Acórdão nº 6344/16.2T8VIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I - Relatório 1. Os presentes autos de promoção e protecção de menor iniciaram-se na sequência de requerimento apresentado pelo Mº Pº. Dizem respeito às menores AA e BB, filhas de CC e de DD.

Ali alegou-se que os progenitores vivem essencialmente de apoios sociais e da solidariedade da comunidade local, a embriaguez frequente dos mesmos, a violência gratuita sobre animais a que assistiam, falta de alimentação, mudanças de residência, estando a saúde e segurança das crianças em perigo. Declarada aberta a instrução, tiveram lugar as pertinentes diligências, após o que se arquivaram os autos.

O processo foi reaberto, e veio a ser aplicada às crianças (em 18.5.2017) a medida cautelar de acolhimento residencial no CAT de ....

Realizada instrução, o Mº Pº apresentou alegações, nas quais pugnou pela aplicação da medida de protecção de confiança das crianças AA e BB a instituição com vista à sua futura adoção. E os progenitores também alegaram, nelas discordando da medida proposta pelo Mº Pº, defendendo que as menores lhes sejam confiadas, ainda que tal exija apoio de natureza psicopedagógica, social ou económica.

Realizou-se o debate judicial.

* Foi proferida sentença, pela qual se aplicou em favor das crianças AA e BB, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à sua futura adopção, nos termos e para os efeitos constantes dos arts. 35º, nº 1, g), 38º-A, b) e 62º-A, todos da LPCJP e 1978º nºs 1, d) e e), 2 e 3 do Código Civil.

* 2. Os pais recorreram, concluindo que: 1.

Nos presentes autos foi proferido acórdão aplicou, em favor das crianças AA e BB, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à sua futura adoção, nos termos e para os efeitos constantes dos artigos 35° n° 1 alínea g), 38°-A, alínea b) e 62°-A todos da LPCJP e 1978° nos 1 alíneas d) e e), 2 e 3 do Código Civil.

  1. Nos termos do art.º 195.º n.º 1 e 2 do C.P.C., é nula a audição das menores BB e AA por violação dos artigos 4.º alíneas i) e j) e 84.º da Lei 174/99 de 01 de setembro, bem como dos artigos 4 e 5.º da Lei 141/2015 de 08 de setembro, o que determina a nulidade do acórdão recorrido por dele depender absolutamente.

  2. A audição realizada revelou-se ineficaz em termos de dinâmica relacional entre o Tribunal e as menores, o que pôs em causa o direito de estas expressarem a sua opinião e vontade.

  3. O princípio de audição e participação da criança está previsto no art.º 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, bem como no art.º 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.

  4. O art.º 4.º da Lei n.º 141/2015 dita que “A audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente a não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais.

  5. As menores foram ouvidas numa sala de audiências comum. Aquando da audição, o Exmo. Sr. Juiz, as Exmas. Sras. Juízas Sociais, bem como o Exmo. Sr. Procurador encontravam-se sentados nas respectivas bancadas, enquanto as menores se sentaram no local habitualmente ocupado pelas partes/testemunhas. Como é do conhecimento geral, numa sala de audiências comum, as bancadas dos Srs. Magistrados situam-se num plano superior.

  6. A “escolha do local ”revelou-se inadequada, uma vez que a “carga” que uma sala de audiência comum impõe é imprópria para a idade das menores, 8.

    Exigindo-se que a audição das menores se tivesse realizado num espaço, adequado, neutro, informal, apetrechado com alguns elementos, garantindo-se nestas condições a descontração, espontaneidade e sinceridade das respostas.

  7. Antes da audição das crianças, nenhuma informação lhes foi prestada, tendo o Tribunal passado, quase de imediato, à formulação de questões, violando o art.º 5.º, n.º 3 da Lei n.º 141/2015, do RGPTC que refere que a audição da criança é precedida da prestação de informação clara sobre o significado e alcance da mesma.

  8. As menores mostraram desconfortáveis, desconfiadas e deslocadas, não tendo havido um autêntico esforço para as confortar e ambientar.

  9. No âmbito da audição de menores a criança deverá ser assistida por um técnico com conhecimento e habilitações para o efeito (cfr art.º 5.º n.º 7 alínea a) da Lei 141/2015, de 08 de setembro).

  10. A Técnica que acompanhou as menores na audição destas é Técnica Superior da Segurança Social, e não uma Técnica com formação especial na área da Psicologia, pelo que a sua intervenção não foi além da repetição das questões que iam sendo colocadas às menores.

  11. A omissão dos identificados pressupostos e as consequências que criou são perceptíveis nas declarações das menores que se encontram gravadas e correspondem ao Ficheiro: 20210623100209_3349951_2871929, no que tange à BB, e ao Ficheiro: 20210623102200_3349951_2871929, no que concerne à AA.

  12. O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da prova documental junta aos autos.

  13. Impugna-se a matéria de facto dada como provada nos números 3, 5, 10, 16, 20, 21, 28, 29, 32,36, 39 e 52, bem como a matéria de facto dada como não provada nos números 1, 2 (trata-se do número 2 indicado em segundo lugar cuja numeração se repetiu), visando a reapreciação da prova gravada e da prova documental junta aos autos e a modificação da matéria de facto.

  14. No que respeita à matéria dada como provada no referido número 3, a discordância dos apelantes limita-se ao segmento “nascida a .../.../2015”, porquanto, da prova produzida nos autos, nomeadamente do assento de nascimento da criança EE, junto aos autos a Fls. 7, consta que a mesma nasceu no dia .../.../2007 e não no dia 31 de Maio de 2015.

  15. Assim, deve a matéria de facto constante do número 3, ser alterada passando a ter a seguinte redação: “O pai das crianças AA e BB é irmão da criança EE, nascida a .../.../2007,tendo o mesmo pai”.

  16. Em parte alguma da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da restante prova constante dos autos, resulta o que foi considerado provado no número 5 da matéria de facto provada.

  17. A testemunha FF não faz qualquer referência a especiais dificuldades a nível da motricidade fina (cfr. Ficheiro: 20200626114545_3349951_2871929, Minutos: 00:02:15 a 00:03:39e 00:17:07 a 00:18:20).

  18. Assim, deve a matéria de facto constante do número 5ser alterada passando a considerar-se não provado que a criança BB continuava a apresentar especiais dificuldades a nível da motricidade fina.

  19. No que respeita à matéria dada como provada no referido número 10, a presente impugnação restringe-se ao segmento “tendo sido o seu pai que lhe passou essa informação”, porquanto, da prova produzida em audiência de julgamento, bem como da prova documental junta aos autos, não é possível retirar tal conclusão.

  20. As testemunhas CC (cfr. Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 01:01:09 a 01:01:26) e DD (cfr. 20200710145933_3349951_2871929, Minutos: 00:10:47 a 00:11:23) negaram tal facto.

  21. Assim, deve a matéria de facto constante do número 10 ser alterada passando a ter a seguinte redação: “Também a criança BB transmitiu que ia para uma escola nova”.

  22. Resulta do número 16 da matéria de facto provada que “As despedidas são vivenciadas pelas crianças com tranquilidade, ambas regressam à rotina com normalidade, não questionando no seu dia a dia, a ausência dos pais.” 25.

    Da prova produzida em audiência de julgamento–v.g., testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 01:00:16 a 01:01:09), testemunha DD (cfr., Ficheiro: 20200710145933_3349951_2871929, Minutos: 00:09:47 a 00:10:02) e testemunha GG (cfr., Ficheiro: 20200710152518_3349951_2871929, Minutos:00:03:48 a 00:06:03) resultou o contrário, todos reportando que as crianças choravam nas despedidas.

  23. Deve a matéria de facto constante do número 16 ser alterada passando a ter a seguinte redação: “As despedidas são vivenciadas pelas crianças com choro e sofrimento.” 27.

    Consta do número 20 da matéria de facto provada que “Ele revela-se permissivo e pouco assertivo na educação das crianças, incapaz de lhes impor regras, não conseguindo discernir as capacidades das crianças.” 28.

    No que respeita ao referido facto, foi produzida prova que impõe decisão diversa da recorrida, designadamente as declarações da testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 00:31:14 a 00:33:08), da testemunha EE (cfr., Ficheiro: 20200626104722_3349951_2871929, Minutos: 00:25:26 a 00:26:17) e da testemunha HH (cfr., Ficheiro: 20200626122521_3349951_2871929, Minutos: 00:13:18 a 00:14:11).

  24. Não é objetivamente possível terem-se como provados os factos referidos no número 20 pelo que deverá a mesma matéria de facto ser alterada, passando a considerar-se não provada.

  25. No que tange à matéria de facto provada no número 21, a presente impugnação, restringe-se ao segmento “revela-se pouco exigente com os estudos das crianças, com o seu controlo e supervisão, com o encorajamento das crianças”.

  26. No que concerne a esse facto foi ouvida a testemunha CC (cfr., Ficheiro: 20200710111948_3349951_2871929, Minutos: 00:29:43 a 00:31:14).

  27. O identificado segmento impugnado redunda numa imputação genérica, não confirmada factualmente.

  28. Por não ter sido feita prova de quaisquer factos que pudessem levar às conclusões genéricas constantes do mencionado segmento, deve o mesmo ter-se como não provado e, consequentemente, sera matéria de facto constante do número 21, alterada passando a ter a seguinte redação: “Ainda e sempre o progenitor revela pouca capacidade de identificar, avaliar e antecipar as necessidades das crianças, bem como de assegurar a sua disciplina, saúde e educação”.

  29. Da prova produzida em audiência de julgamento–Cfr. depoimento da testemunha DD (cfr., Ficheiro: 20200710142356_3349951_2871929, Minutos: 00:20:27 a 00:21:33)– concluiu-se que não corresponde à verdade a matéria de facto provada...

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