Acórdão nº 135/20.3T8SEI-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA CATARINA GONÇALVES |
Data da Resolução | 15 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
No âmbito dos autos de insolvência referentes a Q..., Ld.ª, cuja insolvência foi declarada por sentença proferida em 17/04/2020, a credora G..., Ld.ª veio requerer que a insolvência fosse qualificada como culposa, alegando, em resumo: - Que a Insolvente não cumpriu o dever de se apresentar à insolvência; - Que celebrou negócios de “Dações em cumprimento com cessão de créditos” em benefício de uma das suas credoras – a C... – e em benefício do casal AA e sua mulher BB; - Que essas condutas integram a previsão da alínea d) do n.º 2 e da alínea a) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, sendo ainda possível que preencham a previsão da alínea f) do n.º 2 dadas as relações demasiado estreitas, seja com a C..., seja com o casal AA e sua mulher BB.
A Administradora da Insolvência apresentou o seu parecer onde conclui que a insolvência deve ser qualificada como culposa nos termos peticionados pela credora e ao abrigo das disposições legais por ela citadas, devendo ser afectado por essa qualificação o gerente CC.
O Ministério Público propôs também que a insolvência fosse qualificada como culposa por existirem condutas que integram a previsão das alíneas a), d), e), f) e h) do n.º 2 do art.º 186.º e da alínea a) do n.º 3 da mesma disposição legal.
A Insolvente e o respectivo gerente vieram deduzir oposição, alegando em resumo: - Que a dação em pagamento dos imóveis à C... – que detinha hipotecas sobre os mesmos – foi efectuada por valor muito superior ao seu real valor de mercado; - Que os bens móveis mais significativos estavam dados em penhor à C... e a sua venda foi efectuada por valor correspondente a mais de 40% do seu real valor de mercado; - Que, dadas as garantias de que gozava a C..., esse negócio foi o mais vantajoso possível para a Insolvente e não beneficiou quem quer que fosse em prejuízo de outrem; - Que é totalmente alheio à transmissão que a credora C... efectuou posteriormente a AA e BB; - Que sempre procurou actuar de forma diligente e cuidada, nunca pondo qualquer interesse pessoal na frente dos interesses sociais; - Que a insolvência não foi criada nem agravada em consequência da sua actuação; - Que nunca actuou com dolo ou culpa grave, tendo apenas procurado resolver os problemas com que se debatia a entidade a que geria, designadamente acções judiciais, acordos de pagamento, inclusive com entidades públicas, os quais foi cumprindo até ao limite do que lhe era exigível; - Que o dever de apresentação à insolvência foi cumprido, sendo certo que, em face do curso dos acontecimentos e das legítimas expectativas comerciais, apenas a partir da segunda quinzena de Fevereiro de 2020 se poderá falar na existência desse dever.
Concluem pedindo que a insolvência seja qualificada como fortuita.
Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.
Realizadas as diligências probatórias que se consideraram pertinentes (designadamente prova pericial – avaliação) e realizada a audiência, foi proferida sentença onde se decidiu qualificar a insolvência como culposa.
Mais se decidiu:
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Declarar afectado pela qualificação de insolvência culposa o seu gerente CC declarando-o inibido para administrar patrimónios de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante o período de 3 (três) anos.
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Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por CC condenando-se o mesmo a restituir bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
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Condenar CC a indemnizar os credores da devedora insolvente no montante dos créditos não satisfeitos até às forças do seu património, em montante a liquidar em execução de sentença, a quantificar de harmonia com os seguintes critérios: valor dos créditos julgados verificados (no apenso respectivo) não satisfeitos através dos pagamentos a efectuar no processo de insolvência; a diferença entre o valor real dos veículos apreendidos à data da declaração da insolvência e o valor da sua venda; o grau [significativo] de culpa dos gerentes afectados.
Inconformado com essa decisão, o Requerido CC veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) II.
Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: · Saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos propostos pelo Apelante; · Saber se há razões para qualificar a insolvência como culposa – com afectação do gerente da Insolvente – analisando especificamente a questão de saber se os actos praticados (dação em cumprimento de dois imóveis à C... e venda dos bens móveis com subsequente cessão à referida credora do crédito resultante dessa venda) correspondem a actos de disposição em proveito de terceiros para os efeitos previstos na alínea d) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE; · Em caso de qualificação da insolvência como culposa, impõe-se a analisar a questão de saber se o período de três anos de inibição – que foi fixado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 2 do art.º 189.º – é excessivo e se, em face das circunstâncias do caso, deve ser reduzido para dois anos; · Apurar os critérios que devem nortear a fixação da indemnização a que se reportam a alínea e) do n.º 2 e o n.º 4 do art.º 189.º.
///// III.
Matéria de facto (…) A matéria de facto provada – com as alterações agora introduzidas – será, portanto, a seguinte: 1. “Q..., Lda.”, pessoa colectiva nº ..., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ..., sob o mesmo número de matrícula, com sede em ..., ..., tendo por objecto a feitura e o comércio de queijo artesanal, nos termos constantes da certidão da Conservatória do Registo Comercial junta aos presentes autos com a referência n.º ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzida e na qual se lê, designadamente, o seguinte: “(…) Inscrições – Averbamentos – Anotações Insc. 1 – AP.02/...05- CONTRATO DE SOCIEDADE E DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) E DESIGNAÇÃO DE ÓRGÃO(S) SOCIAI(S) (…) SÓCIOS E QUOTAS TITULAR: CC (…) TITULAR: DD (…) ÓRGÃO(S) DESIGNADO(S): GERÊNCIA: CC Cargo: gerente.
DD Cargo: gerente.
(…) AV. 1-AP 156/20... (…) CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DE MEMBRO(S) DO(S) ÓRGÃOS(S) SOCIAL(AIS) (ONLINE) GERÊNCIA: (…) DD (…) Causa: renúncia (…)”.
2. A C..., C.R.L.”, identificada como segunda outorgante, e a “Q..., Lda”., representada pelo seu gerente CC identificada como mutuária, acordaram os termos do documento epigrafado “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA”, datado de 4 de Junho de 2018, cuja cópia se mostra junta com a Oposição, como “documento n.º 2” onde a mutuária declara, designadamente, que, para garantia do empréstimo no valor de 120.000,00€ que lhe foi concedido pela segunda outorgante (bem como juros e despesas), constitui a favor desta hipoteca sobre os imóveis ali identificados e que, “(…) para garantia de todas e quaisquer quantias que vierem a ser devidas no âmbito do presente contrato, em nome da sua representada, dá de penhor, a favor da C... os seguinte bens: Cuba de Cuajar Doble O Cerrada CDT – 3000, a que atribuem o valor de quarenta e dois mil duzentos e dez euros; Moldeadora Multiformat MOD 4 TPI, a que atribuem o valor de cinquenta e sete mil seiscentos e sessenta euros (…)” 2-A. “C..., C.R.L.”, identificada como primeira contraente, e a “Q..., Lda.”, representada pelo seu gerente CC identificada como mutuária acordaram nos termos do documento epigrafado “CONTRATO DE MÚTUO COM AVAL E PENHOR” datado de 29 de Julho de 2019, cuja cópia se mostra junta com a contestação, como “documento n.º 1” e cujo teor aqui se dá por reproduzido e no qual se pode ler o seguinte: “PRIMEIRA (…) 1. Por este contrato, a C... concede ao MUTUÁRIO, a seu pedido e no seu interesse, um empréstimo no montante de € 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros). (…) OITAVA (penhor mercantil) 1. O MUTUÁRIO constitui primeiro penhor, nos termos dos artigos 669º e seguintes do Código Civil (…) a favor da C..., sobre os bens constantes da relação reportada ao número seguinte, livres de quaisquer ónus, encargos e obrigações, de qualquer natureza, abrangendo as respectivas partes componentes, benfeitoras e direitos, bem como as indemnizações e quaisquer outras quantias que lhes respeitem.
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RELAÇÃO dos bens objecto do penhor, com o correspondente valor que lhes é atribuído, existentes e/ou situados nos resistivos locais, como se indica: - Bens existentes no edifício da fábrica, do MUTUÁRIO, no topo norte, situado em ..., ...:
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Uma máquina de refrigeração com as seguintes identificações: Um quadro com especificações técnicas com o nome “GENERATORE DI VAPORE – “CALDEIRA DE VAPOR” com a inscrição Babcok Wanson, um quadro com as letras SKK em cor amarela, com a referência 7783, identificação QECP, fabricante SKK, data de fabrico JUL 2011 (…) com o valor indicativo de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) (…)” 3. Após a cessação do contrato celebrado entre a “Q..., Lda.” e a “M..., em Agosto de 2019, o qual representava cerca de 35% das vendas da empresa, o Requerido CC em representação da Q..., Lda., contactou várias sociedades por forma a substituir a posição ocupada pela “M..., não logrando sucesso devido à falta de viabilidade económica dessas propostas de fornecimento 4. A partir de Agosto de 2019, o Requerido CC em representação da Q..., Lda., contactou diversos investidores de capital, no sentido da entrada destes nos capitais ou venda da empresa, e interessados na aquisição do património imobiliário e mobiliário da Q..., Lda., daí não existindo interesse quanto à primeira opção e não encontrando ofertas superiores a 800.000,00 Euros, quanto à segunda 5. A sociedade “Q..., Lda.” encerrou a sua actividade laboral, pelo menos, a 28 de Novembro...
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