Acórdão nº 3237/21.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelTERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – C..., CRL, veio, ao abrigo do disposto no artigo 380º e ss. do CPC, intentar o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, contra a Associação M... (que se designará daqui em diante como Associação M...), pedindo que seja ordenada a suspensão da deliberação social tomada pela Requerida no dia 31 de Agosto de 2021, por ter ficado demonstrado que a deliberação é contrária à lei e aos estatutos, a qualidade de associada da Requerente e a existência de um dano apreciável, fazendo-o sem prévia audição da Requerida para não comprometer a sua finalidade.

Invoca ser associada da Requerida e fazer parte do Clube M ... que constitui uma marca colectiva criada pela Requerida. A 21/6/2021 recebeu por email uma convocatória para a realização da Assembleia Geral da Associação M... no dia 8/7/2021, estando prevista na respectiva ordem de trabalho, no ponto 8, a discussão e deliberação de exclusão e suspensão de associados, não sendo identificados os associados que se ponderava excluir. Efectivamente, nessa Assembleia foi deliberada a expulsão da Requerente da Associação M..., não obstante a mesma ter sempre cumprido todas as obrigações impostas pela Requerida no que respeita ao mercado nacional. Invoca ainda não ter tido conhecimento da Proposta de expulsão, do que decorre que não pôde exercer o seu direito de defesa. Pelos motivos indicados requereu a instauração de procedimento cautelar de suspensão de deliberação social que corre termos, tendo, não obstante, entretanto, recebido convocatória para uma Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 31/8/2021, destinada a deliberar a renovação com eficácia retroactiva de exclusão do associado. Também esta deliberação padece de nulidade por se continuar sem se fazer prova de qualquer violação por parte da Requerente, não tendo sido apresentados pela Direcção documentos que comprovem os comportamentos errantes da Requerente nem tendo sido exibidas quaisquer interpelações à mesma, acrescendo que não se circunstanciam no tempo os momentos dos alegados incumprimentos. Alega ainda a Requerente que a manutenção dessa deliberação acarretará para si “dano considerável”, quer a nível reputacional quer a nível monetário.

Indeferiu-se a dispensa de citação prévia e determinou-se a citação da requerida, a qual se veio a realizar.

A Requerida apresentou oposição, pugnando pela improcedência da pretensão da Requerente, desde logo entendendo que, por via da deliberação renovatória na Assembleia Extraordinária de 31 de Agosto, ficou inequivocamente afastado qualquer vicio potencial que existisse na convocatória da Assembleia Geral de 8/7. Entendendo ainda ter sido seguido o procedimento constante do Regulamento Interno da APMA, tendo a Direcção apresentado proposta à Assembleia Geral para exclusão da Requerente, constando da mesma que a Requerente tem comprovada, reiterada e deliberadamente, procedido à utilização de marca própria, fazendo-o em locais estratégicos e de grande visibilidade, concorrendo desse modo com a marca e imagem colectiva M..., tendo assim procedido na Campanha Comercial 2019/2020 e 2020/2021. Por assim ser, a Requerente foi advertida por incumprimento dos Estatutos, requerendo-se nessa admoestação que adoptasse as medidas correctivas necessárias à não continuidade dessa prática, não tendo a Requerente respondido; foi-lhe envida nova advertência em 10/12/2020, por continuar a utilizar marca própria em fruta por si comercializada, reincidindo na infracção, sendo-lhe de novo solicitado que adoptasse as medidas necessárias para respeitar os Estatutos e o Regulamento da Requerida, nada tendo a mesma, de novo, respondido; na sequência de um contacto telefónico do Presidente da Direcção da Requerente em Janeiro de 2021, realizou-se uma reunião, na qual se tornou evidente que a atitude da Requerente estava em manifesta dissonância com o defendido pela Requerida e praticado pelos restantes associados, sendo que no seguimento dessa reunião a Requerida lhe enviou nova comunicação contestando varias alegações da Requerente e reiterando que, querendo manter-se na Associação M..., teria que cumprir os Estatutos e o Regulamento em vigor, à qual, e mais uma vez, a Requerente não respondeu Em face da referida dissonância, bem sabia a Requerente estar iminente a sua saída por deliberação, caso não optasse por sair voluntariamente da Associação M... ou passasse a cumprir com os respectivos Estatutos.

Procedeu-se, seguidamente, à produção de prova em audiência final, com inquirição das testemunhas arroladas e prestação de declarações de parte, tendo vindo a ser proferida sentença, na qual se julgou improcedente o procedimento cautelar, não se decretando a suspensão da deliberação social dele objecto.

II – Do assim decidido apelou a Requerente que concluiu as suas alegações do seguinte modo: 1. Vem o Tribunal a quo considerar que “Do singelamente exposto extrai-se que, ao que se perspetiva em face da leitura conjugada dos factos indiciariamente assentes, a aqui requerente bem sabia qual o tipo de comportamento que a requerida tinha em mente aquando da convocatória para a assembleia geral de 31 de agosto de 2021, tendo tido vastos meses para exercer os direitos que tivesse por convenientes acerca da respetiva temática, nomeadamente, em resposta aos emails que lhe foram endereçados, sem que conste que tenha encetado qualquer esforço no sentido de clarificar a situação em litígio. (…) os factos indiciariamente provados não permitem, ao que se julga, concluir que haja uma real e séria probabilidade de a demora da ação declarativa, de que este procedimento é dependente, acarretar a produção de um dano apreciável à requerente, atento, nomeadamente, o teor do facto provado 37. Destarte, conclui-se que a requerente não logrou demonstrar indiciariamente os factos integradores dos pressupostos do deferimento do presente procedimento cautelar, o que conduz, inevitavelmente, à sua improcedência.” 2. Decisão e conclusões com as quais a Recorrente não se pode conformar, na justa medida em que a razão, a prova produzida e a matéria de facto provada impunha e impõe decisão diversa.

3. Por esse motivo, impõe-se a alteração do teor da Sentença proferida, na medida em que, não obstante estar em causa uma ação cautelar, que pela sua natureza não impõe um grau de rigor tão elevado no que diz respeito à prova a produzir e a levar em consideração pelo Tribunal a quo, tal não implica nem deve significar o mesmo que ignorar aquilo que foi dito e/ou depreender algo daquilo que não foi dito.

4. Com efeito, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados os factos constantes nos pontos 24, 26, 27, 28, 30 a 32, 34, 35 e 37 dos factos dados como provados na Sentença recorrida, pois a decisão sobre esta matéria de facto não reflete a prova produzida em julgamento.

5. Relativamente ao facto 24, inexiste qualquer fundamento para que o Tribunal a quo tenha decidido colocar esta afirmação na matéria indiciariamente provada, desde logo porque não existe qualquer elemento probatório que sustente tal decisão, pois nenhuma testemunha conseguiu afirmar com certeza e por conhecimento direto que a Requerente tenha de facto atuado dessa forma, muito pelo contrário.

6. As testemunhas apresentadas pela requerente em momento algum confirmaram o que consta neste facto dado como provado.

7. Em segundo lugar, as testemunhas apresentadas pela Requerida, ou nada sabiam, ou sabiam com base em mero “diz que disse”, i.e., naquilo que ouviram dizer, sendo evidente que nenhuma delas presenciou qualquer incumprimento por parte da requerente.

8. Ora, um facto não pode ser dado como provado com base em ouvir dizer, pelo que não podem estes depoimentos servir como base ou fundamento para a estranha inserção deste alegado facto no elenco da matéria dada como provada.

9. Em terceiro lugar, a última testemunha da Requerida, a única que referiu ter presenciado o incumprimento da Requerente, demonstrou uma enorme confusão no que se refere a tempo e lugar, nunca tendo conseguido identificar um lugar ou uma data em que tivesse de facto verificado a utilização da marca própria por parte da Requerente no mercado nacional.

10. Aliás, esta testemunha, para além de confusa, manifestou alguma contrariedade no teor do seu discurso que não podia deixar de ser notada pelo Tribunal a quo.

11. Relativamente ao exemplo dado, o Mercado Abastecedor do ..., cumpre esclarecer, tal como foi referido pelo depoimento da testemunha AA, que as caixas que a requerida refere que exibem o nome da requerente são apenas de transporte e não para apresentação no mercado.

12. Acresce que o Mercado Abastecedor do ... é apenas um entreposto, onde a Requerente vende a outros comerciantes que, posteriormente, embalam a fruta conforme mais lhes convém.

13.Nesta medida e atenta a gritante ausência de prova, considera-se que não existe qualquer elemento probatório que permita dar esta parte da matéria de facto como provada, pelo que se impõe alterar tal decisão, dando-se esta parte como não provada.

14. Relativamente ao facto 26 também ele não pode ser considerado provado da forma em que foi, porquanto tal afirmação não é válida num contexto geral.

15. É preciso ser rigoroso e ter em atenção o disposto no artigo 1.º da II Parte do Regulamento, que desde logo, no seu título indica que se restringe ao mercado nacional.

16.Ora, não pode ser considerado, sem mais, que a requerente está obrigada a não utilizar a marca própria, porquanto, apesar de tal corresponder à verdade, só corresponde no que ao mercado nacional respeita.

17. Acresce que as testemunhas elencaram essa circunstância amiúde.

18. Havendo uma clara distinção entre as regras adotadas neste mercado e as regras a prosseguir em caso de comercialização internacional.

19. Pelo que, andou o Tribunal a quo mal na redação deste facto dado como provado.

20.No que respeita ao facto 27, também não corresponde...

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