Acórdão nº 230/11.0TMCBR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 25 de Junho de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo de Família e Menores de Coimbra requereu, em 11.02.2019, a intervenção judicial nos presentes autos de promoção e protecção relativamente à criança F (…), nascido em 26.01.2011, filho de G (…) e R (…) requerendo a aplicação, a título provisório e urgente, da medida de apoio junto da mãe, suspendendo-se de imediato os convívios com o pai.
Por despacho de 12.02.2019, invocando-se o disposto nos art.ºs 36º, n.º 6 e 69º da Constituição da República Portuguesa e 1º a 4º, 35º, n.º 1, alínea a), 37º e 92º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9[1]), foi aplicada, a título provisório[2], a medida de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, ao menor F(…), com a duração máxima de seis meses e a ser revista no prazo máximo de três meses (nos termos do art.º 37º da LPCJP), determinando-se, ainda, que “enquanto se mantiver esta medida provisória, o pai poderá estar com o F (…) em período não inferior a duas horas por semana, de preferência concentradas num dia, sendo este convívio supervisionado pela Segurança Social, de preferência nas suas próprias instalações, a quem competirá também a definição concreta deste período de convívio, devendo, para o efeito, articular o horário com os pais do F (…)”.
No mesmo despacho foi declarada aberta a instrução (art.º 106º, n.º 2, da LPCJP), determinada a elaboração de relatório social com proposta de intervenção sobre a situação do menor e do respectivo agregado familiar, com vista à aplicação de medida de promoção e protecção (art.º 108º, n.ºs 1 e 2 da LPCJP), designada data (21.3.2019) para audição dos pais do F (…) e do Técnico da Segurança Social coordenador de caso (art.º 107º, n.ºs 1 e 2 da LPCJP) e eventual celebração de acordo de promoção e protecção (art.º 112º da LPCJP), ordenando-se, ainda, a notificação dos progenitores para, querendo, requererem as diligências instrutórias ou juntarem meios de prova (art.º 107º, n.º 3 da LPCJP) e a pesquisa e junção aos autos de certificado do registo criminal (art.º 7º, al. a) da Lei n.º 57/98, de 18.8).
Inconformado, o requerido interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: (…) A requerida e o Exmo. Magistrado do M.º Público responderam à alegação de recurso, concluindo pela sua improcedência.
Atento o referido acervo conclusivo, importa apreciar e decidir, principalmente, da legalidade e adequação da medida provisória aplicada.
* II. 1. A 1ª instância elencou a seguinte factualidade[3]:
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F (…) está registado como filho de G (…) e de R (…) e nasceu a 26.01.2011.
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O F (…) reside com a mãe, em x (...) .
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O F (…) é acompanhado mensalmente na consulta de psicologia no Hospital Pediátrico de x (...) (HPC).
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O pai promoveu acompanhamento psicoterapêutico regular do F (…) sem articulação com a consulta de psicologia no HPC.
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Na consulta de psicologia no HPC foi observado que o F (…) se tem tornado progressivamente mais instável, evidenciando grande angústia e sofrimento no relato das vivências com o pai, pela pressão que sente por parte do pai.
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No âmbito dessa consulta o F (…) relatou que o pai insiste constantemente para que ele verbalize e aja de forma totalmente discordante com a sua vontade, designadamente querer passar mais tempo com o pai, não querer regressar a casa da mãe, não gostar da família materna, os desenhos que fizer na consulta têm de ser com ele e com o pai de mãos dadas, não poder falar na consulta sobre o que o preocupa e ter de estar muito atento na consulta para depois contar ao pai.
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No âmbito dessa consulta o F (…) relatou simular um estado de contentamento quando está com o pai por temer magoá-lo e/ou irritá-lo e por se sentir desprotegido em relação à zanga que possa nele provocar.
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Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
Estamos perante um processo de jurisdição voluntária (art.º 100º da LPCJP), pelo que o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º do Código de Processo Civil/CPC), a que melhor serve os interesses em causa[4]; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[5] (cf. os art.ºs 986º, n.º 2; 987º; 988º, n.º 1, 1ª parte e 989º, do CPC).
Daí que releve, sobretudo, a preocupação de respeitar a verdade material e a finalidade prosseguida no processo (in casu, de promoção e protecção), pelo que a actuação processual dos interessados no desfecho da lide e os princípios e as regras do Processo Civil poderão ser secundarizados se e quando colidam ou inviabilizem a possibilidade de proferir a decisão tida como mais equitativa, conveniente e oportuna.
3. Segundo o art.º 1906°, n.° 5 do CC (na redacção conferida pela Lei n.° 61/2008, de 31.10), o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. E nos termos do n.º 7, do mesmo art.º, o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
[6] 4. A lei não define o que deva entender-se por interesse do menor, cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança, por alguns já definido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[7] ou como tratando-se de uma “noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral”.
[8] 5. As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
[9] Estão pois em causa o exercício de poderes-deveres visando a promoção do interesse da criança, a que se reportam diversos normativos da lei ordinária (cf. ainda, v. g.
, os art.ºs 1885º, n.º 1 e 1918º, n.º 1, do CC, que estabelecem o dever dos pais de promoverem o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos e de não colocarem em perigo a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação do menor) e da Lei...
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