Acórdão nº 641/19.2T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 25 de Junho de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. B (…), Lda., instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (Juízo Local Cível da Figueira da Foz) procedimento cautelar comum (sob o enquadramento ou a epígrafe “providência cautelar não especificada, sem audiência prévia do requerido e com inversão do contencioso”) contra F (…) Lda., pedindo, além do mais, que, sem prévia audiência da parte contrária, se ordene a apreensão e entrega imediata à requerente do veículo automóvel marca BMW, com a matrícula (…) chaves e respectivos documentos, oficiando, para o efeito, às autoridades policiais territorialmente competentes.
Alegou, nomeadamente: a) É uma sociedade que tem por objecto o exercício, entre outras, da actividade de aluguer de veículos automóveis sem condutor.
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No exercício da sua actividade, celebrou com a Requerida, em 06.9.2017, o Contrato de Aluguer Operacional (Select) n.º ...5108 (DOC. 1 que junta)[1].
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O Contrato teve por objecto o veículo automóvel marca BMW, modelo 216, com a matrícula (…), adquirido pela Requerente ao fornecedor designado “(…).”, pelo preço de € 35 556,54, IVA incluído.
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A propriedade sobre o veículo automóvel objecto do Contrato encontra-se inscrita a favor da Requerente, como se depreende da informação emitida pela Conservatória de Registo Automóvel, sendo a Requerente legitima proprietária do mesmo.
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O veículo automóvel foi pela Requerente entregue à Requerida, em cumprimento do Contrato (cf.
a declaração por esta subscrita, junta sob DOC 4).
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Nos termos do Contrato celebrado, a Requerida obrigou-se a pagar à Requerente quarenta e oito alugueres mensais, no montante de € 503,12, aos quais acresce o valor de € 3,38 a título de comissões de processamento, IVA incluído à taxa legal em vigor na data dos respectivos vencimentos.
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A Requerida não pagou à Requerente, nas respectivas datas de vencimento os alugueres referentes à 7ª a 10ª rendas, vencidas entre 05.3 e 05.6.2018, cujo valor global ascende a € 1 544,20, IVA incluído.
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Em face do exposto, a Requerente comunicou à Requerida, através de carta registada datada de 12.6.2018, expedida para o domicílio contratualmente convencionado, que deveria proceder à liquidação dos alugueres vencidos e não pagos e demais valores indicados na referida missiva, no prazo máximo de 8 (oito) dias, sob pena de se considerar o Contrato automática e imediatamente resolvido[2] nessa data sem necessidade de outra comunicação e, consequentemente, constituída a Requerida na obrigação de proceder à imediata devolução à Requerente, nas instalações desta, do veículo automóvel dele objecto.
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Tendo decorrido o prazo referido, sem que a Requerida tenha pago à Requerente a totalidade dos alugueres vencidos, considerou-se o Contrato automaticamente resolvido, por força do disposto no n.º 1 do art.º 19º das Condições do mesmo, e a Requerida obrigada a proceder à imediata devolução à Requerente do veículo automóvel objecto do contrato, por força do disposto na alínea a) do n.º 3 do aludido art.º.
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Sucede que, até à presente data, a Requerida não procedeu à devolução do veículo automóvel à Requerente, ofendendo, manifesta e abusivamente, o seu direito de propriedade! k) Mesmo depois de contactada pela Requerente, que lhe transmitiu ser sua obrigação proceder à imediata devolução do veículo automóvel, a Requerida manteve a posição de total desrespeito das suas obrigações, tendo recusado proceder à devolução do mesmo, sabendo que se encontra a tal obrigada.
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O comportamento ilícito da Requerida está a causar à Requerente prejuízos graves e de difícil reparação.
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A circunstância de o veículo automóvel propriedade da Requerente continuar a ser utilizado, embora indevidamente, pela Requerida, implica uma desvalorização acentuada do referido bem, sobretudo porque o veículo continua na posse de quem sabe que, mais dia menos dia, será privado do mesmo, não tendo, consequentemente, qualquer interesse na respectiva conservação e manutenção.
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A desvalorização do veículo automóvel é ainda acentuada pelo mero decurso do tempo, pois, como é sabido, os veículos automóveis têm uma vida útil normal não superior a 5 (cinco) anos.
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Por outro lado, considerando que o veículo continua em circulação, com todos os riscos inerentes a esse facto, sem que exista qualquer garantia de que o mesmo se encontre coberto por seguro de responsabilidade civil ou tenha sido objecto de seguro contra danos próprios, é bom de ver que a Requerente está a correr o risco, em caso de acidente, de ser responsabilizada civilmente por danos causados a terceiros, bem como de vir a suportar danos que o veículo sofra, que poderão traduzir-se na respectiva perda total.
p) Para além disso, o veículo em questão poderá estar sujeito a qualquer apreensão ou apropriação sem que a Requerente, sua proprietária, tenha qualquer controlo da situação.
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Considerando a finalidade conservatória e antecipatória da presente providência, deverá a mesma ser decretada sem audiência prévia da Requerida, pois a mesma, a existir, permitiria à Requerida obstar à apreensão da viatura, ocultando-a facilmente, frustrando-se a finalidade da providência cautelar ora requerida.
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O seu decretamento não implica à Requerida qualquer prejuízo que deva merecer tutela jurídica, já que foi a mesma que deu causa aos seus fundamentos, adoptando uma conduta manifestamente ilícita e abusiva, violando conscientemente o direito de propriedade da Requerente.
O Mm.º Juiz a quo, por decisão de 12.4.2019, indeferiu liminarmente “a presente providência cautelar por falta do pressuposto do fundado receio da requerente de que a requerida cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito” (sic), argumentando, designadamente: «(…) a requerente alegou os factos que preenchem o fundamento de resolução do contrato por falta de pagamento de rendas e direito à restituição do veículo./(…) vem sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência defender-se a exigência de prova que conduza à formação dum juízo de certeza sobre a realidade integradora de lesão grave e dificilmente reparável, ainda que tal exigência seja entendida com maior ou menor amplitude./ Nesta medida, não será, assim, toda e qualquer consequência decorrente da violação de um direito que poderá sustentar o decretamento de uma medida cautelar, mas apenas a comprovação de uma lesão grave e dificilmente reparável./ É nosso entendimento que para fundamentar o ´periculum in mora` não basta a alegação de que o veículo automóvel se desvaloriza ou se desgasta, ou alegações que mais não são do que o risco do locador (apropriação por terceiros, envolvimento em acidentes e outros, que sempre existem e são facilmente acauteláveis mediante a celebração dum contrato de seguro, por sinal obrigatório, pelo menos contra terceiros, para a requerente, enquanto proprietária do veículo, mal se compreendendo a sua alegação a este respeito, especialmente considerando o teor da cláusula 11ª do contrato de locação e a circunstância de o mesmo se encontrar resolvido)./ Acresce que a requerente tem o direito aos alugueres do equipamento até à sua efectiva restituição: a título de prestação devida até à resolução do contrato (art.º 1038º, al. a) do Código Civil/CC) e a título de indemnização, desde a resolução até à efectiva entrega (art.º 1045º do CC).
A eventual perda ou deterioração do equipamento locado está acautelada nos termos gerais (art.ºs 1043º e 1044º do CC) e nos termos do contrato celebrado com a requerida./ Assim sendo, suceda o que suceder ao bem locado, toda a responsabilidade recai sobre a requerida, fazendo surgir o correspectivo crédito, de natureza monetária, na esfera jurídica da requerente.
Ora, nem toda a lesão releva; a mesma tem que ser grave. A gravidade da lesão é apurada em termos concretos, ou seja, em face das concretas circunstâncias do sujeito. Já vimos que o receio da requerente se prende com a eventual não cobrança dum crédito que, pelo decurso do tempo, está a aumentar. A não cobrança dum determinado crédito pode ser grave para uma pessoa e pouco relevante para outra, dependendo do montante do crédito e da situação patrimonial do credor[3].
Nada se alegou quanto a esta[4]./ Essencial seria também que fossem alegados factos da situação patrimonial da requerida, da sua (in)capacidade para cumprir a responsabilidade resultante do contrato, com vista a poder-se concluir pela difícil reparabilidade da lesão, pois tendo a mesma natureza puramente patrimonial, facilmente se repara caso o património da requerida o permita.
Uma vez mais, nada se alegou quanto a isto./ Falta, por isso, alegação de matéria que permita, caso resultasse indiciariamente provada, o preenchimento do requisito do receio de lesão grave e dificilmente reparável, pelo que o procedimento estaria sempre votado à improcedência.
» Inconformada, a requerente apelou, terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª - Foi feita uma incorrecta interpretação dos...
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