Acórdão nº 4291/19.5T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO MOREIRA DO CARMO
Data da Resolução24 de Maio de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1. AA, residente em ..., intentou acção declarativa contra BB e cônjuge, CC, residentes em ..., e DD, residente em ..., impetrando que devem anular-se os 2 testamentos outorgados por EE.

Alegou, muito resumidamente, que o falecido EE, de quem era sobrinho, lavrou dois testamentos, a favor dos aqui réus, como seus universais herdeiros, sendo que, no entanto, desde alguns anos antes se encontrava já afectado nas suas faculdades mentais de modo a não ter a capacidade de avaliar os seus atos e determinar a sua livre vontade, pelo que, quando testou, já com 81 e 82 anos, já se encontrava totalmente incapacitado de entender o sentido das declarações que proferiu.

Contestaram os réus, avançando, em breve síntese, que o falecido testou no pleno exercício da sua vontade, sendo então capaz, o que foi confirmado pela Notária e pelas testemunhas dos actos, e que o mesmo não se encontrava incapaz nem sequer quando a sentença do processo que o interditou assim o determinou, e que o que acontece é que o autor não se conforma por o seu falecido tio ter decidido não lhe deixar qualquer bem. Concluem, assim, pedindo a sua absolvição.

* A final foi proferida sentença que julgou a acção não provada e absolveu os réus do pedido.

* 2. O A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões: 1 – O ora Recorrente AA instaurou a presente acção declarativa constitutiva (processo comum) contra BB e cônjuge, CC e DD, beneficiários dos testamentos celebrados em 29/01/2010 e 23/02/2011 no Cartório notarial ... pelo falecido EE, tio do autor, que deixou em favor daqueles (Réus) vários legados e instituindo-os seus únicos universais herdeiros.

2 - Na respetiva acção deduziu o seguinte pedido: “Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e em consequência deve anular-se ou declarar-se anulados os testamentos outorgados por EE no Cartório notarial ... em 29/01/2010 e 23/02/2011” 3 - Por sentença proferida em 16/12/2021, pelo Juízo Central Cível de Viseu – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, foi a ação intentada pelo Autor/Recorrente, julgada improcedente, absolvendo-se os réus do pedido contra eles formulado.

4 - O Meritíssimo Juiz ao decidir da forma como o fez não atendeu a factos que deveriam ter sido devidamente avaliados e apreciados, por se afigurarem como fundamentais para uma decisão diversa daquela que o tribunal ad quo formulou (nomeadamente os factos aludidos em aa) e ab), supra melhor descritos neste recurso.

5 - Em nosso entendimento, não foram valoradas provas testemunhais que contextualizadas com algumas provas documentais justificariam uma outra apreciação sobretudo quando sujeitas à livre apreciação do tribunal e baseadas numa prudente convicção e dentro das regras da ciência, do raciocínio lógico e em máximas da experiência.

6 - O tribunal poderia e deveria apreciar livremente as provas, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (nº 5 do artº 607º do CPC) e sem limitação – à excepção da prova vinculada - valorando-as, ponderando-as recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre e própria convicção acerca de cada facto controvertido.

7 - É nosso entendimento ter existido violação das regras da ciência, da lógica e da experiência. Ou seja, a convicção do tribunal “a quo” sobre a realidade - ou falta dela – dos factos não foi alcançada com o uso da prudência e perturbou a faculdade de decidir da forma mais correcta (art.º 607º nº 5 do NCPC), violando o princípio da livre apreciação da prova.

8 - Nada obsta que na investigação sobre a nulidade do ato da ultima vontade, por ausência ou redução do discernimento do testador, deva o juiz fazer uso da prova indirecta concretizada por presunções, ou por indícios, ou por sinais, ou por suspeitas, ou por adminículos. Somente esses elementos poderão comprovar a falta de discernimento de quem já não existe mais, fisicamente, no plano dos factos.

9 - No fundo, o que se pretende é a prevalência da verdade material sobre a forma pois cabe ao processo civil procurar a verdade material em vez de se privilegiarem aspectos formais, que não assumem verdadeira importância perante o objectivo de boa aplicação do direito substantivo ao caso concreto, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo e a realização da justiça.

10 - Com efeito, a descoberta da verdade material envolve um alto interesse do estado e assim se promove a confiança na justiça dos tribunais, que só pode ser adquirido através da eliminação de restrições que se refere à limitação do uso dos meios probatórios ou de todas as diligências necessárias ao apuramento da respetiva verdade e da justa composição de litígio.

11 - É nosso parecer (salvo melhor opinião) que os factos enunciados nos pontos 13 (treze) e 24 (vinte e quatro) e 25 (vinte cinco), constantes nos factos provados na sentença, não foram adequada e convenientemente sustentados através dos meios de prova apresentados em discussão de julgamento.

12 - Dos factos integrados na matéria não provada e que deveria ser considerada provada, evidenciamos os pontos 10 (dez), 11 (onze), 12 (doze), 13 (treze), 16 (dezasseis), 19 (dezanove), 23 (vinte e três), 27 (vinte e sete), 34 (trinta e quatro), 40 (quarenta), 41 (quarenta e um), 43 (quarenta e três) da P.I. e os factos 19 (dezanove), 20 (vinte), 21 (vinte e um), 23 (vinte e três) e 27 (vinte e sete) da Contestação.

13 - Efectivamente, o Meritíssimo Juiz para alcançar aquela conclusão apenas valorou as declarações da Notária, Dra. FF, quanto ao ponto 13 (treze) e dos réus, quanto aos pontos 24 (vinte e quatro) e 25 (vinte e cinco), depreciando completamente as declarações de parte do Autor e os depoimentos das testemunhas por si arroladas, nomeadamente, familiares e vizinhos do de cujus.

14 - Em síntese da prova produzida e examinada em audiência, observamos que para o meritíssimo juiz apenas teve preponderância o depoimento da notária que considerou “de relevante” e por considerar a Notária uma “profissional qualificada para o efeito, experiente e imparcial”.

15 - O Meritíssimo Juiz não deu qualquer crédito às declarações do Autor/Apelante nem às testemunhas por si arroladas, o que nos leva a crer existir erro ou desacerto na valoração das provas porque, apesar da livre apreciação da prova posta ao dispor do Julgador.

16 - O Recorrente considera ter sido incorrectamente julgado o facto provado em 13 (contestação): “ À data da outorga dos testamentos em causa o referido EE tinha noção do que estava a fazer e fê-lo porque quis.” 17 - A decisão não se reporta a qualquer fundamentação deste ponto concreto da matéria de facto dada como provada, nem de qual elemento probatório foi retirada esta conclusão. De toda a prova testemunhal e documental produzida na audiência de julgamento, não resulta provado qualquer facto que pudesse ser valorado neste sentido, nem sequer da senhora Notária, nem dos testamentos elaborados, nem das declarações dos Réus.

18 - Deste modo, o juiz ad quo não justificou nem fundamentou o resultado desta ilação ou conclusão bem como a sua sustentação fáctica porquanto nenhumas testemunhas houve que concretizassem ou contextualizassem ou justificassem tal afirmação.

19 - No que tange a este facto concreto dado como provado, “À data da outorga dos testamentos em causa o referido EE tinha noção do que estava a fazer e fê-lo porque quis.”, não merece provimento, desde logo, por duas ordens de razão: A primeira, porque é manifesto que não se trata de qualquer facto mas, antes, de uma asserção de cariz jurídico-conclusivo. Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade, é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados. A segunda porque, ainda que se entendesse tratar-se de “facto”, o que não se concebe, o recorrente não localizou em qual testemunha ou documento foi concretizada esta prova o que, obviamente sempre deveria ser inviabilizada e, consequentemente deve proceder-se à sua reapreciação no âmbito da matéria de facto.

20 – Do depoimento da Sra. Notária extraiu-se o seguinte: - “Normal, normal. O procedimento dos testamentos é sempre igual para com todos. É perguntar o nome, perguntar os dados de identificação, a data de nascimento, a idade, o nome dos pais, para ver se eles estão psicologicamente bem ou mentalmente bem, se me souberem responder, depois dizem-me a vontade deles e é lavrado o testamento”.

21 - Deste depoimento denota-se, com evidência, quais as perguntas que a Sra Notária fez ao testador: “O procedimento dos testamentos é sempre igual para com todos. É perguntar o nome, perguntar os dados de identificação, a data de nascimento, a idade, o nome dos pais, para ver se eles estão psicologicamente bem ou mentalmente bem, se me souberem responder, depois dizem-me a vontade deles e é lavrado o testamento.” 22 - Perguntas essas que declarou serem iguais para todos os testadores e que apenas se tangem à questão sobre o nome, data de nascimento, idade e nome dos pais. Acrescentando, a Sra. Notária, serem estas as questões que coloca para ver se as pessoas estão psicologicamente bem ou mentalmente bem.

23 - Com o devido respeito pela Sra. Notária, mas é indubitável, mesmo à luz da experiência de um cidadão comum, que a realização de tais perguntas e a resposta às mesmas é um meio claramente insuficiente para atestar as faculdades mentais de uma pessoa, bem como a sua capacidade de discernimento quanto ao ato que está a praticar e ao alcance do mesmo.

24 - Mais se acrescenta que a Sra. Notária, não possui (e não tem obrigação de possuir) conhecimentos clínicos que lhe permitam aferir, com total grau de certeza, da existência de capacidades mentais por parte de um testador.

25 - Tal falta de conhecimento, aliada ao facto de nunca e em momento algum, (anterior ao momento da...

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