Acórdão nº 33/17.8T8MGL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – M... e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de V... instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A... e mulher C..., pedindo: a) que se declare que os autores são proprietários, com exclusão de outrém, do prédio urbano sito em ..., composto de r/chão e 1.º andar com a superfície coberta de 28,54m2, inscrito na matriz predial sob o artigo ... da União das Freguesias de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... o n.º ...; b) se declare que do prédio urbano referido em a) faz parte integrante o logradouro correspondente ao túnel identificado nos artigos 21.º, 22.º, 28.º e 31.º da petição inicial, comum ao prédio dos autores e dos réus até ao local em que se situa a porta que dá acesso ao r/chão do prédio dos réus e exclusivo do prédio dos autores a partir desta até à porta que dá acesso ao interior do seu r/chão; c) sejam os réus condenados a reconhecerem o mencionado em a) e b); Subsidiariamente, peticionam: - que seja declarado que a favor do prédio urbano referido em a) e onerando o prédio urbano sito em ..., composto por r/chão e 1.º andar, inscrito na matriz sob o artigo ... da União das Freguesias de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., propriedade dos réus, se encontra constituído por usucapião um direito de servidão de passagem com a largura e comprimento do “túnel” que dá acesso ao mesmo, condenando-se os réus a reconhecerem tal facto.

Em qualquer caso, solicitam a condenação dos RR. a: - restituírem aos AA. a parcela de terreno referida em b), livre de quaisquer ónus ou encargos e bem assim a absterem-se de sobre a mesma praticarem quaisquer actos, mantendo-a livre e desimpedida; - retirarem do referido túnel todo o material que lá colocaram, designadamente a parede que nele construíram e bem assim a porta que colocaram na entrada do mesmo, deixando-o totalmente livre e desimpedido em toda a sua extensão, abstendo-se de no futuro adoptarem quaisquer actos ou procedimentos que violem o direito de propriedade dos autores; - pagarem aos autores a quantia de €100,00 por mês a título de privação do uso da loja de arrumação de que são proprietários, que desde o mês de Junho de 2016 se fixa na presente data no montante de €800,00, acrescida das quantias devidas por cada mês que decorrer até à desobstrução efectiva e total daquele logradouro e acesso, à razão de €100,00 por mês, acrescidos dos juros legais vencidos e vincendos; - a pagarem aos autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €8.000,00 (oito mil euros), sendo € 2.000,00 (dois mil euros) para cada um dos autores, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, contados desde a citação dos réus até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano acima referido (inscrito na matriz sob o art ...) composto de r/chão e 1.º andar, com a superfície coberta de 28,54m2, e que o mesmo confina do lado nascente com o prédio urbano também acima referido (inscrito na matriz sob o art ...), também composto por r/chão e 1.º andar, e que desde tempos que a memória dos vivos não alcança, mas pelo menos desde 1961, que o acesso ao seu prédio era efectuado por um “túnel” que se situa a nascente do prédio, que parte da Rua da ..., passando por baixo do prédio pertencente aos réus, túnel esse que sempre se desenvolveu com a orientação nascente/poente, até uma porta através da qual era efectuado o acesso ao interior do rés-do-chão do prédio dos AA., sendo que esse túnel e a referida entrada sempre constituíram o único meio de acesso, quer para as lojas de arrumação onde criavam animais, designadamente galinhas, coelhos e porcos, e onde guardavam produtos agrícolas como batatas e cebolas, assim como lenha, pinhas, entre outros, quer para o primeiro andar, onde se localizavam a cozinha e restantes compartimentos de habitação.

Alegam que partilham com o prédio dos RR. o referido “túnel”, que por isso se deve entender como comum a ambos os prédios, até ao local onde se situa a porta que dá acesso ao r/chão do prédio destes, e que é exclusivo do prédio deles, AA., a partir dessa porta até à porta que dá acesso ao interior do seu r/chão, entendendo que, mesmo na hipótese de tal logradouro não integrar o prédio deles AA., sempre se achará constituído por usucapião a favor do mesmo e onerando o prédio dos RR. um direito de servidão de passagem com a largura e restantes dimensões de tal “túnel”.

Acrescentam que no mês de Junho de 2016 os RR. decidiram impedir os AA. de aceder ao seu prédio através do referido túnel, nele colocando dois ferros formando um X em frente à porta do prédio dos AA. sita nesse túnel, persianas velhas, vários tubos de plástico, dez sacos com madeira no seu interior e um vaso de flores, e em meados do mês de Novembro de 2016, por forma a obstaculizar definitivamente o acesso ao interior da loja de arrumação virada a norte e nascente do r/chão do prédio dos AA., construíram uma parede de blocos que rebocaram, encostada à porta daquela loja, tendo ainda no dia 19/12/2016 colocado uma porta de alumínio lacado na entrada do referido túnel, trancando-a à chave, da qual são os exclusivos detentores.

Em virtude destas condutas dos RR. não conseguem aceder à loja do r/chão do seu prédio, não podendo fazer uso pleno da mesma, o que lhes causa prejuízos, correspondentes pelo menos ao valor dos rendimentos, proventos e utilidades que retirariam do mesmo se dele fizessem um regular e normal uso, e durante todo o tempo em que se vier a verificar tal impedimento, devendo para esse efeito fixar-se quantia não inferior a €100,00 por mês. Referem ainda que, em consequência da conduta dos RR. têm andado tristes, abatidos nervosos e inseguros, sendo confrontados pelos populares de ... sobre o que está a ocorrer, estando em causa danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito e que não podem ser ressarcidos com quantia inferior a €8.000,00, sendo € 2.000,00 para cada um deles, AA..

Os RR. contestaram, referindo que o túnel a que os AA. aludem é um espaço integrante da casa deles pela circunstância de o mesmo fazer parte na sua totalidade da edificação que abrange o solo em que assenta tal casa. Adiantam que o seu prédio e o prédio dos AA. não estão sujeitos nem integram o regime da propriedade horizontal e que, por isso, a sua casa só pode ser objecto de um único direito de propriedade, abrangendo a construção e o solo em que a mesma assenta, sendo que a pretensa passagem dos AA. pelo prédio deles seria uma verdadeira devassa sobre o seu prédio, incompatível com o disposto no art.1550º do CC, que apenas permite a constituição de servidão de passagem sobre prédios rústicos. Mais referem terem sempre impedido que alguém passasse no aludido túnel e, consequentemente, no r/chão da sua casa, desde que a possuem, primeiro como arrendatários e depois como proprietários, o que sucede há pelo menos 43 anos. Mais referem que não corresponde à verdade que o túnel em questão seja o único acesso ao prédio dos AA., quer para o r/chão, quer para o primeiro andar, referindo que os AA. há mais de 20 anos abriram no lado sul do seu prédio uma entrada que dá acesso através de uma escada interior ao compartimento ou loja que agora dizem inacessível, sendo que as duas lojas existentes do r/chão do prédio dos AA. só agora são independentes entre si, facto que se deve à edificação de uma parede divisória entre elas por parte dos AA.

Deduzem pedido reconvencional, pedindo que: 1-se declare que os réus/reconvintes são proprietários, com exclusão de outrém, do prédio urbano sito em ..., composto por r/chão e 1.º andar, inscrito na matriz sob o artigo ... da União das Freguesias de ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., abrangendo todo o solo em que a edificação se encontra implantada, declarando-se a inexistência de qualquer servidão de passagem; 2. sejam os autores/reconvindos condenados a pagar solidariamente ao réu/reconvinte marido a quantia de €600,00 para compensação dos danos não patrimoniais por este sofridos em consequência das condutas daqueles, acrescidos dos respectivos juros de mora à taxa legal, contados desde a citação dos autores/reconvindos até ao efectivo e integral pagamento.

Os AA./reconvindos apresentaram réplica, na qual alegaram que nunca os RR/reconvintes praticaram actos de posse sobre o túnel, concluindo como na petição inicial.

Foi realizada audiência prévia na qual foram fixados os temas da prova.

Realizado julgamento foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: 1 - declarou que os autores/reconvindos são proprietários e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio urbano sito em ..., composto de r/chão e 1.º andar com a superfície coberta de 28,54m2, inscrito na matriz predial sob o artigo ... da União das Freguesias de ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º..., condenando os réus/reconvintes a reconhecerem tal facto; 2 - declarou que do prédio urbano referido em 1. faz parte integrante o espaço que se situa entre a porta mencionada em t) dos factos provados e a porta mencionada em h) dos factos provados, com a área de 3,78m2, assinalado a azul claro no levantamento topográfico junto a fls.244 dos autos, condenando os réus/reconvintes a reconhecerem tal facto e restituírem aos autores/reconvindos tal espaço livre de quaisquer ónus ou encargos e a absterem-se de sobre ele praticarem quaisquer actos; 3 - condenou os réus/reconvintes a retirarem do espaço referido em 2. todo o material que lá colocaram e a parede que nele construíram, mencionados em ll), mm) e pp) dos factos provados, deixando-o totalmente livre e desimpedido em toda a sua extensão, abstendo-se de no futuro adoptarem quaisquer actos ou procedimentos que violem o direito de propriedade dos autores/reconvindos sobre o mesmo; 4 - declarou que os autores/reconvindos são...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT