Acórdão nº 3007/16.2T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – P..., Lda, em 4/10/2016 interpôs ação declarativa comum contra H..., S.L. com sede em ..., Espanha, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 200.760,00€, acrescida dos juros vencidos sobre esta quantia, às respetivas taxas legais, desde 29/06/2009 até à presente data, no montante de 111.442,98€, e dos vincendos contados desde essa data à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, ter fornecido à R., a pedido da mesma, os bens e equipamentos constantes da fatura nº .../2009, bens e equipamentos esses que foram entregues a pedido da mesma em Azambuja, nas instalações da P..., S.A.

Para pagamento da referida fatura – com data de emissão e vencimento em 29/6/2009 - a R. entregou à A. a quantia de 150.000,00€, ficando em dívida relativamente ao remanescente, €200.760,00.

A R. contestou e deduziu reconvenção em 4/01/2017.

Em sede de contestação, defendeu-se por exceção, alegando que a A. nunca entregou atempadamente todas as peças do equipamento que havia sido encomendado, e que o equipamento fornecido apresentava defeitos, sem que a A. tivesse procedido às reparações necessárias e solicitadas. Mais alega que sendo ela a proprietária da linha de produção, foi a P..., SA – sociedade do mesmo grupo empresarial – que testou e pôs em funcionamento a referida linha, pelo que parte das reclamações e comunicações remetidas à A., apesar de serem do conhecimento e concordância dela, R., foram enviadas e dirigidas pela e à P..., e da mesma forma, parte do prejuízos que a R. sofreu em resultado da conduta da A., foram numa primeira fase suportados pela P..., a qual posteriormente imputou tais custos à R., na medida em que era ela a dona da referida linha de produção. Entende que nenhum montante é por ela devido à A. – nem a título de preço, nem a título de juros – sendo que relativamente a estes, parte dos mesmos estão prescritos, nos termos da al d) do art 310º CC.

Em sede de reconvenção, alega que a conduta da A. ao não reparar, definitivamente, os elementos com defeito que compõem a linha de produção, impedindo a total e perfeita utilização da mesma por parte dela, lhe causou graves e avultados prejuízos, que elenca e quantifica. Conclui, pedindo que seja a A. condenada a pagar-lhe a quantia de €620.611,33, a título de indemnização pelos danos que lhe causou decorrentes dos defeitos existentes no equipamento vendido, acrescida de juros de mora desde a data do trânsito em julgado da decisão até efetivo e integral pagamento.

A A. replicou, arguindo a caducidade do direito invocado pela R., pois que a denúncia não foi por esta efectuada, mas antes pela P...; e ainda que se venham a considerar as denúncias efetuadas pela P... como preenchendo os pressupostos de denúncia previstos no artigo 916º do CC, sempre o direito que se arroga a Reconvinte se encontra extinto por efeito do decurso da caducidade. Sem conceder, mais invoca que mesmo que a pretensão da Reconvinte não tivesse caducado, não se poderia ter como extinto o direito da A. a receber o pagamento dos bens que forneceu, sob pena de abuso de direito. Sustenta ainda a irrelevância de que os eventuais prejuízos alegados tenham sido suportados pela P... e imputados pela mesma à R., uma vez que ela., A., é completamente alheia a tal relação. Igualmente sustenta que não ocorreu a prescrição integral dos juros, mantendo-se em dívida os juros vencidos há menos de cinco anos. Quanto ao pedido reconvencional indemnizatório, para além da referida caducidade, sustenta ainda a ilegitimidade substantiva da Reconvinte para peticionar tal qual o fez nos autos, por não ser a mesma credora das perdas e danos que invoca na sua reconvenção. E impugna os alegados prejuízos sofridos pela R..

A R. apresentou resposta à réplica, onde, para além do mais, e em síntese, deduziu resposta às exceções invocadas pela A. em resposta ao pedido reconvencional, sustentando o abuso de direito desta ao invocar a caducidade das denúncias e do direito de indemnização e a ineficácia das denúncias.

Deduziu ainda a A. articulado, onde, para além do mais, sustentou a inadmissibilidade da resposta à réplica por parte da R., por a mesmo configurar, em parte, alteração da causa de pedir do pedido reconvencional, mais pedindo a condenação da R. em multa e em indemnização por litigar de má-fé.

Veio a R., ao abrigo do princípio do contraditório, responder à alegação sobre a alteração da causa de pedir e sobre a materia da litigância de má fé, entendendo que nem uma nem outra se verificam. Foi proferido despacho saneador com dispensa da audiência prévia.

Nele foi entendido ser de admitir o articulado de resposta pela R. às exceções invocadas pela A., «uma vez que no mesmo a R. pronuncia-se sobre exceções deduzidas pela A. relativamente às quais o tribunal sempre lhe daria oportunidade para se pronunciar (nomeadamente em audiência prévia)», referindo ainda: «Todavia, a R. aproveita esse articulado para extravasar a estrita resposta às exceções (de caducidade, de ilegitimidade substantiva e de abuso de direito) invocadas pela A., alegando novos factos que não alegara na contestação e que alteram até a causa de pedir – é o que se verifica, por exemplo, nos arts 17º a 49º (factos atinentes à compra e venda de coisa genérica) e 88º a 107º (factos respeitantes ao mandato com representação e à gestão de negócios) do articulado em apreciação». Mais referindo: «A alteração da causa de pedir não é admissível, porque não aceite pela A. e por não resultar de confissão feita por esta última e aceite pela R. (cfr arts 264º e 265º /1 NCPC. Portanto, apenas na medida em que consubstancia resposta a exceções deduzidas pela A., admito o articulado apresentado».

Foi ainda fixado o valor da causa, admitida a reconvenção, apreciada a regularidade dos pressupostos da instância, relegado o conhecimento das exceções peremptórias para a sentença, tendo sido fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se a audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de 200.760,00€ (duzentos mil setecentos e sessenta euros); julgou parcialmente procedente a exceção de prescrição de juros, e consequentemente, declarou prescritos os juros comerciais de mora vencidos, sobre aquela quantia, entre 29/06/2009 e 17/10/2011, e declarou devidos pela R. à A. os juros comerciais de mora vencidos e vincendos sobre a quantia referida - 200.760,00€ - desde essa data de 17/10/2011, até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal, condenando a R. no seu pagamento à A.; julgou a reconvenção deduzida pela R/Reconvinte totalmente improcedente, absolvendo a A./Reconvinda da totalidade do pedido reconvencional formulado; julgou improcedente o pedido de condenação da R., como litigante de má-fé, absolvendo-a do pedido de condenação em multa e em indemnização respetivos; e condenou a A. e a R.em custas, fixando-se a sua responsabilidade na proporção do decaimento dos respetivos pedidos (cfr. art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

II – Do assim decidido, apelou a R., que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo: ...

A A. ofereceu contra alegações, sem conclusões, pugnando pela manutenção do decidido no plano factual e jurídico. II – A - O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos (faz-se também aqui alusão, em sucessivas notas, aos factos que vieram a ser aditados à materia de facto provada, na sequência da procedência da impugnação da matéria de facto, de modo a poder ter-se uma visão mais integrada da totalidade da factualidade provada): ...

[1] II – B - O tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos: ...

IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a sentença recorrida, resultam para apreciação as seguintes questões: Na matéria de facto: -se a sentença é nula nos termos do art 615º/1, al b), porque o tribunal não se pronunciou, nem positiva nem negativamente, a respeito da matéria de facto constante dos arts 12º e 13º da contestação; - se a impugnação da decisão da matéria de facto operada pela R. se deverá ter como procedente, de tal modo que se julgue como provada, sendo correspondentemente aditada à matéria de facto provada a constante desses arts 12º e 13º da contestação, bem como o reconhecimento dos defeitos pela A., e que todos os custos elencados nos pontos 29 a 32 da matéria de facto provada foram suportados pela R., e, ainda, se deverá ser julgada provada a matéria de facto tida como não provada nas als c), i), k), o), p), r) e s) a z).

Na matéria de direito: - se a obrigação adveniente da compra e venda em causa nos autos é uma obrigação genérica; - se à compra e venda que tenha por objecto obrigação genérica se não aplica o regime do art 913º e ss CC; - se, caso assim não se entenda, se deve concluir dos factos provado que a R. cumpriu os prazos de denúncia a que se reporta o nº 2 do art 916º CC, não havendo a considerar o do art 917º CC, porque a apelante não pediu a anulação do contrato e, em todo o caso, a obrigação de preço não se mostra totalmente cumprida; - ainda que assim não se entenda, se se deve concluir dos factos provados que a A. sempre reconheceu os defeitos das coisas componentes da linha de montagem, motivo por que sempre se deveria entender impedida a caducidade do direito da R.; - se a R. tem legitimidade para reclamar a indemnização. Pretende a R. apelante que a sentença é nula nos termos da al b) do nº 1 do art 615º CPC, porque não se tendo pronunciado a respeito da matéria de facto alegada nos arts 12º e 13º da contestação, não teria especificado fundamentos de facto que justificam a decisão.

Na verdade, a nulidade em referência na norma invocada nada tem a ver com a situação a que a apelante se reporta.

Doutrina e jurisprudência são unânimes no sentido de que a sentença só é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto (e de direito) que justificam a decisão, quando, de todo, faltem tais fundamentos, não na sua...

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