Acórdão nº 5149/19.3YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório a) O presente recurso insere-se numa ação declarativa, com processo especial, para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, e respeita à decisão que a seguir se exara, a qual concluiu pela ineptidão da petição.

    A decisão tem o seguinte teor: «(…) Importa atentar no conteúdo do requerimento inicial e, complementarmente, no teor da oposição, aqui dados por integralmente reproduzidos.

    Diz-se inepta a petição inicial quando, além do mais, falte ou seja ininteligível a indicação da causa de pedir – cf. CPC, art. 186.º, 2, a).

    É nos articulados, enquanto “peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes” que as partes definem as suas pretensões jurisdicionais – cf. CPC, art.º 147º.

    Para que o tribunal possa dirimir um concreto litígio submetido à sua apreciação, necessário é que as partes fixem com precisão os termos exactos da lide.

    É esta a função dos articulados e é no período dos mesmos que se instaura o pleito e se definem os seus termos, em que se traduz o ciclo de deduções ou afirmações das pretensões e razões das partes, sendo estas últimas, essencialmente, de facto.

    A petição inicial, como articulado onde o demandante propõe a acção, deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respectivos - e que é levada ao conhecimento do réu - é a base do processo sem o qual ele não pode existir.

    O conteúdo da petição inicial é relevantemente determinado por esta função e natureza, dela devendo constar, além dos requisitos gerais – cf. CPC, art.º 552º -, a narração dos factos que servem de fundamento à acção (a causa de pedir) e o meio de tutela pretendido (o pedido), exigências que se aplicam aos requerimentos de injunção: depreende-se do teor do diploma aplicável – cf. DL n.º 269/98, de 01-09, art.º 10º - ao disciplinar a forma e o conteúdo que o requerimento de injunção deve observar e respeitar, a saber, a exposição sucinta dos factos que fundamentam a pretensão - cf. art.º 10º-2-d).

    O legislador, ao fazer expressa menção e exigência de tal exposição de factos que suportem a pretensão em causa, visa significar, claramente, que o requerente da injunção não está, de modo algum, dispensado de invocar em tal requerimento os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir.

    Todavia, a lei só flexibiliza a sua narração em moldes sintéticos e breves.

    No caso dos autos, é o seguinte o conteúdo da petição inicial (primitivamente um requerimento de injunção): (i) alude-se a um contrato de “fornecimento de bens ou serviços”; (ii) contrato esse celebrado na data de “14-10-2010”; (iii) indica o capital em dívida no montante de “€15.417,44” e a quantia de juros de mora já vencidos de “€9.435,45”; (iv) no campo da exposição dos factos indica: “notas de débito no valor de 7.708,72 € + juros ()” e “notas de débito no valor de 7.708,72 € + juros ()”.

    (v) Posteriormente, por requerimento enviado aos autos, em resposta à alegação da ré de nulidade por ineptidão, a autora juntou um conjunto de 36 documentos (fls. 13 a 30) visando provar a “causa de pedir que sustenta o pedido” (fls. 11 v.º), denominados “notas de débito”, contendo, no campo “designação”, os seguintes dizeres: “encargos do título de dívida n.º 49 () reforma de 2.555,32€ para 2.235,91€, isento de IVA ()” (fls. 14), “falta de amortização C/ reforma V/ Aceite ()”, dizeres estes repetidos, com indicação de diversas quantias, ao longo dos mencionados 36 documentos.

    Nada mais é dito ou alegado no requerimento de injunção ou em requerimentos posteriores.

    Quando uma petição contém todos os elementos necessários à decisão de uma causa do ponto de vista da aplicação do direito substantivo, mas alegados de forma incompleta, estaremos perante uma petição que se situa no patamar da deficiência que não já pelo da ineptidão – vd., sobre a distinção entre uma petição deficiente e uma petição inepta, inter alia, Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. II, C.ª Ed., 1945, p. 372; Ac. da RC de 02.11.1999 (António Geraldes), www.dgsi.pt/jtrc; e Ac. da RC de 04.05.2004 (Rui Barreiros), www.dgsi.pt/jtrc.

    Mas já estaremos perante um caso de ineptidão quando há falta absoluta de narração dos factos que integram a respectiva causa de pedir – o conjunto de factos concretos da vida real de que depende a apreciação e procedência do pedido que nela entronca -, tratando-se de um caso em que o conjunto de factos essenciais não se mostra alegado ou recortado, por forma a individualizar a acção e a permitir a formação de caso julgado – vd. Antunes Varela, Bezerra, Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Ed.,C.ª Ed.ª, 1985, p. 245; cf. neste sentido, reconhecendo uma situação de ineptidão, o Ac. da RC de 18.10.2016, rel. Desemb. Manuel Capelo, proc. n.º 203848/14.2YIPRT.C1, www.dgsi.pt/jtrc.

    Não basta, pois, para o...

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