Acórdão nº 108/17.3T8LRA-N.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2019
Data | 13 Novembro 2019 |
Órgão | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra C (…) credora da insolvente P (…), Lda, requereu se declarasse nula e sem efeito a venda dos seguintes imóveis, efectuada pelo administrador da insolvência: 1. Do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de x (...) , concelho de y (...) , sob o artigo U-2734 e R-6618, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 5558; 2. Do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de x (...) , concelho de y (...) , sob o artigo R-5239 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2872; 3. Do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de x (...) , concelho de y (...) sob o artigo R-5582, descrito na Conservatória do Registo Predial de y (...) sob o n.º 2873; 4. Do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de x (...) , concelho de y (...) , sob o artigo R-6617, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5557.
Para o efeito alegou: 1. Que a sentença de verificação e graduação de créditos reconheceu que crédito da requerente sobre a insolvente beneficiava de hipoteca sobre os referidos imóveis; 2. Que o administrador da insolvência não notificou a requerente, antes da venda, sobre a modalidade da alienação e sobre o preço da venda, nem a informou do valor base dos bens em venda, da data para apresentação das propostas ou de quaisquer outras diligências de venda, nem notificou a requerente da venda efectuada, como determina o n.º 2 do artigo 164.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [doravante CIRE]; 3. Que a consequência de tais irregularidades era a nulidade da venda, de harmonia com o disposto no artigo 195.º do CPC, aplicável por força do artigo 17.º do CIRE, sendo certo que a nulidade cometida influiu na decisão da causa, porquanto da mesma resultou coarctado o exercício das faculdades conferidas pelo n.º 3 do artigo 164.º do CIRE, com prejuízo para o produto da venda.
R (…), credor da insolvente, respondeu, alegando em síntese: 1. Que mesmo que tivesse ocorrido a irregularidade denunciada, a CGD já não estava em tempo para a arguir, pois tinha conhecimento da venda pelo menos desde 28 de Maio de 2018; 2. Que o eventual incumprimento das formalidades previstas no n.º 2 do artigo 164.º não configurava a prática de uma nulidade, nem determinava a nulidade da venda, mas importava apenas a responsabilidade pessoal do administrador da insolvência e a justa causa de destituição do mesmo das respectivas funções.
O administrador da insolvência respondeu alegando, em síntese, que todos os credores souberam da apreensão dos bens e da sua liquidação e nem a C (…) nem qualquer outro credor manifestou interesse em propor modalidades de alienação ou valor base.
De seguida, a Meritíssima juíza do tribunal a quo proferiu decisão a indeferir a arguição de nulidade das vendas.
A C (…) não se conformou com o despacho e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão que julgou improcedente a nulidade das vendas.
Os fundamentos do recurso consistiram em resumo na seguinte alegação: 1. Que nos termos do n.º 2 do artigo 164 do CIRE, o credor com garantia real sobre o bem a alienar é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada; 2. Que o administrador da insolvência tem a obrigação de informar o credor garantido sobre o preço da venda projectada de forma a proteger o respectivo crédito garantido já que, nos termos do n.º 3 do artigo 164 do CIRE, o credor garantido pode propor a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado (sendo que, se o administrador de insolvência não aceitar a proposta, fica obrigado a colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso ela venha a ocorrer por preço inferior).
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Que a obrigação de informação do credor hipotecário do preço de venda projectada destina-se a permitir que o mesmo possa propor a aquisição do bem por um preço superior ao projectado de forma a assegurar o crédito garantido; 4. Que caso seja apresentada uma proposta de aquisição pelo credor garantido, o administrador de insolvência pode vender o bem ao credor garantido ou ao terceiro proponente, mas, neste último, caso fica responsável perante o credor garantido pela diferença entre o preço da venda e o preço oferecido; 5. Que após ser informado do preço da venda projectado, o credor garantido tem de tomar uma posição em tempo útil para propor ou não a aquisição do bem por um preço superior, sob pena do bem ser vendido e não ver responsabilizado o administrador de insolvência pela concretização da venda; 6. Que, nos termos do nº 1 do artigo 161 do CIRE, a prática de actos jurídicos que assumam especial relevo para o processo de insolvência depende do consentimento da comissão de credores, relevando os riscos envolvidos e as suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, as perspectivas de satisfação dos credores da insolvência e a susceptibilidade de recuperação da empresa; 7. Que o n.º 3 do artigo 161 do CIRE discrimina exemplificativamente os actos jurídicos que se consideram de especial relevo para efeitos do prévio consentimento da comissão de credores, onde se inclui a venda da empresa, de estabelecimento ou da totalidade das existências ou ainda a alienação de qualquer bem da empresa por preço igual ou superior a € 10.000,00 e que represente, pelo menos, 10% do valor da massa insolvente, tal como existente à data da declaração de insolvência; 8. Que a decisão recorrida foi proferida ao arrepio das disposições legais acima referidas, porquanto não relevou factualidade que considerou provada, designadamente, que a CGD – credora detentora de hipoteca constituída sobre os imóveis em venda (parte) – não foi notificada para se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor mínimo de venda, como à recorrente não foi comunicada a venda projectada pelo administrador da insolvência, como não relevou a circunstância de a venda se ter operado sem o prévio consentimento da comissão de credores, apesar de considerar tratar-se, in casu, acto de especial relevo; 9. Que o credor hipotecário pode invocar a nulidade do acto praticado pelo administrador de insolvência perante a falta de cumprimento do disposto nos artigos 161 e 164 do CIRE; 10. Que o artigo 195 do CPC dispõe que a prática de um ato que a lei não admita, bem assim como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, somente produzem a nulidade quando a lei o declare ou quando possa influir no exame ou na decisão da causa; 11. Que o administrador de insolvência não obteve o prévio consentimento da comissão de credores para promover a venda dos bens imóveis apreendidos, conforme prescreve o artigo 161 do CIRE, e, por outro lado, actuou, no que à CGD respeita, sem observância do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 164 do CIRE; 12. Que estamos perante a omissão de duas formalidades legais que necessariamente influem na decisão da causa com base na rentabilidade da venda, uma vez que, por um lado, ao não informar o credor hipotecário do preço da venda projectada, o administrador da insolvência impediu que o mesmo pudesse propor a aquisição do bem garantido por um preço superior e, por outro, a falta do prévio consentimento da comissão de credores permitiu que o administrador de insolvência pudesse proceder à venda do activo por um valor inferior ao valor real do bem em venda.
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Que as irregularidades cometidas nos presentes autos, por influírem na decisão da causa, determinam necessariamente a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados pelo administrador da insolvência.
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Que decidindo como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 161.º e...
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