Acórdão nº 4970/18.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFALCÃO DE MAGALHÃES
Data da Resolução10 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra[1]: I - A) - 1) – AA, viúvo, reformado, residente em Rua ... ... andar, ..., por si e na qualidade de único e universal herdeiro de seu filho BB, intentou, em 31 de Outubro de 2018, acção declarativa, de condenação, com processo comum, contra a sociedade “S..., S.A.” anteriormente denominada T..., S.A., com sede na Avenida ..., em ..., para efectivação da responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido a .../.../2018, em consequência do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes da morte desse seu filho, ocorrida em consequência dos ferimentos resultantes da queda ao solo deste, projectado que foi do reboque em que o mesmo seguia transportado, matriculado como ...1, acoplado ao tractor agrícola matriculado como ...36, segurado então na “T..., S.A.”, projecção essa que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do dito tractor, CC, por circular com o tractor desatento, de forma imprevidente e negligente, a velocidade superior a 40 km/h, provocando desequilíbrios para quem se encontrava em cima do reboque, como foi o caso do aludido BB, que aí seguia com a autorização do referido condutor.

Assim, imputando o acidente à culpa exclusiva do aludido condutor do referido tractor, o Autor peticionou da Ré, a indemnização global de € 111.508,00 (acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento), dela respeitando: - € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, pelo sofrimento de que foi alvo o BB pelas lesões graves que padeceu até falecer e na antevisão da sua própria morte; - Montante não inferior a € 80.000,00, pela privação do direito à vida do BB; - € 30.000,00, pelo dano próprio do Autor, resultante da perda do seu filho; - A quantia de € 1.508,00, a título de danos patrimoniais, entre os quais inclui, € 498,00, porquanto, dos 1785,00 que gastou relativos a despesas de funeral, já recebeu da Segurança Social a importância de 1.287,00 euros, 2) - A Ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, e, em momento processualmente posterior, veio deduzir articulado superveniente a que o autor respondeu.

Defendeu a Ré, em síntese: - Que o condutor do tractor se recusou, inicialmente, a transportar o aludido BB e só após muita insistência deste, e por conta e risco do mesmo, é que acedeu a transportá-lo. - Que se deve presumir a culpa do aludido BB, já que o mesmo se encontrava se encontrar alcoolizado e sob a influência de estupefacientes.

Pugnou pela sua absolvição.

3) - Foi proferido despacho saneador, elencando-se os seguintes temas de prova: - Dinâmica do acidente; - Culpa do condutor do trator CC e/ou do malogrado BB (existência de álcool e estupefacientes no sangue à data do sinistro) e sua causalidade com o acidente; - Danos invocados pelo A e causalidade com o acidente.

*B) - Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença (em 6/1/2022), pelo Juízo Central Cível de Viseu, no dispositivo da qual, assim se consignou: «[…] , julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência Primeiro : Condeno a R. S..., S.A. a pagar ao A. AA, a quantia de sessenta e cinco mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. No demais, julgo a ação improcedente, absolvendo a R. do demais peticionado.

Segundo : Condeno a A., e a R. no pagamento das custas do processo na proporção do respetivo decaimento. […]».

*C) - Tendo o Autor interposto recurso desta sentença, também a Ré recorreu dessa decisão, recursos esses que foram admitidos como apelações, com efeito meramente devolutivo.

*D) - O Autor, a terminar a alegação do respectivo recurso, ofereceu as seguintes conclusões: «1.ª - Vem o presente recurso, por um lado, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e por outro, impugnar a determinação do quantum e natureza do montante indemnizatório atribuído ao aqui recorrente, uma vez que quanto ao apuramento da responsabilidade pela eclosão do sinistro nenhum juízo de censura se deve imputar à sentença.

2.ª - A sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, como infra se verá.

3.ª - Não se conforma o ora recorrente com tal decisão, pois entende que da prova efetivamente produzida em audiência não é coincidente com a que foi dada como definitivamente assente.

4.ª - Salvo o devido respeito por opinião diversa, a recorrente entende que a resposta dada a determinados factos articulados não é correta e que decorre de uma interpretação da prova que não sufragamos.

São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados: No que respeita aos factos não provados: d) Que BB teve perceção da queda; e) Que, apos esta e antes do falecimento teve dores, sentiu ansiedade, angústia, medo da morte e sentimentos de incapacidade de evitar a sua morte; f) Que BB mantinha ligação afetiva com as irmãs e com o A.

  1. Telefonava todos os dias para o A. de quem era o melhor amigo, companheiro e confidente h) Que o A. tinha por BB afeto e amor.

  2. Que o A e BB prestavam mutuamente, consolo e apoio.

  3. Que BB era uma pessoa alegre, k) Era considerado pelo A. um filho extremoso, meigo e exemplar.

  4. Que o falecimento de BB, provocou no A., dor, angústia, saudade e desgosto; m) Que, após o falecimento de BB, o A. deixou de ter alegria e confiança no futuro, n) Deixou de dormir e sofre de pesadelos constantes desde a morte do filho, o) deixou de conviver socialmente e raramente sai de casa.

  5. Chora diariamente e não tem vontade de falar ou conversar com outras pessoas.

  6. Que antes da morte de BB, o A. era uma pessoa alegre e com vontade de viver.

  7. Que o A. gastou em ramos e coroas de flores para o funeral uma quantia não inferior a € 300,00 e com ornamentações e velas a quantia de € 200,00.

  8. Que o A, na compra de roupa de luto, umas calças, camisa e casaco, o A. gastou a quantia de € 150,00; t) Por via da queda ficaram inutilizáveis um casaco, camisa, calças, cinto, um relógio e um telemóvel de marca ..., no valor de € 50,00, € 20,00, € 30,00, €10,00, €100,00, €150,00, respetivamente, que BB trazia consigo.

    5.ª – Vejamos a prova que implica decisão diversa: 6.º - Declarações de DD – depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – com início ocorreu pelas 14:48:47 e o seu termo pelas 15:17:47 do dia 20 de Maio de 2021.

    7.ª – Declarou que o falecido vivia com os pais e depois de ter ficado desempregado, saiu da vila onde vivia à procura de trabalho; que era trabalhador, respeitado e respeitável por todos e era um 8.º - Declarações de EE - depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal – com início pelas 15:19:17 e o seu termo pelas 15:34:02 do dia 20 de Maio de 2021.

    8.ª – a testemunha declarou que é de ..., é agente funerário e conhecia o falecido e a família deste, por serem da terra. Que o Autor lhe pagou o funeral que rondou os 1.600,00 euros e que acha razoável o valor de 500,00 euros para ornamentações e velas gastas pelo autor com o funeral.

    9.ª – Disse que o falecido era um homem tranquilo e ligado aos pais e ás irmãs. Que na altura do acidente, se encontrava a trabalhar para os lados de .... Que tinha uma boa relação com o pai. Que o Autor ficou muito angustiado com a morte de filho e que muitas vezes desabafa com ele no escritório. Mais disse que ficou mal com a morte da mulher mas ficou pior com a morte do filho...

    10.ª – Declarações de FF, genro do Autor e cunhado do falecido - o seu depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com o início ocorreu pelas 15:37:44 e o seu termo pelas 15:59:25 do dia 20 de Maio de 2021.

    11.ª – Referiu que conhecia bem o falecido, até pelas relações familiares... Que o mesmo era uma pessoa humilde, bom rapaz, trabalhador, dedicado à casa; esteve casado pouco tempo e depois viveu com os pais.; que passou um mau bocado com a morte da mãe mas que depois disso ainda viveu com o pai cerca de 6/7 anos; Esteve sempre ao lado do pai; 12.ª – Que o autor era pessoa sociável e prestável e toda a gente da freguesia o respeitava e ele respeitava toda a gente... Era trabalhador e respeitado... não perdia uma hora de trabalho... quando a família precisava dele, ele estava sempre disposto a ajudar.

    13.ª – Confirmou que o aqui Autor é uma pessoa muito doente... desde a morte da esposa e depois do filho, ficou muito abalado... depois da mulher morrer, o filho era o amparo dele... que sentiu muito a morte do filho... e ainda hoje se lembra do filho... que o enterrou junto com a mãe e vai muitas vezes ao cemitério. Tem dor e angustia.

    14.ª – Referiu, ainda, que o Autor, dentro das possibilidades dele, fez um bom funeral para o filho... o melhor possível para se despedir do filho... as pessoas são religiosas, gostam disso ... não acho 500,00 euros muito ( para a despesas em ornamentação e velas ); 15.ª – Referiu que ele próprio foi ... levantar o corpo e entregaram-lhe um saco com pertences – um relógio, telemóvel, umas calças, a roupa do corpo – estava tudo danificado... não sei quanto valia – telemóvel entre 100,00 euros – 150,00 euros, relógio cerca de 100,00 euros ... tudo 400,00 euros.

    16.ª – Confirmou que a empresa onde o falecido trabalhava fechou – setor da cortiça – e como estava desempregado, foi para ... tentar arranjar trabalho. Vinha a casa do pai quase todos os fins de semana – vinha com muita frequência...

    17.ª – Vejamos as declarações de CC, depoimento ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital, com inicio pelas 09:56:53 e o seu termo pelas 10:19:06 do dia 23 de Setembro de 2021.

    18.º - A testemunha era o condutor do veículo seguro e sem qualquer dúvida que o BB estava vivo quando chegou a ambulância...

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