ambos, residindo os dois na mesma morada, sendo o exequente representado nessa execução pelo mesmo advogado que representou a mãe na respectivo pedido de insolvência, e também a C..., Unipessoal, Ld.ª, quando também esta se apresentou à insolvência, que foi decretada com caráter limitado, acrescendo que o referido DD, depois de ter logrado a penhora de bens para pagamento do seu suposto crédito, indicou como IBAN o do pai, tornando-se assim evidente que a execução se destinou a prejudicar credores.

Conclui que as empresas em causa servem os interesses da família de BB e que são usadas como instrumentos de práticas abusivas destinadas a prejudicar terceiros, pelo que pugna pela procedência do procedimento cautelar, devendo ser decretado o arresto de bens da Requerida pela dívida contraída em nome da sociedade C..., Unipessoal, Ld.ª, alicerçando este pedido na figura da desconsideração da personalidade jurídica.

O Tribunal da 1ª instância indeferiu liminarmente o presente procedimento cautelar, entre o mais, referindo que, «(…) a figura da desconsideração da personalidade jurídica destina-se a lograr alcançar, mercê dessa desconsideração, o património do sócio ou sócios por detrás dessas decisões prejudiciais para os credores da sociedade», e que, «analisando o requerimento inicial, verifica-se que a ação apenas foi intentada contra a sociedade requerida, e não também contra os respetivos gerentes». Mais referiu que, «(..,) a factualidade descrita reporta-se, na sua essência, à atuação de BB, o qual não é gerente das sociedades – no caso concreto da Requerida, não o é desde 2008, no caso da sociedade C..., Unipessoal, Ld.ª desempenhou essas funções, brevemente, entre Maio e Agosto de 2019. Sem prejuízo, mais cumpre salientar que ambas as sociedades, apesar do alegado, se mostram independentes entre si, ou seja, não se mostram inseridas sequer numa qualquer relação de grupo, muito embora ainda que assim fosse tal não seria suficiente para, por si só, permitir que se lance mão da figura jurídica ora em análise (…)».

Conclui que «o fundamento conducente ao fumus bonus iuris se mostra insuficientemente alegado, e, ainda que, tal como vem descrito, seja (fosse) objeto de demonstração em sede de produção de prova, sempre seria insuficiente para poder vir a dar provimento à pretensão do Requerente», assinalando ainda que, «da factualidade alegada não se retiram factos de natureza essencial à eventual procedência da...

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