Acórdão nº 3848/20.6T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Setembro de 2022
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO AREIAS |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Processo nº 3848/20.6T8VIS.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Paulo Correia 2º Adjunto: Helena Melo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO O Banco 1..., S.A., intenta a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1. M... Lda, 2. AA e mulher, BB, Pedindo: a) que se declare que o prédio id. no artigo 1 da Petição Inicial é propriedade do Autor e que tem a área total de 1534 m2, área coberta de 359 m2 e descoberta 1175 m2, conforme descrição constante da Conservatória Predial de ... e a condenação dos réus, que o ocupam, sem título, a restituir-lho, bem como a abster-se de comportamentos que violem aquele seu direito; b) a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento, em quantia a fixar pelo tribunal.
alegando, para tanto e em síntese: a autora adquiriu o prédio em causa no âmbito de um processo de insolvência dos réus individuais, aquisição que registou a 06.09.2017; o imóvel provém da anexação dos prédios ...93 e ...94, anexação essa realizada em maio de 1994, quando os 2.º e 3.º Réus eram os proprietários, tendo o imóvel a área de 2925m2; tendo, posteriormente, em conversa com os réus, referido a 3ª R., que os filhos, através da 1.ª Ré, tinham adquirido um terreno confinante com o autor que se identifica na planta anexa, o autor decidiu fazer uma retificação de áreas em função da área ocupada, reduzindo o espaço para os atuais 1534 m2; os réus vêm a ocupar parte do prédio por divisão do térreo, colocando painéis a dividi-lo, e reduzindo a sua área disponível a 850m2.
A 1ª Ré M... Lda, deduziu contestação/Reconvenção, alegando, em síntese: o levantamento topográfico realizado a mando do banco autor não representa o que foi por ele adquirido no processo de insolvência, pois que, aí, o banco unicamente adquiriu um prédio urbano e seu logradouro, enquanto que a contestante adquiriu, nesse mesmo processo, o prédio rústico que ocupa, sendo que nunca foi estabelecido, pelo banco autor, o limite entre ambas estas realidades; os 2º e 3ª Réus construíram o prédio urbano destinado à habitação e logradouro numa parte do prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo ...34...; posteriormente, os 2º e 3º RR. anexaram ao rústico inscrito no artigo ...34... uma faixa de terreno com cerca de 300m2 e que constituiu o logradouro do urbano pertença do autor e que confina com a estrada; com a finalidade de formarem duas realidades prediais distintas, aqueles réus constituíram um artigo matricial e uma nova descrição do urbano implantado naquele rústico, nunca tendo, contudo, uma vez que os 2º e 3ª RR. eram os únicos e exclusivos proprietários dos prédios urbano e rústico, procedido ao destaque dos prédios nem à retificação das respetivas áreas.
Conclui no sentido da improcedência da ação, pedindo, em reconvenção: c) Se declare e reconheça o direito de propriedade da R/reconvinte sobre o prédio e anexos referidos e identificados nos artigos 64, 65, 80, 82, 95, 96 e 98 deste articulado.
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Seja decretada a alteração da inscrição de registo de aquisição do A/Reconvindo de forma a dela passar a constar como seu objeto o “prédio urbano destinado a habitação de três pisos e logradouro”, com a área coberta de 223 m2 e logradouro de 194 m2 sito a norte + 297 m2 sito a nascente, confrontando a norte com caminho público, a sul e poente com M... Lda. e a nascente com CC e DD, conforme levantamento topográfico junto sob doc. 3.
O Autor apresentou Réplica, no sentido da improcedência do pedido reconvencional, alegando em síntese que o atual prédio urbano resultou da anexação dos prédios ...63 e ...07 e que o prédio ...63 refere-se ao artigo ...34-B com 265m2, que não foi anulado dando origem ao rustico vendido posteriormente à 1ª Ré, M... Lda.
* Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença em que é proferida a seguinte decisão: “Julgo a presente ação parcialmente provada e, nessa medida, procedente, pelo que:
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Declaro a autora, Banco 1..., S.A, proprietária do imóvel destinado a habitação, de três pisos, sito na Rua ..., ..., ..., inscrito na matriz sob o art.º ...89 e descrito na Conservatória do registo Predial ... sob o nº ...08, prédio este com a área total de 1534 m2, correspondente a 359 de área coberta e 1175 de logradouro, conforme a descrição registral correspondente, e condeno os réus, M... Lda., AA e BB, a entregá-lo, devoluto, ao banco autor, retirando os painéis que colocaram no terreno.
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Absolvo os mesmos réus de tudo o mais contra eles pedido.
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Absolvo o banco autor do pedido reconvencional.
* Inconformada com tal decisão, a Ré interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1 – A decisão recorrida foi no sentido da procedência parcial da ação e total improcedência da reconvenção, tendo o tribunal a quo valorado a sua decisão, com a argumentação de que a Reconvinte não provou, como lhe competia, a aquisição originária do rústico e dos 3 anexos nele implantados.
2 – Em primeira e fundamental linha, pensa a recorrente que a decisão sobre a procedência da ação assenta numa clara violação do direito positivo aplicável ao caso sub judice.
3 – Na verdade e como se infere do teor da petição inicial, o A/recorrido estriba o seu pedido de reivindicação com base, única e exclusivamente, na presunção do registo.
4 - E a descrição do prédio resulta duma simples declaração do A/recorrido através de um levantamento topográfico efetuado a seu mando, o que implica que a presunção do art. 7º do CRP não pode abranger os elementos de identificação do prédio constante da descrição predial, nomeadamente, os relativos às áreas.
5 - Refira-se, ainda, que o ora Recorrido não pede ao tribunal que declarasse que a área que comprou é a constante da escritura pública de compra e venda, mas apenas que os RR. fossem condenados a entregarem-lhe e a restituírem-lhe a área de 1534 m2 e a desocuparem o imóvel que alegou estar a ser ocupado.
6 - Como resulta dos arts. 1º, 2º e 3º do C.R.P., o registo predial não tem função constitutiva, mas apenas declarativa.
7 - Pois a finalidade do registo não é garantir os elementos de identificação do prédio, as suas confrontações e seus limites, a sua área, mas apenas a de assegurar que relativamente a esse prédio se verifiquem certos factos jurídicos.
8 - Como bem é salientado no Ac. do S.T.J. de 27/01/93, In C. J. – Acs. S.T.J. -, Ano I, Tomo I, pág. 100, a descrição dos prédios pode resultar de simples declarações dos interessados, não sendo facto de que o conservador se aperceba diretamente ou que se certifique com os seus sentidos, o que implica que a presunção do art. 7º não pode abranger os elementos de identificação do prédio constante da descrição predial, como sejam as áreas.
9 - Ainda e como uniformemente vem sustentando a nossa jurisprudência, a prova da propriedade nunca pode ser alcançada por obra exclusiva da presunção do direito aqui em causa, uma vez que a presunção do art. 7º do CRP só faz presumir que o inerente direito existe e que esse imóvel é propriedade do titular inscrito, não abrangendo, no entanto, essa presunção os fatores descritivos do mesmo, tais como os seus limites, confrontações, áreas e natureza - cfr. Ac. STJ de 07/04/2011, Proc. 569/04.0TCSNT.L1.S1, Ac. STJ de 14/11/2013, Proc. 74/07.3TCGMR.G1.S1, de 17/06/97, CJ-STJ ano V, 2, 126 e de 11/05/93, CJ-STJ ano I, 2, 95, Ac. RG de 03/12/2013, Proc.194/09.0TBPBL.C1, Acs. TRP, de 03/02/2009, proc. 0820136, de 26/10/2006, proc. 0634775 e de 16/10/2000, proc. 0050974, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
10 – Sendo que nos termos do sumário do ac. do TRP, de 27/01/2009, proc. 0827885, consultável em www.dgsi.pt, é lá referida a seguinte jurisprudência: «I - Em todos os casos em que as partes disputam a propriedade de pequenas parcelas nas confrontações de prédios de donos diferentes, optando-se pela ação de reivindicação (art. 1311.º do CC), sempre os reivindicantes terão de provar a sua posse sobre o objeto da disputa, com as características capazes de transformá-la em direito de propriedade (Usucapião), não bastando fazer apelo à presunção registral. (sublinhado nosso); II - A questão jurídica não pode nunca ser resolvida por um quesito em que se pergunte se a parcela em discussão pertence ao prédio A ou B.» 11 – Destarte, a presunção do registo, é ilidível pois que, como afirma, o Professor Oliveira Ascensão, in “Direitos Reais”, 5ª edição, pág.382, «É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si. Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião.» 12 – O Recorrido, para além da presunção do registo, não invoca a seu favor quaisquer factos que demonstrem a aquisição originária do domínio e muito menos faz qualquer prova desse domínio através das testemunhas arroladas por si.
13 - Bem pelo contrário, o A/recorrido confessa no seu petitório que quem está a possuir o rústico e os anexos lá edificados é a R/recorrente, alegando que o faz de forma ilícita porque sem a precedência de qualquer título que justifique tal posse - vide arts. 9, 14, 18 e 19 da p.i..
14 - Como se comprova pela escritura pública de compra e venda e certidões matricial e descritiva juntas com a contestação/reconvenção sob docs. 2, 19 e 20, a recorrente é dona e legítima possuidora, com exclusão de outrem, de um prédio rústico, composto por cultura arvense e de sequeiro, com a área de 2625 m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do norte com Herança de EE, Sul, FF e GG, nascente, HH e poente, II, inscrito na matriz cadastral sob o art. ...34..., descrito na Conservatória do registo Predial ... sob o nº ...27.
15 - Esse prédio foi adquirido e veio à posse da Recorrente por compra à massa insolvente de AA e BB, por escritura pública outorgada em “Casa Pronta” da...
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