Acórdão nº 4648/17.6T8LRA-C.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório “D (…), Lda.”, com os sinais dos autos, intentou (por apenso ao processo de insolvência de “S (…) Lda.”) a presente acção declarativa com processo sumário contra a Massa Insolvente da “S (…)Lda.”, impugnando a declarada (pelo A. I.) resolução em benefício da massa do acto, designado como de “compra e venda”, celebrada no dia 04/03/2016 (entre a insolvente, como vendedora, e a impugnante, como compradora) e referente aos seguintes bens: 1 computador Asus X555LD; 1 computador Pentium I3 4000; 1 câmara de vídeo RID47163; 1 localizador/esgoto RID 19243; 1 veículo marca Citroën, modelo Berlingo, 1,6 HDI, matrícula (...) ; 1 máquina de desentupir de alta pressão ROM Economic 200/72; 1 veículo da marca Ford, modelo Transit, matrícula (...) .

Alegou que, tendo decorrido mais de 1 ano entre a data do acto e o início do processo de insolvência, “deve ser declarado caducado o direito de resolução incondicional do negócio em apreço e ineficaz a resolução declarada pelo Sr. AI[1]”; e que não estando preenchidos “os pressupostos previstos para a resolução da compra e venda de bens móveis realizada em 04/03/2016, (…) padece a declaração de resolução de nulidade”[2], acrescentando que, “ainda que assim se não entenda, sempre a declaração de resolução deve ser revogada, por ausência da verificação dos respectivos pressupostos, devendo manter-se válida e eficaz a venda de 04/03/2016”[3].

Mais alegou/explicou que o gerente da insolvente decidiu, em 04/03/2016, vender à impugnante, pelo preço global de € 32.150,00, os móveis em questão para liquidar parte do empréstimo, de € 60.000,00, que a impugnante lhe (à insolvente) havia feito (em 17/04/2014 e em 10/07/2014); dinheiro de tal empréstimo com que a insolvente havia comprado os móveis (máquinas e ferramentas), agora (em 04/03/2016) vendidos à impugnante, sendo que os mesmos foram vendidos pelo seu valor real de mercado, o que, tudo junto, demonstra que a compra e venda em causa “em nada prejudica ou impede a satisfação dos direitos dos credores da insolvente”[4] e que “não houve má-fé da parte da impugnante”[5].

A Massa Insolvente contestou Alegou, em síntese e de mais relevante, que o negócio efectuado entre a insolvente e a aqui A. teve natureza gratuita, tendo sido a forma encontrada (por ambas, insolvente e aqui A.) de dissipar os bens da insolvente, colocando-os no património duma sociedade com esta especialmente relacionada, de forma a prejudicar a garantia dos seus credores; razão porque foi prejudicial para a massa insolvente, que ficou privada de bens móveis de valor materialmente relevante.

Mais alegou que era do conhecimento directo da A. a situação de insolvência em que se encontrava a sociedade agora insolvente, uma vez que os sócios e gerente de ambas as sociedades são os mesmos; que o valor de mercado dos bens em causa é manifestamente superior ao valor constante da factura da alegada compra e venda; e que a A. é pessoa especialmente relacionada com a insolvente, nos termos do disposto no artigo 49.º do CIRE.

Concluiu pois “que se verificam não só todo os requisitos da resolução condicional do artigo 120.º do CIRE, como também o requisito da resolução incondicional de tal negócio por se tratar de um acto celebrado pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”[6].

Termina pedindo a improcedência da acção.

Foi realizada audiência prévia, elaborado o despacho saneador – em que se julgou improcedente a invocada caducidade da resolução e em que se declarou a instância regular, estado em que se mantém – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova Designada e realizada a audiência de discussão e julgamento, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou “a presente acção improcedente, mantendo válida a resolução efectuada pelo Sr. Administrador da Insolvência”.

Inconformada, interpõe a A. o presente recurso de apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que revogue o decidido e que julgue a acção totalmente procedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: “(…) (…) A R. respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

* II – “Reapreciação” da decisão de facto Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso da A./apelante – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

Pretende a A/apelante: Que a alínea e) dos factos não provados – em que se deu como não provado que "os automóveis, máquinas e ferramentas vendidos pela Insolvente à " D (...) , Lda." foram-no por valor real de mercado" – passe a integrar os factos provados; e Que se dê como provado que, "à data da venda referida no ponto 19 dos factos provados (04/03/2016), a insolvente ainda não tinha pago à autora a quantia de € 60.000, que esta lhe tinha emprestado através dos depósitos mencionados no ponto 17 dos factos provados".

Não tem razão em tais pretensões.

Quanto a este último facto, quer por o mesmo já decorrer dos factos provados (como resulta do ponto 19 dos factos provados, em que se diz que os bens foram entregues “por conta do montante de € 60.000,00”), quer por o “não pagamento” não ser um facto que seja necessário dar como provado, uma vez que é o pagamento (facto extintivo que é do ónus da prova de quem o invoca) que interessa, sucedendo que este não foi sequer invocado (ou seja, em termos jurídico-processuais, provado o facto constitutivo duma obrigação, o pagamento tem-se como não verificado se este não estiver alegado/provado).

Quanto à alínea e) dos factos não provados – cuja prova, como se verá na fundamentação jurídico substantiva, não é juridicamente relevante – por não se haver feito prova bastante dos bens haverem sido transmitidos pelo valor real de mercado; assim como não se fez prova bastante do contrário (daí que se também haja dado como não provado o facto constante da alínea f)). Ou seja, a propósito do valor real de mercado dos bens, a prova produzida coloca-nos perante uma situação de “non liquet”.

O contabilista – (…) – “abonou” o valor contabilístico dos bens, não se referindo verdadeiramente a valores reais de mercado; o confronto entre os valores de aquisição e os declarados como de transmissão também não permitem qualquer conclusão (daí, repete-se, ter-se dado como não provado quer o que consta da alínea e) quer o que consta da alínea f)), uma vez que, aludindo às 3 verbas mais importantes, temos que, no espaço de 16 meses, o que foi comprado por € 9.586,01 foi transmitido por € 5.500,00, o que foi comprado por € 30.750,00 foi transmitido por € 19.000,00 e o que foi comprado por € 9.500,00 foi transmitido por € 5.000,00; e o depoimento do Nuno Carreira (canalizador de profissão) também foi um pouco vago, limitando-se a aludir ao uso que os bens transmitidos já tinham.

Portanto, em face de tal prova, bem andou a decisão recorrida ao dar como não provado o facto constante da alínea e) dos factos não provados.

Julga-se pois totalmente improcedente o “recurso de facto”.

* III – Fundamentação de Facto III – A – Factos provados 1.

Por acção entrada em juízo a 23 de Novembro de 2017, A (…)requereu a insolvência de “S (…), Lda.”.

  1. A sociedade “S (…), Lda.” tinha como objecto social a actividade da colocação e reparação de canalizações e a compra e venda dos respectivos materiais.

  2. Por sentença proferida a 31.01.2018, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “S (…), Lda.” e nomeado Administrador da Insolvência o Sr. (…)com domicílio profissional (…) 4.

    Apresentada a lista definitiva de credores, nos termos do disposto no artigo 129.º, do CIRE, pelo Sr. Administrador da Insolvência foram reconhecidos créditos a 20 credores, ascendendo os respectivos créditos ao valor global de € 150.876,95.

  3. O relatório elaborado pelo Sr. Administrador da Insolvência nos termos do disposto no artigo 155.º, do CIRE, foi apresentado nos autos a 19.03.2018.

  4. A assembleia de credores para apreciação do relatório teve lugar no dia 26.03.2018, na qual foi deliberado o prosseguimento dos autos para liquidação e o encerramento da actividade do estabelecimento da insolvente.

  5. O Administrador da Insolvência enviou à Autora, por via postal registada com aviso de recepção, que a Autora recebeu, a carta datada de 12.07.2018, de cujo teor consta, nomeadamente, o seguinte: “ Venho, na qualidade de representante da Massa Insolvente “S (…), Lda.” e ao abrigo do disposto nos artigos 120.º a 127.º, do CIRE, notificar V/Exa. do seguinte: 1. Tive conhecimento, que no passado, dia 4 de Março de 2016, foi celebrado um contrato de compra e venda, na qual a sociedade “S (…)Lda.” vendeu a Vª. Ex.ª vários bens móveis, nomeadamente, 2 computadores, 1 câmara de vídeo, 1 localizador de esgoto, 1 máquina de desentupir alta pressão, e 2 veículos...

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