Acórdão nº 278/17.0T8SEI-F.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução25 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório C (…) e, esposa, G (…), residentes (…) (...) , vieram propor a presente verificação ulterior de créditos e outros direitos (nos termos dos art. 146.º/2/b) do CIRE), contra a Massa Insolvente “A (…) Lda.”, os seus credores e a Insolvente, peticionando o seguinte:

  1. Serem os Réus condenados a reconhecer que: i. Por contrato promessa de compra e venda formalizado por escritura pública de 07 de Dezembro de 2012, celebrada no Cartório Notarial de (...) , o Autor prometeu comprar à sociedade “A (…), Lda.” e esta prometeu vender àquele o prédio identificado no artigo 2.ºda petição inicial; ii. O preço estipulado para a prometida compra e venda foi de 105.000,00 €, já integralmente pago na data da celebração do dito contrato-promessa; iii. Os outorgantes atribuíram à promessa eficácia real, que foi registada na Conservatória do Registo Predial de (...) a favor do promitente-comprador pela Ap. 734 de 07.12.2012; iv. A sociedade “A (…) Lda.”, operou, então, a entrega do prédio prometido vender ao Autor para que dele fizesse o uso que bem entendesse como se coisa sua fosse desde então; v. O referido contrato promessa não foi cumprido pela “A (…)Lda.”; vi. E, em consequência, que o Tribunal proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré faltosa, substituindo a escritura pública de compra e venda da fracção descrita no artigo 3.º desta peça processual, a qual deve ser transmitida livre de ónus e encargos, e a 1ª Ré condenada a reconhecê-la e a agir em conformidade e termos da Lei.

    vii Seja a 1.º Ré Massa Insolvente condenada a extinguir as garantias de hipoteca que recaem actualmente sobre a fracção identificada em 3.º, designadamente a favor do Banco (…), bem como toda e qualquer hipoteca que venha a recair sobre a fracção até à data do trânsito em julgado da sentença; ou então, condenada a entregar aos Autores os montantes dos débitos garantidos, ou os valores neles correspondentes à fracção, respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

    viii. E condenada a praticar todos os actos necessários ao levantamento das penhoras que à data da entrada da presente acção e, bem assim, do trânsito em julgado da mesma recaem ou venham a recair sobre a fracção prometida, mediante pagamento das dividas exequendas aos exequentes que penhoraram ou venham a penhorar a fracção; ou então, condenada a entregar à Autora do montante necessário para o pagamento das dívidas exequendas, respectivos juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

  2. E, a título subsidiário, i) O reconhecimento do direito de crédito dos autores sobre a Massa Insolvente no montante de 105.000,00 Euros (cento e cinco mil euros) correspondente ao preço estabelecido pelas partes outorgantes e que, de acordo com os Autores, foi por estes integralmente pago.

    ii) O reconhecimento do direito de retenção da fracção em apreço, nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1 alínea f) do Código Civil.

    Para tanto e em síntese, alegaram que, por contrato-promessa de compra e venda formalizado por escritura pública de 07 de Dezembro de 2012, o Autor prometeu comprar à Insolvente “A (…)Lda.” e esta prometeu vender àquele o prédio descrito na Conservatória do Regista do Predial de (...) sob o número (...) 1/20090303-B e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de (...) , (...) e (...) sob o artigo 5981.

    Mais invocaram que o preço acordado (de 105.000,00€) foi integralmente pago na data da celebração do mencionado contrato promessa.

    Acrescentaram que os outorgantes atribuíram à promessa eficácia real nos termos da apresentação 734 de 07.12.2012 e, bem assim, que a promitente vendedora, ora Insolvente, entregou ao Autor o prédio objecto do contrato promessa de compra e venda, para que aquele utilizasse o prédio como se de coisa sua se tratasse.

    Alegaram, ainda, que, desde então, os Autores passaram a entrar e sair do imóvel quando bem entendem (utilizando, para o efeito, a chave do imóvel que estão na sua posse) nele tendo feito obras de adaptação do tecto falso, fazendo-o de forma continuada, à vista de todos, sem a oposição de ninguém, na convicção de que o faziam no uso de um direito que lhes havia sido conferido pela então proprietária do prédio, aqui Insolvente.

    Invocaram, também, que, pese embora os esforços dos Autores, até à data, não foi celebrado o contrato de compra de compra e venda.

    Sustentaram que o Sr. Administrador de Insolvência decidiu pelo não cumprimento do contrato promessa de compra e venda em apreço por entender não estarem reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 106º/1 do CIRE.

    Contestaram a Massa Insolvente de A (…)Lda.” e o (credor) “C (…) pugnando ambas pela total improcedência da acção.

    Invocou a Massa Insolvente que o imóvel em apreço está e sempre esteve devoluto e sem qualquer actividade, não sendo servido de água, electricidade e serviços de telecomunicações; que os AA. nunca pagaram o IMI (que se apresenta debitado nas contas da insolvente); que não “resultam provados”[1] a tradição da coisa e o recebimento do preço e que se “impugnam especificadamente os arts. 3.º a 16.º da PI, bem como se impugnam especificadamente o doc. 3 (CPCV) e o conteúdo do mesmo, por não corresponder à realidade”[2] .

    Invocou a “C (…)” que o valor que os AA. alegam ter entregue à Insolvente não se mostra suportado em qualquer elemento documental que o legitime e demonstre; quanto à “traditio”, que o contrato-promessa de compra e venda junto aos autos não prova o conteúdo da declaração dele constante, ou seja, que houve a efectiva tradição material do bem, razão pela qual não se mostram preenchidos os pressupostos do artigo 755º/1/f) do C. Civil e não está constituído o direito de retenção invocado pelos AA; e que uma possível transmissão da fracção, na execução específica do CPCV, não faz caducar a sua garantia hipotecária, que continuará a onerar a fracção até que seja expurgada.

    Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador – tendo sido declarada a regularidade da instância, estado em que se mantém – e identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova.

    Designado e realizado julgamento, com observância do formalismo legal, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR. de todos os pedidos formulados.

    Inconformados com tal decisão, interpõem os AA. recurso de apelação, visando a sua revogação e substituição por outra que dê provimento aos pedidos efectuados na PI.

    Terminaram a sua alegação com as seguintes conclusões: (…) A C (…) respondeu, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma, designadamente as referidas pelos apelantes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

    Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * II – “Reapreciação” da decisão de facto Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso dos AA. – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal.

    Foram gravados os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto; constando assim do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto, pelo que e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[3].

    Faculdade – de modificar a decisão de facto – em cujo uso, costumamos “avisar”, é nosso dever ser contidos, cautelosos e prudentes, uma vez que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O que, porém – salienta-se e enfatiza-se, para que não haja quaisquer equívocos interpretativos sobre o que se acabou de dizer – não significa que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto apenas envolve a correcção de pontuais, concretas e excepcionais erros de julgamento; efectivamente, a Relação, quando aprecia as provas – e pode para tal atender a quaisquer elementos probatórios – faz um novo julgamento da matéria de facto, vai à procura da sua própria convicção, assegura o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto (ou seja, a actividade da Relação não se pode/deve circunscrever a um mero controlo formal da motivação efectuada na 1.ª Instância).

    Efectuados tais prévios e “tabelares” esclarecimentos, debruçando-nos sobre as concretas questões – tendo presente as posições assumidas pelas partes nos articulados, analisados os documentos juntos, as assentadas decorrentes dos depoimentos de parte e ouvido o registo, efectuado em CD, da audiência de julgamento – concluímos, antecipando desde já a solução, que assiste, em parte, razão aos AA./apelantes[4].

    Vejamos: Os factos que, segundo os AA/apelantes, foram incorrectamente julgados são o ponto 4 dos factos provados e as 3 alíneas dos factos não provados, que, ainda segundo os AA/apelantes, devem merecer “respostas” opostas (ou mais completa, como é o caso do ponto 4) às que lhe foram dadas na sentença recorrida.

    Estão em causa – em tal ponto 4 e nas 3 alíneas – os seguintes temas factuais: - as declarações negociais constantes do CPCV (alínea a); - o pagamento do preço (ponto 4); e - a traditio da coisa (alíneas b) e c)): E a nossa divergência com a sentença recorrida está apenas no que se deu como não provado nas alíneas a) e c).

    Quanto à alínea a), não exactamente por se divergir da convicção que o tribunal a quo formou sobre tal tema factual, mas sim por, a tal propósito, nada haver (nada ter sido alegado), controvertido e juridicamente relevante, que carecesse de ser julgado[5] (designadamente, com apelo à “livre convicção” do tribunal).

    Divergência que radica na posição tomada na sentença recorrida sobre a questão que sempre...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT