Acórdão nº 3979/17.08LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Abril de 2019
Magistrado Responsável | ARLINDO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 02 de Abril de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra “P (…), SA”, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “L (…), S.A.
, já ambas identificadas nos autos, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 125.187,10 €, acrescida de juros vencidos, no valor de 7.302,58 €, à taxa de 7%, ao ano, desde a data da interpelação, ocorrida em 06/12/2016, até à propositura da acção e dos vincendos, à taxa comercial em vigor, até efectiva e integral liquidação.
Alega, para tanto, que a ré lhe encomendou portas, aros e acessórios, para uma obra que tomou de empreitada, na Venezuela, cujo dono da obra era o Governo Bolivariano da Venezuela.
No seguimento do que, em seis fases, a ré encomendou à autora o fornecimento de várias portas, para a dita empreitada, nas quantidades e especificações melhor referenciadas na petição inicial, alegando ter executado e fornecido à ré, integralmente, as encomendas correspondentes às fases I, II, III, IV e VII.
Mais alega que adquiriu diversas matérias-primas e chapa necessária à execução e fornecimento das fases V e VI, tendo iniciado a produção das encomendas correspondentes a essas fases do contrato, designadamente, 5.000 portas, 5.000 aros e diversos componentes e acessórios, da fase V, tendo entregue 5.000 aros e 3.450 portas e respectivos componentes, ficando em linha de produção, relativamente à fase V, com chapa já cortada à medida e de acordo com a encomenda, 1.550 portas.
Quanto à fase VI, iniciou a produção de 5.000 portas, 5.000 aros e respectivos componentes e acessórios, tendo produzido e entregue os 5.000 aros e ficando em linha de produção com chapa já cortada à medida e de acordo com a encomenda, 5.000 portas e respectivos acessórios e componentes.
Relativamente às fases V e VI, a autora, ficou com um total de 6.550 portas e respectivos acessórios em linha de produção que, uma vez concluídas, teriam o valor global de 236.359,50 €.
Não as tendo concluído, porque a ré, verbalmente, em Agosto de 2015, pediu a suspensão da execução das mesmas, alegando como razão a interrupção da empreitada na Venezuela, em virtude da crise que assolou tal país.
Mais alega que a ré lhe ficou a dever a quantia de 76.166,28 €, de portas e acessórios fornecidos, materiais que, dadas as especificidades da empreitada a que respeitam, não têm utilização para qualquer outro cliente.
Relativamente às fases V e VI, a ré adiantou à autora a quantia de 82.506,32 €.
Quantifica as matérias-primas adquiridas para a produção da encomenda feita pela ré, que estão na sua posse, sem possibilidade de utilização ou retoma, no valor de 131.527,14 €.
Como os fornecimentos não foram retomados, a autora optou por rescindir o contrato celebrado com a ré, não obstante, a ré nada pagou, apesar de reconhecer a dívida.
Contestando, a ré, aceita a existência e contornos do alegado contrato com a autora, referindo que a suspensão da empreitada na Venezuela, ocorrida em Novembro de 2016, foi motivada pelas conhecidas convulsões sociais e políticas ali ocorridas, o que configura, no seu entender, uma impossibilidade objectiva de execução da referida empreitada, extintiva das relações obrigacionais assumidas para com a autora.
No entanto, impugna que a autora tenha iniciado a produção das portas para as fases V e VI, bem como os invocados prejuízos, por não ter chegado a adquirir a matéria-prima para estas fases.
De todo o modo, por força da cláusula 8.ª, n.º 2 e 4, a autora apenas teria direito a ser ressarcida do material já transformado, o que não chegou a acontecer, no que se refere às fases V e VI.
Reconvindo, pede a condenação da autora no pagamento da quantia de 8.236,23 € e respectivos juros de mora, contados desde 05/12/2016, com o fundamento em que adiantou à autora a cifra de 82.506,32 €, apenas lhe devendo a quantia de 74.270,09 €, verificando-se a existência de tal saldo a seu favor.
Respondendo, a autora, reiterou o alegado na p.i., designadamente que não peticiona qualquer indemnização pelo término do contrato, mas apenas o pagamento da quantia correspondente às encomendas já entregues e não pagas pela ré e das matérias-primas que tem em stock, pelas razões referidas na petição inicial.
Impugna a factualidade em que a ré assenta a reconvenção, referindo nada lhe dever, pelo que pugna pela improcedência de tal pedido.
Foi proferido despacho-saneador, com dispensa de realização de audiência prévia, onde se admitiu a reconvenção deduzida, se fixou o valor da causa e foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sobre que foi deduzida reclamação, em virtude do que se veio a realizar audiência prévia, deferindo-se a reclamação deduzida.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 102 a 111, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Nos termos e fundamentos expostos, 1. Julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência, 2. Condeno a Ré L (…), S.A., a pagar à Autora P (…), S.A., a quantia de €125.187,10 (cento e vinte e cinco mil, cento e oitenta e sete euros e dez cêntimos), acrescida de juros vencidos no valor de €7.302,58 (sete mil, trezentos e dois euros e cinquenta e oito cêntimos), à taxa comercial de 7 % ao ano, contados desde a data de interpelação - 06/12/2016 - até à data da entrada em juízo da presente ação e dos juros vincendos, à taxa comercial em vigor, contados desde esta última data até efetiva e integral liquidação.
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Julgo a presente reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, 4. Absolvo a Autora do pedido deduzido pela Ré.
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As custas da acção e da reconvenção são a cargo da Ré.”.
Inconformada com a mesma, interpôs recurso, a ré, L (…) SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (dada a prestação de caução, cf. despachos de fl.s 138/9 e 174), apresentando as seguintes conclusões: (…) Contra-alegando, a autora, pugna pela manutenção da decisão recorrida, valendo-se dos argumentos nesta expendidos, designadamente, que a prova foi bem apreciada, devendo permanecer inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância e o enquadramento jurídico traduz a correcta aplicação das normas aplicáveis, designadamente, que a ré, sem razão objectiva, incumpriu o contratado.
Colhidos os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir: A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos itens 20, 21, 22, 25, 26, 28, 30, 31, 1.ª parte e 36, dos factos dados como provados na decisão recorrida, os quais deverão passar a ser considerados como não provados e; devendo, ainda, dar-se como provada, nos termos descritos na conclusão 36.ª, a factualidade vertida no item 33 dos factos provados e; considerar-se como provada a matéria que consta da alínea c), dos factos considerados como não provados; B. Se estamos perante um caso de impossibilidade objectiva de não cumprimento do contrato de empreitada celebrado entre a ora ré e o Estado Venezuelano, sem culpa sua ou facto ilícito que lhe seja imputável, o que afasta a sua obrigação de indemnizar a autora, nos moldes por esta pretendidos e; C. Se a existir tal obrigação de indemnização, deve a autora entregar à ré a matéria-prima que detém em sua posse, em que funda tal direito, sob pena de enriquecimento sem causa.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida: 1.
A Primeira Outorgante dedica-se à atividade de fabrico, comércio, importação e exportação de portas, automatismos e de outros componentes para a construção civil e construção de edifícios, conforme certidão comercial permanente com o código de acesso (…).
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Por sua vez a Ré dedica-se à construção de empreitadas de obras públicas, comércio e indústria de construções, aluguer de máquinas e equipamentos, compra e venda de propriedades, loteamentos e urbanizações, administração e arrendamento de propriedades, conceção e desenvolvimentos de estudos de obras de construção civil, bem como de projectos de engenharia, gestão e exploração das infraestruturas ao nível do ambiente e saneamento básico, designadamente redes de abastecimento de água, drenagem e tratamento de águas residuais, recolha, transporte e tratamento de resíduos sólidos e instalação, exploração, recuperação, valorização, eliminação e gestão de resíduos perigosos, conforme certidão comercial permanente com o código (…) 3.
A Ré como adjudicatária do contrato para a “Transferencia Tecnológica Para La Instalación, Fabricación Y Puesta En Marcha De Sistemas Pre-Fabricados, Para La Construcción E Industrialización De Doce Mil Quinientas Doce (12.512) Viviendas Y La Instalación, Construcción Y Puesta En Marcha De Plantas De Prefabricados”, outorgado com o Ministerio Del Poder Popular Para La Vivienda Y Hábitat do Governo Bolivariano da Venezuela.
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Empreitada a realizar na República Bolivariana da Venezuela, nas cidades de Cua, Ocumare e Charalhave.
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Contactou a Autora para fabricar e fornecer as portas, aros e acessórios à referida empreitada.
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No dia 30 de março de 2012 Autora e Ré celebraram um contrato de fornecimento de portas, aros e acessórios, para 60 edifícios da identificada empreitada, nos termos e condições constantes do mesmo, entre as quais consta da cláusula oitava, n.º 4, que «As situações previstas no número dois [a suspensão dos fornecimentos contratados, entre outros casos] conferirão à SEGUNDA CONTRATANTE o direito a ser ressarcida do valor do Material já transformado».
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O contrato de fornecimento celebrado entre Autora e Ré regulou o...
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