Acórdão nº 1647/18.4T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução15 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. O Ministério Público intentou acção especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, pedindo que seja declarada vaga para o Estado a herança de J (…), falecido em 17.8.2010, procedendo-se de seguida à sua liquidação.

Alegou, em síntese: o referido J (…) faleceu no estado de viúvo e outorgou testamento público, em 15.12.2009, no qual instituiu vários legados, tendo instituído herdeira do remanescente de todos os seus bens, a Associação, a constituir, que iria adoptar a denominação “Lar (…)”, com a condição de lhe prestar toda a assistência de que necessitasse enquanto fosse vivo; em 23.9.2010, foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual foi habilitada como sua única herdeira A (…) que, por sua vez, procedeu ao registo de propriedade, em seu nome, dos prédios que integravam o património hereditário remanescente dos bens de J (…); a “Associação Lar (…)” foi constituída no dia 18.10.2010, adoptando essa denominação por não ter sido autorizada pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas a denominação pretendida “L (…)”, sendo que a 18.10.2010 foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, na qual foi habilitada como única herdeira do falecido a referida Associação; as habilitandas “Centro de Dia (...)” e “Associação Lar (…)” intentaram contra A (…) a acção declarativa ordinária n.º 1837/10.8TBCTB; por acórdão da Relação de Coimbra (RC) a dita acção foi julgada «Improcedente por não provada relativamente à 1ª A., absolvendo a Ré dos pedidos por ela formulados” e “Procedente por provada relativamente à 2ª A. Associação Lar (…)pelo que condenam a Ré a ver declarada a validade e eficácia do testamento (…), e nomeadamente, a reconhecer a referida 2ª A. como única herdeira instituída do remanescente dos bens do falecido J (…), ordenando-se o cancelamento de todos os registos de aquisição de imóveis lavrados a favor da Ré com base na escritura de habilitação de herdeiro (…)», e, em última instância, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), por acórdão transitado em julgado, decidiu “negar a revista, no seu pedido essencial, e, por falta de existência do chamado e concomitante não verificação de capacidade sucessória da autora “Associação Lar (…)”, que, por não ser destinatária da vocação, não beneficia, imediatamente, da deixa testamentária realizada pelo «de cujus» (sendo o Estado o herdeiro sucessível chamado, supletivamente, que se condena a cumprir, subsequentemente, o encargo da herança resultante da execução do testamento, em benefício daquela autora), revogando, nessa parte, o acórdão recorrido, que foi confirmado, em tudo o mais.

Citados por éditos eventuais interessados, vieram habilitar-se, como sucessores do falecido, Associação Lar (…) e Centro de Dia (...) alegando, em síntese: em vida do falecido, e ainda que de forma esporádica, foi a 2ª habilitanda quem lhe prestou todos os cuidados e assistência de que dispunha, sendo que após a abertura do testamento e conhecimento do seu teor, foram realizadas todas as diligências necessárias à constituição de uma nova Associação que veio a ser constituída a 18.10.2010 - a 1ª habilitanda - pese embora com um nome distinto atento o indeferimento do nome escolhido pelo testador pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas; a 18.10.2010 foi celebrada escritura pública de habilitação de herdeiros e a 1ª habilitanda instituída como herdeira do remanescente de todos os bens do falecido, além dos legados; na acção ordinária 1837/10.8TBCTB, por decisão da RC foi a 1ª habilitanda reconhecida como única herdeira do falecido, decisão de algum modo confirmada pelo STJ; à data da elaboração do testamento a 2ª habilitanda já tinha iniciado a construção de um Lar de idosos, entretanto concluído, sendo o local indicado pelo testador precisamente o local onde o referido Lar se encontra a funcionar. Terminam pedindo a habilitação da 1ª requerente como única e universal herdeira de todos os bens do falecido J (...) , como sujeito activo nos presentes autos ou a habilitação da 2ª requerente, nos mesmos termos.

O M.º Público contestou a habilitação invocando a violação da autoridade de caso julgado, mormente, da decisão proferida no âmbito do processo n.º 1837/10.8TBCT, já transitada. Concluiu pela improcedência da pretendida habilitação.

As habilitandas responderam concluindo pela improcedência da referida matéria de excepção.

Seguidamente, por sentença de 02.5.2019, a Mm.ª Juíza a quo julgou improcedente o incidente de habilitação de Associação Lar (…) e Centro de Dia (....) como sucessoras de J (…), porque verificada a autoridade de caso julgado [a)] e julgou procedente a acção, declarando vaga a favor do Estado a herança de J (…) falecido no dia 17.8.2010, composta dos bens elencados nos pontos 22) a 24) dos factos provados.

Inconformadas, as requerentes/habilitandas apelaram formulando as seguintes conclusões: (…) O M.º Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo, se ocorre a figura da autoridade do caso julgado e se, na sua presença e face ao quadro jurídico vigente, se impõe dar integral cumprimento ao citado acórdão do STJ, inclusive, declarando-se vaga a favor do Estado a herança de J (…), ou se, acolhendo a perspectiva das recorrentes, procede a habilitação deduzida nos autos.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.

J (…), nascido em 21.12.1928, faleceu no dia 17.8.2010, no estado de viúvo, tendo como última residência o Lar (…), em (...) .

  1. J (…) outorgou testamento público, em 15.12.2009, no Cartório Notarial de (...) , sito na Rua (...) , n.º 8, 1º andar, lavrado pela notária (…) 3.

    Nesse testamento, J (…) institui vários legatários, a quem fez legados dos seus bens.

  2. Assim, J (…) legou a M (…): a.

    Um prédio urbano, da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 84; b.

    Um prédio urbano, da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 907; c.

    Um prédio rústico, da freguesia de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 230, secção D; d.

    A quantia de cinco mil euros, em dinheiro.

  3. J (…) legou também a M (…): a.

    Um veículo automóvel da marca PEUGEOT 504, com a matrícula M (...) ; b.

    Um veículo Automóvel da marca VOLKSWAGEN GOLF, com a matrícula (...) ; c.

    A quantia de cinco mil euros, em dinheiro; d.

    Um prédio rústico, na freguesia da (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 26, secção D.

  4. J (…) legou a M (…) a quantia de 20 000 euros, em dinheiro.

  5. E legou ainda à Associação de Apoio à Criança de (...) a quantia de 10 000 euros.

  6. J (…) instituiu herdeira do remanescente, de todos os seus bens, a Associação, a constituir, que iria adoptar a denominação “Lar (…)”, com sede na (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitasse enquanto fosse vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos.

  7. No testamento de 15.12.2009, J (…) revogou qualquer outro testamento feito anteriormente.

  8. Em 23.9.2010, foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, no Cartório Notarial de Lisboa, tendo-se consignado que: “o falecido [J (…)o] deixou testamento público (…) no qual efectuou vários legados e dispôs: «Que institui herdeira do remanescente de todos os seus bens, a associação a constituir, que vai adoptar a denominação “Lar (…)” (…) com a condição de essa instituição lhe prestar toda a assistência de que necessitar enquanto for vivo, nomeadamente alojamento, alimentação, vestuário e cuidados médicos» (…) a referida Associação não foi constituída (…) Que assim ao falecido sucedeu como sua única herdeira: A Prima: A (…) (…) não existem outras pessoas que segundo a lei e o invocado testamento possam preferir à indicada herdeira, ou que com ela possam concorrer nesta sucessão”.

  9. A (…) procedeu ao registo de propriedade, em seu nome, dos prédios que integravam o património hereditário remanescente dos bens pertença de J (…) 12.

    Aquando da outorga do testamento, o Centro de Dia (…) já se encontrava constituído.

  10. A “Associação (…)” foi constituída no dia 18.10.2010, no Cartório Notarial, sito na Rua (...) , perante o notário (…) adoptando essa denominação por não ter sido autorizada pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas a denominação pretendida “Lar (…)”.

  11. Em 18.10.2010, foi lavrada escritura pública de habilitação de herdeiros, no Cartório Notarial de Lisboa, tendo-se consignado que “o falecido J (…) deixou como única herdeira, por vocação testamentária, a referida Associação, hoje constituída, “Associação (…)” (…) não existem outras pessoas que segundo a lei ou o testamento, possam preferir ou concorrer com a herdeira instituída na sucessão à herança”.

  12. “Centro de Dia (…)” e “Associação (…)” intentaram contra A (…) acção declarativa de condenação, com processo ordinário n.º 1837/10.8TBCTB (impugnação judicial de habilitação de herdeiros) no Tribunal Judicial de Castelo Branco, pedindo que fosse «reconhecida a validade e eficácia do testamento outorgado por J (…) em 15.12.2009, e que fossem declarados nulos e de nenhum efeito os registos efectuados a favor da Ré/ A (…) em ordem ao respectivo cancelamento».

  13. No âmbito do referido processo ordinário, por decisão de 03.8.2012, foi julgada a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, julgando-se «válido o testamento efectuado por J (…) em 15.12.2009, e absolvendo-se a Ré do demais peticionado».

  14. Nesta sequência, “Centro de Dia (…)” e “Associação (…)” interpuseram recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, que julgou a acção: “A – Improcedente por não provada relativamente à 1ª A., absolvendo a Ré dos pedidos por ela formulados; B – Procedente por provada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT