Acórdão nº 1981/20.3T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | TERESA ALBUQUERQUE |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I - AA, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BB, (daqui em diante, 1º R.) e CC, (2.º R), pedindo que: 1-Seja reconhecido o direito de crédito da A., cujo pagamento recai sobre os RR., das seguintes quantias: a) a quantia global em dívida que se cifra em 43.555,39 €; b) sem prejuízo de todos os custos com o crédito que a A. venha a suportar, no período compreendido entre a data da propositura da ação até ao pagamento integral e efetivo; c) a quantia de 17.375,34 €, a título de juros vencidos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data do incumprimento (01-01-2008), sobre o capital de 35.000,00; II –Seja reconhecida a fiança prestada pelo 2.º R. ao 1º R., para bom cumprimento do crédito da A.; III – Seja reconhecida a quantia de 10.000,00€, a título de danos não patrimoniais. provocados pelos RR. à A.
Alegou, em síntese, que no dia 8 de Novembro de 2007, emprestou a quantia de 35.000,00€ ao 1.º R., tendo, para o efeito, contraído um empréstimo junto do “B..., S.A.”, no valor de 55.000,00 €, sendo que os RR. assumiram o compromisso de lhe devolver a referida importância de 35.000,00€, bem como todos os custos que ela viesse a suportar com o recurso ao empréstimo bancário, na proporção que lhes caberia. Mais alegou que no dia 6 de Dezembro de 2007, os RR. assinaram um documento intitulado de “Declaração”, em que o 1.º R. declarou dever a referida quantia de 35.000,00€ à A. e se comprometeu a depositar mensalmente na conta desta a quantia percentualmente equivalente à sua parte do empréstimo efetuado pela A., o que corresponde à percentagem de 63,64% do valor da prestação (bem como de todos os custos inerentes), amortizando a quantia no prazo de 6 anos, a partir do dia 1 de Janeiro de 2008. O 2º R. declarou nesse documento prestar fiança em caso de incumprimento do 1.º R.. Porém, os RR. apenas lhe pagaram a importância global de 11.069,56€, sendo que há doze anos que vem tentando receber a quantia emprestada, assim como todos os custos inerentes ao pagamento do crédito, os quais, à data da instauração da ação, ascendiam a 19.624,95 €, fazendo com o que montante em divida nessa data ascendesse a 43.555,39 €. E, porque os RR. entraram em incumprimento no dia 1 de Janeiro de 2008, são-lhe devidos juros de mora desde essa data, sobre a quantia de 35.000,00 €, até integral e efetivo pagamento. Acresce que, porque ela, A., se encontra profundamente afetada devido ao comportamento dos RR, o que se reflete no quadro de perturbação de ajustamento/depressão reativa prolongada que apresenta há mais de 10 anos, deve ser-lhe reconhecido o direito a indemnização por danos não patrimoniais de 10.000,00 €.
Os RR. contestaram a ação, invocando a nulidade do contrato de mútuo e da fiança, por vício de forma, e sustentando, por isso, que apenas o 1.º R. se encontra obrigado a restituir à A. a quantia de 35.000,00 €, deduzida do valor recebido de 11.069,56 €, admitindo que a este valor acresce a percentagem de 63,64% sobre o valor total dos encargos suportados com o crédito bancário, que ascende a 13.322,15 €, mas negando que haja lugar ao pagamento de juros de mora até ao momento da propositura da acção e de indemnização por danos não patrimoniais.
A A. respondeu espontaneamente às exceções invocadas pelos RR., mantendo a posição vertida na petição inicial.
Teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, se fixou o valor da acção, se identificou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença que: a) decretou a nulidade, por inobservância da forma legalmente prevista, do contrato de mútuo celebrado entre a A. e o 1.º R em 8 de Novembro de 2007; b) declarou a ilegitimidade da invocação da nulidade da fiança, por violação do princípio da confiança, na modalidade venire contra factum proprium; c) e condenou solidariamente os RR. a restituírem à A. a quantia de 35.000,00 € (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa prevista para os juros civis, calculados desde o dia .../.../2012 e até efetivo e integral pagamento, d) condenou solidariamente os RR. a pagarem à A. os custos do crédito bancário por si contraído junto do “B..., S.A.”, na proporção de 63,64% (sessenta e três vírgula sessenta e quatro por cento), no valor liquidado de 7.682,18€ (sete mil, seiscentos e oitenta e dois euros e dezoito cêntimos) e a liquidar; e) condenou solidariamente os RR., a pagar à A., a quantia de 1.000,00€ (mil euros), a título de danos não patrimoniais; f) absolveu os RR. do demais peticionado.
II – Do assim decidido apelaram ambos os RR., na mesma apelação, apresentando, no entanto, conclusões, diversas quanto a um e outro.
A -O R. CC concluiu do seguinte modo: 1-A decisão recorrida constitui um manifesto erro de julgamento, quer quanto à factualidade dada como provada, quer quanto aplicação do direito, sendo mesmo nula.
2- Porque o conteúdo do facto 5 é um juízo conclusivo sobre o que decorre do documento levado ao facto anterior, deverá o mesmo ser eliminado.
3 - Mas não só o facto 5 deve ser eliminado da matéria assente, como também o juízo conclusivo que faz relativamente ao Recorrente CFS seria perfeitamente infundado e até abusivo.
4 - Mas o teor do facto 5 tem ainda um outro erro de apreciação jurídica porquanto trata da mesma forma a obrigação do devedor principal – o 1º Réu – e a do suposto fiador – o 2º Réu 5 – Ou seja, para além do teor do facto 5 ser um juízo conclusivo e não um facto, nem a conclusão que nele se retira tratando da mesma forma obrigações de diferente natureza do 1º e 2º Réus – devedor principal e fiador-, tem o mínimo fundamento legal.
6 - Importa dizer que o Recorrente é aqui terceiro relativamente ao contrato de mútuo celebrado entre a Autora e o 1º Réu.
7 - Não se provou, e nem sequer foi alegado, que a inobservância da forma do mútuo possa ser de alguma forma imputada ao Recorrente CFS pelo que não se vê que este tenha tido objectivamente algum contributo para a inobservância da forma do mútuo.
8 - Como é que um terceiro de boa-fé, que é manifestamente o caso do aqui Recorrente, se vê impedido de invocar a nulidade de um contrato (mútuo) tendo presente que nos termos do artº 286º do Código Civil (CC) a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado.
9 - Se a dívida contraída pelo fiador tem por via de regera o mesmo conteúdo da obrigação do devedor, não se compreenderia que a lei fosse menos exigente quanto às garantias oferecidas para a forma negocial, para a criação do vínculo a cargo de terceiros do que é para o responsável directo pelo cumprimento da obrigação 10 - Não há na factualidade provada, nem elementos nos autos, que permitam concluir que a invocação da nulidade da fiança por parte do Recorrente se traduza num abuso de direito.
11 - Aliás, nunca a Autora invocou nos seus articulados a figura do abuso de direito.
12 - Alega-se na decisão recorrida, sem o mínimo de respaldo legal, que a invocação da nulidade da fiança por parte do Recorrente viola o princípio da confiança na modalidade de venire contra factum próprio.
13 - Desde logo porque não há, no caso presente, nenhum venire contra factum próprio.
14 - O Recorrente é terceiro relativamente ao contrato de mútuo do qual não beneficiou minimamente, razão porque a invocação da figura do venire não tem aqui qualquer aplicação.
15 – Acresce que, se a questão da validade da fiança nunca foi abordada de forma explicita ou implícita na troca de mail’s, porque é que dessa omissão há-de resultar necessariamente a expectativa para a Autora de que o Recorrente nunca faria tal invocação? Não faz qualquer sentido tal raciocínio.
16 – Carece assim de fundamento legal o entendimento, adoptado na decisão recorrida, de que é ilegítimo a invocação da nulidade do contrato de mútuo, por parte do Recorrente CFS, por violação do princípio da confiança, na modalidade venire contra factum próprio.
Caso o entendimento do Tribunal seja outro, o que só por mera lógica de raciocínio se admite, ainda assim a decisão recorrida teria de ser bem diferente daquela que foi dada.
17 - Sem o mínimo fundamento legal alega-se na decisão recorrida que o Recorrente foi condenado solidariamente com o 1º Réu porque não alegou (??!!!) o benefício da excussão prévia com isso afastando acessoriedade da obrigação daquele 18 - Alegação da renúncia ao benefício da prévia excussão seria facto constitutivo do direito da Autora e teria de ir aos factos assentes para que o Recorrente pudesse ser condenado solidariamente com o 1º Réu, o que não aconteceu nos presentes autos.
19 - Mas bem mais grave, é quando a Mª Juiz a quo condena solidariamente o Recorrente e o 1º Réu quando nem a própria Autora o faz no pedido efectuado nos autos, limitando-se a pedir o reconhecimento da existência da fiança para bom cumprimento do seu crédito (pedido II).
20 - A decisão recorrida, para além de um manifesto desprezo pelas regras processuais da alegação e prova dos factos constitutivos de um direito, não exitou mesmo em recorrer ao excesso de pronúncia, para poder condenar solidariamente o Recorrente com o 1º Réu.
21 - Nesta parte, a decisão sempre seria nula, nos termos do disposto nos artº 615º, nº 1, alíneas d) e e), do CPC, nulidade que aqui expressamente se invoca.
22 - Como decorre das disposições conjugadas dos arts. 631º e 634º do CC, a fiança não pode exceder a obrigação principal, cobrindo apenas as consequências legais da mora do devedor do devedor.
23 – Pelo que não podia o Recorrente CFS ser condenado também a pagar os custos do crédito bancário concedido à Autora e a quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais – alíneas d) e e) da parte decisória.
24 - Os RR. foram duplamente condenados a pagar juros, uns à Autora - al. c) da parte decisória - e os outros incluídos nos encargos bancários - al. d) da mesma parte -, dupla penalização que não se afigura legítima.
25 - Tendo o...
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