Acórdão nº 355/16.5T8PMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

J (…), residente (…), (...) , instaurou acção, com processo comum, contra a Herança ilíquida e indivisa de A (…), representada pelos seguintes herdeiros: • M (…), (entretanto falecida e agora representada pelos seus herdeiros – já habilitados – J (…), M (…), F (…), J (…), J (…), M (…), A (…) e N (…)a seguir identificados); • J (…) • M (…) • F (…) • J (…) • J (…) • M (…) (entretanto falecida e agora representada pelo seu herdeiro – já habilitado – N (…)); • N (…) • M (…) • A (…) Alegou, em resumo: que o autor da herança ré (A (…)) era proprietário de um prédio rústico, inscrito na matriz 2604 e omisso na Conservatória; que esse prédio confina do lado poente com o prédio rústico do Autor, inscrito na matriz sob o artigo 2603 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1329; que adquiriu este prédio por compra que efectuou a F (…)e mulher M (…) em 22 de Julho de 1975, tendo-lhe sido, posteriormente, adjudicado na partilha efectuada na sequência de divórcio da sua mulher; que o aludido prédio tem, desde que o adquiriu, as características (localização, forma, área, etc) constantes do levantamento topográfico que junta aos autos, correspondendo ao polígono da área B com a área de 1789m2 (formado pelas letras “A”, “B”, “C”, “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J” e “L”); que o prédio dos Réus tem as características constantes desse levantamento, correspondendo ao polígono da área A com a área de 5.109m2 (formado pelas letras “L”, “M”, “N”, “G”, “H”, “I”, “J” e “L”); que o aludido prédio se encontra registado a seu favor, nele praticando, desde que o adquiriu até ao dia de hoje, portanto, há mais de um ano e um dia, os mais variados actos possessórios, de forma pública, pacífica, de boa-fé, de forma contínua e na convicção de exercer um direito legítimo próprio de quem é dono, pelo que sempre teria adquirido a respectiva propriedade por usucapião.

Com estes fundamentos, pede:

  1. Que seja declarado que o Autor é dono e legítimo possuidor, do prédio identificado no artigo 9º desta p.i., com as características (localização, área, configuração, confrontações, etc.) aí descritas; b) Que os Réus sejam condenados a reconhecer que o Autor é dono e legítimo possuidor do prédio identificado no artigo 9º desta p.i., com as características (localização, área, configuração, confrontações, etc.) aí descritas; Os Réus contestaram, invocando, além do mais, a excepção de caso julgado.

    Alegaram, para o efeito, que correu termos a acção nº 728/14.8TBPMS entre as mesmas partes e onde estavam em causa os mesmos prédios, pretendendo os ora Autores, por via da presente acção, que lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno que, por decisão transitada em julgado proferida naquela acção, foi reconhecida como pertencendo ao prédio dos agora Réus.

    O Autor replicou, negando a existência da referida excepção e dizendo que a questão a decidir nos presentes autos, nada tem a ver com os factos e matéria decidida na anterior acção.

    Findos os articulados, foi proferido despacho que, apreciando o mérito da causa, decidiu nos seguintes termos: “…considerando os efeitos projetados pela autoridade do caso julgado formado na Ação de Processo Sumário n.º 728/14.8TBPMS deste Juízo Local Cível e, na parte sobrante, a ausência de fundamentos que suportem as pretensões das partes:

    1. Julga-se a ação improcedente, absolvendo-se os réus do pedido.

    2. Julga-se a reconvenção improcedente, absolvendo-se o autor do pedido reconvencional.

    3. Condena-se o autor como litigante de má-fé: a) em multa correspondente a 25 (vinte e cinco) Unidades de Conta; b) em indemnização a favor dos réus contestantes, relegando-se a fixação do respetivo quantitativo para momento posterior”.

    Discordando dessa decisão, o Autor veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) Os Recorridos (…)vieram apresentar contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: (…) O Ministério Público – em representação dos ausentes N (…) e A (…) – apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões: (…) ///// II.

    Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: • Saber se a sentença recorrida padece das nulidades que lhe são imputadas pelo Apelante; • Analisar os efeitos do caso julgado formado com a decisão proferida no âmbito do processo nº 728/14.8TBPMS com vista a saber se a autoridade desse caso julgado impõe (ou não) a improcedência da pretensão formulada pelo Autor na presente acção; • Saber se estão reunidos os pressupostos necessários para que o Autor/Apelante possa ser condenado por litigância de má-fe; • Saber se a sentença recorrida incorreu em violação das normas constitucionais que são invocadas pelo Apelante.

    ///// III.

    Apreciemos, então, as questões suscitadas no recurso.

    Nulidade da sentença Sustenta o Apelante que a sentença recorrida está ferida de nulidade nos termos das alíneas b), c) e d) do artigo 615º do CPC.

    Vejamos se assim é.

    A sentença é nula nos termos do artigo 615º, nº1, alínea b), do CPC quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

    Como se depreende da letra da lei e conforme tem sido entendido – sem divergências – pela doutrina e jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação (seja ao nível da indicação dos factos em que assenta a decisão, seja ao nível da argumentação jurídica com a indicação e interpretação, se necessária, das normas aplicáveis) pode determinar a nulidade da sentença. Isso mesmo já dizia o Professor Alberto dos Reis quando afirmava o seguinte:[1], «O que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz a nulidade» e isso mesmo tem sido considerado, de forma generalizada, pela nossa jurisprudência[2].

    Ora, a decisão recorrida contém ampla e extensão fundamentação que permite ter a exacta e clara percepção dos argumentos (de facto e de direito) que conduziram à decisão.

    É certo que a decisão recorrida não enunciou, de forma autónoma, os factos que julgava provados (em face dos elementos que já constavam dos autos), ainda que, ao longo da exposição dos fundamentos da decisão, vá referindo e enunciando tais factos.

    Pensamos que tal não será suficiente para determinar a nulidade da sentença, uma vez que, conforme dissemos, tal vício apenas ocorre quando existe falta absoluta de fundamentação.

    De qualquer forma, suprindo esse vício, faremos de seguida a enunciação dos factos que, com relevância para a apreciação do recurso, resultam provados em face dos elementos que constam dos autos. Refira-se que, ainda que se considerasse que, por via daquela circunstância, a sentença recorrida estava ferida de nulidade, sempre se impunha, nos termos do artigo 665º do CPC, a apreciação do objecto do recurso dada a circunstância de constarem dos autos todos os elementos que, para tal, são relevantes e, portanto, sempre se deveria proceder, em substituição do tribunal recorrido, à enunciação daqueles factos.

    Esclareça-se que, além da falta de enunciação desses factos, não detectamos na sentença recorrida qualquer outra falha que possa ser configurada como “falta de fundamentação” ou “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que conduziram à decisão”.

    A sentença é nula, nos termos da alínea c), quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

    Tal nulidade apenas se configura quando existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão – ou seja, quando os fundamentos invocados conduzem, logicamente, a uma decisão diferente daquela que ali foi proferida, de tal forma que seja possível afirmar a existência de um vício ou erro lógico no raciocínio do julgador – ou quando ocorra qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

    Não conseguimos, sequer, perceber quais são as concretas contradições, ambiguidades ou obscuridades que o Apelante encontra na decisão recorrida. De qualquer forma, parece-nos evidente que nenhuma dessas situações ocorre na decisão recorrida, uma vez que os fundamentos que nela são invocados estão em perfeita sintonia com a decisão que nela veio a ficar vertida e tão pouco se detecta a existência de qualquer outra ambiguidade que torne a decisão ininteligível (a decisão é clara).

    A sentença será nula, nos termos do art. 615 º nº 1 al. d) do C.P.C, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

    Tal nulidade está directamente relacionada com o dever que é imposto ao juiz – cfr. art. 608º nº 2 do citado diploma – de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, sendo certo que é a violação deste dever que acarreta a sobredita nulidade da sentença.

    Ora, também temos como certo que a sentença recorrida não incorreu em qualquer vício dessa natureza.

    A sentença recorrida analisou a pretensão formulada pelo Autor, julgando-a improcedente por força dos efeitos da autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida no âmbito de uma acção que havia corrido termos em momento anterior. Naturalmente que, ao considerar que a autoridade do caso julgado impunha, só por si, a improcedência da pretensão formulada, o juiz não tinha que analisar os fundamentos/questões que haviam sido invocados para a apoiar, uma vez que a apreciação desses fundamentos estava prejudicada e era totalmente inútil. Poder-se-á, naturalmente, questionar – e é isso que o Apelante vem fazer com o...

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