Acórdão nº 326/17.4T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Novembro de 2019
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 05 de Novembro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 09.3.2017, A (…) e mulher N (…) intentaram a presente acção declarativa comum contra Z (…), pedindo que seja condenada a pagar-lhes, ao demandante, a quantia de € 490 336,33 e, à demandante, a quantia de € 75 000, e respectivos juros de mora a contar da citação.
Alegaram, em síntese: nas circunstâncias melhor descritas na petição inicial (p. i.) ocorreu um embate entre o ciclomotor de matrícula EQ (...) , conduzido pelo A. e o veículo ligeiro de passageiros matrícula LQ (...) , tripulado por N (…)propriedade de A (…), S. A., evento que se deu por culpa exclusiva do condutor do LQ, tendo a sua proprietária transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo para a seguradora Ré; em virtude do acidente sofreram os danos que alegam e cujo ressarcimento pretendem obter da Ré.
A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelos AA., sustentando, nomeadamente, que a culpa na produção do embate foi exclusivamente do A.; referiu, depois, que atendendo ao tipo de lesões, sempre poderiam ser evitadas, caso ele levasse capacete, o que não acontecia e que parte das lesões sofridas advinham de anterior acidente sofrido pelo A (…), além de que sendo o acidente em causa simultaneamente acidente de trabalho e de viação, este não pode cumular as duas indemnizações. Concluiu pela improcedência da acção.
Nos autos que constituem o apenso A[1], F (…), S. A., intentou acção declarativa de condenação comum contra Z (…) - Sucursal em Portugal, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 54 994,77, com juros desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em resumo: em virtude do contrato de seguro de acidente de trabalho celebrado com o Município (…), entidade empregadora de A (…) efectuou os pagamentos que concretiza, em virtude do acidente em causa, simultaneamente de viação e de trabalho; dadas as circunstâncias em que ocorreu o acidente, sendo responsável, na produção do mesmo, o condutor do veículo segurado na Ré, esta deverá reembolsá-la dos montantes pagos.
A Ré contestou, suscitando a excepção da prescrição parcial do direito que a A. F (…) pretende exercer e reafirmando a perspectiva levada à contestação da acção principal, concluindo pela improcedência da acção.
No despacho saneador foi julgada improcedente a aludida matéria de excepção. Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.
A A. F (…)ampliou o pedido no montante de € 2 526,56 e respectivos juros moratórios, à taxa legal, desde a data do pagamento de cada um dos montantes (discriminados no requerimento de 21.10.2018) - ou, quando assim se não entenda, desde a notificação da ampliação - até integral pagamento.
Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 01.3.2019, julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência:
-
Condenou a Ré Z (…) a pagar à A. N (…) a quantia de € 24 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; b) Condenou a Ré Z (…) a pagar ao A. A (…) a quantia de € 42 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; c) Condenou a Ré Z (…)a pagar ao A. A (…) a quantia de € 90 000 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico, actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; d) Condenou a Ré Z (…)a pagar ao A. A (…) a quantia de € 1 916,38 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento; e) Condenou a Ré Z(…) a pagar à A. F (…) a quantia de € 32 996,87, a título de reembolso (pelos montantes por si pagos no âmbito do acidente de trabalho), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento; f) Absolveu a Ré Z (…)do demais peticionado pelos AA..
Inconformados, os AA. A (…) e N (…), a Ré Z (…) e a A. F (…) apelaram formulando as seguintes conclusões: (…) * I. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.
Cerca das 17.03 horas do dia 18.3.2014 ocorreu um embate na avenida 25 de Abril, em x (...) , em que intervieram os veículos EQ (...) , ciclomotor, conduzido pelo A. A (…), seu proprietário e o veículo LQ (...) , ligeiro de passageiros, propriedade de A(…), S. A., e conduzido por N (…) 2.
O ciclomotor conduzido pelo A. circulava na rua que liga x (...) - Zona Industrial de x (...) e nesse sentido, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido de marcha.
-
O ciclomotor aproximou-se da rotunda do cemitério ali existente, que pretendia contornar para seguir em direcção à zona Industrial de x (...) e à freguesia de Juncais, onde residia, pelo que iria deixar a rotunda na segunda saída, atenta a via de onde provinha.
-
O veículo LQ (...) circulava, antes do embate, pela avenida 25 de Abril, no sentido Caminho da Carreira Velha - Rotunda do Cemitério.
-
O veículo LQ pretendia aceder à rotunda do Cemitério proveniente da avenida de 25 de Abril.
-
No sentido do LQ encontrava-se visível, um sinal vertical de cedência de passagem (sinal B1) e um sinal vertical de rotunda (sinal D4) e uma marca transversal com linha de cedência de passagem com símbolo triangular (marca M9a).
-
Em circunstâncias e concreto local que não foi possível apurar, ocorreu um embate entre a parte lateral direita do ciclomotor EQ e a parte da frente do lado esquerdo do veículo LQ.
-
Em face desse embate, o ciclomotor ficou descontrolado, seguindo em direcção à zona Industrial de x (...) .
-
Era de dia e fazia bom tempo, o piso da via, em alcatrão betuminoso, encontrava-se seco, e em bom estado de conservação, 10.
No local, a Av. 25 de Abril descreve uma recta plana, com duas filas de trânsito atento o mesmo sentido de marcha, as quais vão desembocar a uma rotunda, a dita rotunda do cemitério, pois este fica defronte da mesma, 11.
Quando o LQ se aproximou da rotunda, seguindo pela via da direita, o seu condutor abrandou a marcha do veículo.
-
A rotunda comporta duas filas de trânsito no mesmo sentido, e a faixa de rodagem tem uma largura total de cerca de sete metros.
-
Do lado esquerdo, atento o sentido da Av. 25 de Abril em direcção à rotunda, encontra-se implantada outra via de acesso à rotunda, para quem vem de x (...) .
-
O condutor do veículo LQ prestou à GNR as declarações que se encontram vertidas no documento n.º 1 junto com a petição inicial, designadamente que: “Circulava na Av. 25 de Abril, ao chegar a uma rotunda, parei para ceder passagem a um veículo que se encontrava a circular na rotunda. Quando de seguida vem um motociclo que embate na minha viatura, do lado esquerdo/frente”.
-
O veículo LQ era propriedade da sociedade A (…) S. A., que se dedica ao aluguer de automóveis e era conduzido, no âmbito de um contrato de aluguer celebrado com tal sociedade pela sua entidade patronal, por N (…).
-
O acidente ocorreu cerca de 3 minutos após às 17.00 horas, hora de saída do condutor do EQ do respectivo local de trabalho - sito a aproximadamente 700 metros do local do acidente - e quando este se dirigia dali para a sua residência, na (…), concelho de x (...) .
-
O horário de trabalho do sinistrado A (…)era das 9.00 horas às 17.00 horas, de segunda a sexta-feira.
-
Por ter ocorrido quando o referido sinistrado regressava a casa, após sair do seu local de trabalho, onde desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Encarregado Operacional/Cantoneiro de Limpeza, por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização do Município (…), o acidente de viação em discussão nos autos foi, simultaneamente, acidente de trabalho (acidente in itinere).
-
O que motivou a correspondente participação de sinistro (acidente de trabalho), efectuada pela referida entidade patronal, ao abrigo da Apólice (…) 20. Em consequência da colisão, o referido condutor (A (…)) sofreu traumatismo crânio-encefálico, com perda de conhecimento e contusão temporal bilateral; traumatismo facial com traço de fractura não recente no arco zigomático direito; escoriações na face e membro inferior direito e dor torácica.
-
Do local do acidente foi transportado para o Serviço de Urgências do Hospital (...) , onde foi submetido a exames imagiológicos (“Gasimetria”, “Metahemoblobina, Doseamento Por Co-oximetria”, “TC do Crânio”) que revelaram hemorragia intracraniana.
-
Depois de estabilizado, foi transferido, de helicóptero, para o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, EPE, onde foi submetido pela especialidade de neurocirurgia a craniotomia descompressiva, tendo ali permanecido internado até ao dia 24.3.2014, data em que foi transferido, de novo, para o Hospital (...) - (...) por ser o da sua área de residência, tendo sido sugerido: período de convalescença curto com início de programa de reabilitação; remoção do material de sutura a 02.4.2014 e consulta de Neurocirurgia no dia 02.4.2014.
-
Em Abril de 2014, foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia da (...) , onde permaneceu até 19.5.2014, dia em que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, embora evidenciando desequilíbrio e períodos de desorientação.
-
Porque se mostrava muito agressivo, violento e desorientado, e tendo o acidente dos autos sido simultaneamente de viação e de trabalho, o sinistrado acabou por, a partir do dia 20.5.2014, começar a ser seguido, a expensas da Seguradora F (…), na Clínica S (…).
-
Aí e por causa das lesões decorrentes do acidente dos autos, realizou, pelo menos, vinte e três consultas, das especialidades de Neurocirurgia, Ortopedia, Oftalmologia, Cardiologia, Medicina Dentária e Psiquiatria.
-
Em 14.7.2014, estava mais disártrico e mais lentificado e apresentava movimento de tremor da mandíbula, visão turva e discreta...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO