Acórdão nº 2752/19.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1.

E..., S.A., com sede no ..., intentou acção declarativa contra A..., LDA, com sede na ..., e L..., S. A., com sede em ..., pedindo a condenação das rés, solidariamente, a restituir-lhe a quantia de 258.300 €, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal civil, vencidos até à data da propositura da acção, no valor de 20.522,47 €, e vincendos até efetivo integral pagamento.

Alegou, em síntese, responsabilidade civil contratual resultante da falta de cumprimento de um contrato de transação celebrado na sequência de uma venda judicial, levada a cabo em processo de insolvência, ou, subsidiariamente, efectivação de enriquecimento sem causa.

As RR contestaram conjuntamente, alegando, em suma, não ter existido nenhum contrato de transação com elas celebrado e que foi a autora que acabou por desistir da compra judicial realizada no indicado processo de insolvência, existindo da sua parte abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium).

A autora respondeu, mantendo a sua posição.

* A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou solidariamente as RR a restituir à A. a quantia de 258.300 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 19.1.2018 até integral pagamento.

* 2. As RR recorreram, tendo formulado as seguintes conclusões: I) Resulta do despacho saneador de fls. que o presente litígio tem como objecto a “efectivação de responsabilidade civil contratual resultante da falta de cumprimento do contrato de transação ou, subsidiariamente, efectivação de enriquecimento sem causa, consubstanciado no pedido de condenação das Rés, solidariamente, a restituir à Autora a quantia de € 258.300,00 (duzentos e cinquenta e oito mil e trezentos euros), acrescida dos juros de mora calculados à taxa legal civil supletiva, vencidos até à data da propositura da presente ação, no valor de € 20.552,47 (vinte mil quinhentos e cinquenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos), e vincendos, até efetivo e integral pagamento”; II) In casu, a Autora fez assentar o seu pedido principal de condenação solidária das Rés no pagamento das sobreditas quantias, no inadimplemento por parte destas últimas de um acordo verbal que teria sido celebrado na sequência da instauração do mencionado incidente de anulação de adjudicação e a latere do acordo escrito (transacção judicial) outorgado pela Autora e pela Massa Insolvente; III) Face à relação material controvertida configurada pela Autora na sua petição inicial, afigura-se inequívoco que esta invocou, como causa de pedir, a existência de dois contratos de transacção: (1) contrato celebrado por escrito com a Massa Insolvente no âmbito do incidente de anulação de adjudicação, nos termos do qual esta última se obrigou a restituir à Autora a importância de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), tendo o mesmo sido cumprido; (2) contrato celebrado verbalmente com as Rés na sequência da instauração do incidente de anulação de adjudicação, nos termos do qual estas se teriam comprometido a restituir à Autora o montante de € 258.300,00 (duzentos e cinquenta e oito mil e trezentos euros), o que não fizeram.

IV) Foi precisamente tal contrato verbal que foi contraditado e impugnado pelas Rés em sede de contestação, e que o Tribunal a quo veio a dar como não provado; V) Estribando-se na factualidade vertida no ponto 60 dos Factos Provados, o Tribunal a quo considerou ser “irrelevante não ter ficado provada a existência de acordo verbal expresso no sentido de as Rés se comprometerem a restituir a quantia relativa à comissão, uma vez que tal obrigação é consequência das obrigações resultantes das Condições de Venda estipuladas pelas próprias Rés (…)”.

VI) Perante o naufrágio da relação material controvertida invocada pela Autora, que apontava para a existência do acordo/contrato verbal que, a final, veio a ser dado como não provado, o Tribunal a quo acabou por condenar as Rés no pagamento à Autora das quantias por esta peticionadas, mas com fundamento numa outra relação material controvertida conexa que também se terá estabelecido entre Autora e Rés, por força do Regulamento/Condições Gerais da Venda a que se faz menção no ponto 60 dos Factos provados e na fundamentação vertida nas pág. 17 e 18 da Sentença recorrida; VII)Tal decisão não só se traduz numa “decisão surpresa”, como configura uma clara e ostensiva violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, consagrados, respectivamente, nos artigos 5º e 3º do C.P.C.

VIII) O Tribunal a quo incorreu in casu em excesso de pronúncia, porquanto exorbitou da causa de pedir invocada pela Autora nos termos explanados supra, pelo que está a Sentença sob censura ferida da nulidade prevista na 2ª parte da alínea d) do artigo 615º do C.P.C.

IX) A Autora deduziu junto do competente processo de insolvência, incidente de anulação de adjudicação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 838º do C.P.C.

ex vi artigo 17º do C.I.R.E., o que fez apenas contra a Massa Insolvente; X) A Autora deveria ter deduzido aquele incidente processual também contra as Rés, cuja legitimidade lhes advém da sua qualidade de auxiliares do Administrador de Insolvência na realização das operações de liquidação dos bens da Massa Insolvente, o que não aconteceu.

XI) Acresce que, em ordem a vincular as Rés à obrigação de restituição da quantia por elas percebida a título de comissão, deveria a Autora ter promovido a intervenção daquelas na transacção que veio a celebrar com a Massa Insolvente, o que, igualmente, não se verificou.

XII) Com efeito, nos termos do preceituado no artigo 1248º do Código Civil, «a par dos sujeitos processuais, é de admitir a intervenção de terceiros na transação, mesmo sem formalização processual incidental, desde que tenham interesse direto na resolução global do litígio; a transação também pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito ou direitos controvertidos, sem recurso às normas que condicionam a alteração do pedido. Ponto é que exista uma conexão objetiva ou subjetiva que justifique a ampliação dos efeitos que se obtêm através da homologação judicial da transação»; XIII) Ao contrário do entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, importa concluir que in casu a Autora prescindiu de impulsionar os meios processuais próprios e adequados a tornar efectiva a eventual responsabilidade civil das Rés; XIV) A renúncia é um acto jurídico unilateral, de carácter abdicativo, o qual implica, em regra, a perda e extinção de uma vantagem, interesse pessoal ou direito do renunciante, cujos efeitos típicos esgotam-se na esfera jurídica do renunciante, não exigindo, para a sua perfeição, qualquer comunicação a terceiros, designadamente, ao seu beneficiário ou destinatário.

XV) No caso sub specie, a Autora e a Massa Insolvente transigiram, em sede de Incidente de Anulação de Adjudicação, nos exactos termos que vieram a ser dados como provados.

XVI) Salvo o devido respeito por melhor opinião e contrariamente ao entendimento plasmado na decisão sob censura, a conjugação do explanado supra nas conclusões X) e XI) com a circunstância de, em sede de transacção, a Autora ter reduzido o pedido para a quantia de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), configura uma renúncia tácita ao direito de exigir das Rés a restituição da importância de € 258.300,00 (duzentos e cinquenta e oito mil e trezentos euros); XVI A Sentença recorrida violou, designadamente, o disposto nos artigos 3º e 5º do C.P.C., 20º, nºs.1, 4 e 5 da Constituição, e 217º, nº 1, 220º, 1248º e 1250º, todos do Código Civil.

Nestes termos, nos mais de direito aplicáveis e nos que doutamente vierem a ser supridos por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso nos termos alegados supra, com as legais consequências.

Assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA!!! 3. A A. contra-alegou, concluindo que: (i) deverá ser negado provimento ao recurso das RÉS, com a consequente manutenção da Sentença a quo, e, caso assim não se entenda, (ii) deverá ser a sentença substituída por outra que condene as RÉS, a restituir a quantia de € 258.300,00 à AUTORA, com fundamento em enriquecimento sem causa, acrescida dos juros de mora vencidos calculados à taxa supletiva desde a data da segunda adjudicação até efetivo e integral pagamento.

II - Factos Provados *Factos da Petição Inicial e Resposta 1.

No âmbito do processo n.º 735/14...., que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Comércio ... – Juiz ..., foi declarada a insolvência da sociedade comercial F..., Lda. (cfr. doc. n.º 1) 2.

Foi nomeado como Administrador da Insolvência o Senhor Dr. AA (cit. doc. n.º 1).

  1. Foram apreendidos diversos bens a favor da Massa Insolvente, relevando, para efeitos dos presentes autos, (i) o prédio misto sito em ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia ... [Ao qual, no processo de adjudicação, foi atribuída a verba n.º 59] e (ii) o prédio misto sito em ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia ... [Ao qual, no processo de adjudicação, foi atribuída a verba n.º 60] – cfr. doc. n.º 2.

  2. Foi determinada a venda dos referidos bens imóveis mediante proposta em carta fechada.

  3. A “AV...” foi a entidade encarregada do processo de promoção e venda dos imóveis apreendidos.

  4. A expressão «AV...» é uma marca nacional registada no INPI sob o nº ...66 e titulada pela Ré L..., S. A.

  5. As Rés têm, respetivamente, como Gerente e Administrador único o Senhor BB (cfr. certidão permanente do registo comercial das Rés – docs. n.º 3 e 4).

  6. A 1.ª Ré era anteriormente designada por AV..., C..., LDA.

  7. Tendo mudado a sua designação para A..., LDA. em 20 de fevereiro de 2014 (cfr. ap. ...20 do cit. DOC. N.º 3).

  8. A 1.ª Ré é detida em 97,99% pela 2.ª Ré, L..., S. A.

  9. Sendo que os restantes 2,01% do capital social da 1.ª RÉ são detidos pelo referido Senhor BB (tudo conforme doc. n.º 3).

  10. ...

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