Acórdão nº 3249/19.9T8CBR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Em 13.5.2019, A., IPSS (doravante identificada como AA. ou A.) instaurou a presente ação declarativa comum contra B. (1º Réu) e D. (2º Réu), pedindo que sejam solidariamente condenados a: a) - Reconhecerem a A. como única e legítima proprietária do prédio identificado no art.º 1º da petição inicial (p. i.) - Prédio Rústico, Artigo matricial rústico n.º 10647, freguesia de … e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 7127/20150220, com a área de 8 657 m2.

  1. - Reconhecerem que até 23.9.2002 só o Sr. C. fabricava aquele prédio da A., através de arrendamento rural verbal.

  2. - Reconhecerem que nos termos do n.º 2 do art.º 24º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88 então em vigor (art.º 20º, em especial o seu n.º 6 da NLAR - DL n.º 294/2009), a 25.3.2003, operou a caducidade em relação a eventuais direitos de transmissão do arrendamento rural verbal do prédio sub judice por não terem comunicado por escrito à A. o decesso do arrendatário original C. - ocorrido a 23.9.2002 - ou de qualquer outro familiar que “fabricasse” o referido prédio antes, pelo que aquele arrendamento rural verbal cessou a 23.9.2003 e não se transmitiu a nenhum dos Réus que assim detêm abusivamente o gozo do prédio, pelo menos, desde 25.3.2003, sendo que a A. não autorizou igualmente a sua utilização fracionada.

  3. - Sem prescindir no sobredito, reconhecerem que o contrato de arrendamento rural verbal entre a A. e C., ao nunca ter sido celebrado por escrito e sem nunca a A. ter sido notificada por este para aquele efeito, sempre seria nulo desde 01.7.1989, por força da aplicação conjugada do art.º 3º e do n.º 3 do art.º 36º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88 (art.º 6º, n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009), nulidade que SEMPRE implica a pronta entrega do prédio sub judice à sua legítima proprietária/A. o que desde já se requer.

    Continuando sem prescindir; e) - Reconhecerem que os NOVOS contratos de arrendamento rural verbais existentes desde 2006 (e suas eventuais renovações), versando sob o prédio sub judice entre A. e os Réus, agricultores autónomos, nunca foram reduzidos a escrito, formalidade ad substantium nos termos do art.º 6º n.ºs 1, 2 e 5 da NLAR - DL n.º 294/2009, e art.º 3º e do n.º 3 do art.º 36º da Lei do arrendamento rural constante do DL n.º 385/88, pelo que SÃO NULOS, nulidade de conhecimento oficioso e que impõe a restituição imediata do prédio sub judice pelos Réus à A., livre de pessoas e bens, ónus ou encargos (art.º 289º do Código Civil/CC).

  4. - Reconhecerem que a nulidade de cada um dos contratos de arrendamento rural verbais com início em 2006 (e suas eventuais renovações) já foi perante si invocada pela A. através das cartas registadas com AR em 18.12.2018 e 12.02.2015 ali se exigindo a devolução das respetivas parcelas do prédio usadas por cada um dos Réus - 2/3 e 1/3, respetivamente.

  5. - Reconhecerem que a A. notificou os Réus a 17.01.2019 para a redução a escrito dos contratos de arrendamento rural verbais, o que estes recusaram, para tanto aduzindo razões falsas; h) - Reconhecerem que a A. nunca permitiu aos Réus ou sequer foi por eles solicitada a feitura de quaisquer benfeitorias e que estes as não erigiram - mormente a partir de 2002 - as quais, a existirem, sempre seriam voluptuárias e não passíveis de qualquer indemnização em caso de cessação ou não renovação dos contratos de arrendamento rural.

    Continuando sem prescindir: i) - Apenas e se o Tribunal der como válidos e existentes os contratos de arrendamento rural entre A. e Réus a partir de 2006, reconhecerem estes que ao não existirem contratos de arrendamento vitalício, contados os prazos supletivos e as eventuais renovações ocorridas desde aquela data, as suas respetivas vigências cessam a 31.12.2019, requerendo-se que, neste caso, sejam os Réus condenados a entregar o prédio sub judice à A. a 31.12.2019, livre de pessoas e bens, ónus ou encargos.

    Ainda sem prescindir: Mais se requer sejam os Réus solidariamente condenados, de forma solidária ao: j) - Pagamento de quantia pecuniária não inferior a € 20 por cada dia de atraso no cumprimento, a título de Sanção Pecuniária Compulsória, nos termos do art.º 829º-A do CC, face à nulidade aduzida e à consequente obrigação de restituição.

  6. - Apenas e se o Tribunal condenar os Réus a entregarem o prédio sub judice à A. em qualquer outra data (que não imediatamente), requer-se a condenação solidária dos Réus no pagamento de quantia pecuniária não inferior a € 20 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de restituição do prédio nos termos e prazos conforme venham a ser decretados pelo Tribunal, a título de Sanção Pecuniária Compulsória.

  7. - Pagamento à A. dos juros de mora à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data em que sejam devidos até integral pagamento.

    Alegou, nomeadamente: é proprietária do prédio rústico identificado no art.º 1º da p. i., fabricado por C., como agricultor autónomo, até 23.9.2002 (data do seu óbito), não tendo existindo contrato de arrendamento rural escrito, sem que por tal facto possa ser a A. responsabilizada; desde 2006, os Réus, abusivamente, passaram a trabalhar, na proporção de 2/3 e 1/3, aquele prédio da A. e a pagar as respetivas rendas; “unilateralmente”, dividiram entre si o “amanho” do prédio e nunca comunicaram por escrito à A. a transmissão do arrendamento, pelo que não possuem qualquer título válido e eficaz; desde 25.3.2003, caducaram tais contratos, caducidade que torna a detenção/gozo daquele prédio por parte dos Réus abusiva desde 23.9.2002, por não se fundamentar em qualquer título válido e eficaz já que aquele arrendamento rural verbal (entre C. e a A.) cessou naquela data, não se transmitindo a ninguém, em especial, a nenhum dos Réus; o contrato de arrendamento rural é nulo por falta de forma e a falta de redução a escrito apenas é imputável aos Réus, que recusaram assinar o mesmo sem qualquer fundamento válido; a considerar-se válido o contrato de arrendamento desde 2006, inexistindo atualmente contratos vitalícios, o mesmo tem o prazo máximo de sete anos, pelo que, considerando a renovação em 2013, cessou em 31.12.2019.

    Os Réus contestaram por excepção e impugnação, afirmando, nomeadamente: existiu um contrato de arrendamento rural escrito (constando de uma “ata” da A. do ano de 1972/1973); não ocorreu a alegada caducidade, transmitindo-se o arrendamento para os Réus, por morte do primitivo arrendatário (nos termos da alínea b) do n.º 3 do art.º 20º do DL n.º 294/2009, de 13.10), sendo que a A. passou a reconhecer os Réus, como arrendatários do prédio em questão, recebendo as rendas e emitindo os correspondentes recibos; a A. não cumpriu a exigência prevista no n.º 5 do art.º 35º do DL n.º 294/2009, 13.10 (junção de um exemplar do contrato de arrendamento), pressuposto processual que consubstancia uma excepção dilatória inominada; a invocada invalidade será sempre sanável com a sua posterior formalização, pelas partes, atento o seu interesse próprio, devendo assim prosseguir o procedimento de elaboração de acordo para subscrição de contrato escrito de arrendamento rural; não houve qualquer recusa injustificada de reduzir o contrato de arrendamento a escrito, uma vez que este existe (constando da dita ata), tendo o 1º Réu sucedido na posição contratual do primitivo arrendatário, seu pai, C., e a proposta para subscrição de contrato de arrendamento de 15.01.2019, por não ter sido negociada e objeto de acordo, é apenas uma proposta de contrato, pois que os Réus e antes o pai do 1º Réu realizaram trabalhos e obras de beneficiação necessárias e a suas expensas, que se traduziram num aumento manifesto da produtividade do imóvel, sempre com o conhecimento e o consentimento da A., sendo o valor a liquidar oportunamente. Concluíram pela procedência da dita exceção e consequente absolvição dos Réus da instância ou pela improcedência do pedido.

    Na sequência do acórdão desta Relação de 08.9.2020 (que revogou o saneador-sentença de 22.01.2020, com o consequente prosseguimento da ação), foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 15.9.2021, decidiu julgar a ação «totalmente improcedente e, em consequência, absolver os Réus dos pedidos, à excepção do pedido de reconhecimento da Autora como proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …., freguesia de …, sob o n.º 7127, sito em …., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 10647º, da freguesia de …, concelho de …».

    Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: I - A primeira questão com o qual a Recorrente discorda da sentença recorrida é a da não caducidade do primitivo contrato de arrendamento rural verbal existente entre a Recorrente – A. (doravante designada tão só por AA.) e C. pois que considera que o mesmo cessou, se não antes, a 23.9.2002 com a morte deste.

    1.1 - Os factos dados como provados na Sentença recorrida e com especial interesse para esta questão são os - 4.1.11; - 4.1.12; - 4.1.13; - 4.1.14; - 4.1.15; - 4.1.16; - 4.1.24 e - 4.1.33.

    1.2 - Como é pacificamente aceite pela nossa Jurisprudência “o regime de caducidade do arrendamento é o vigente à data do facto que o determine, «ex vi» art.º 12º n.º 2 do Código Civil”, o que também a Sentença recorrida reconhece.

    O regime vigente a data do facto que o determine, isto é, o falecimento de C. ocorrido a 23.9.2002 é o constante dos art.ºs 23º e 24º da LAR instituída pelo DL n.º 385/88 de 25.10 na sua redação àquela data vigente (23.9.2002).

    1.3 - A Sentença recorrida faz dos art.ºs 23º e 24º do DL n.º 385/88 de 25.10 na sua redação àquela data vigente, uma interpretação, a nosso ver, errada.

    1.4 - Ao não considerar como “obrigatórias as comunicações negativa e positiva referidas no art.º 24º do DL n.º 385/88”, comunicação, neste caso...

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