Acórdão nº 505/17.4T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

M (…) e marido, A (…), instauraram contra B (…) e marido, B (…); M (…) e marido, N (…); A (…); e R (…), acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediram: a) Se declare nula e de nenhum efeito, por constituir pacto sucessório, a escritura pública designada “Cessão gratuita de quinhão hereditário” outorgada em 28 de março de 2015, em que M (…) foi doadora e as RR. B (…) e M (…)donatárias; Se assim se não entender, b) Se declare a anulação da mesma escritura, em razão da incapacidade da declarante, por anomalia psíquica; c) De decrete a anulação dos testamentos e atos de última vontade outorgados pela M (…) em 4 de outubro de 2013 e em 15 de novembro de 2013, ambos no Cartório da Dra. (…)em razão da incapacidade da declarante, que padecia já à data de anomalia psíquica, estando incapaz de perceber o sentido e alcance das declarações que proferia; Quando assim se não entenda, d) Que se decrete a anulação da escritura pública designada “Cessão gratuita de quinhão hereditário” outorgada em 28 de março de 2015, em que a M (…) foi doadora e as aqui RR. B (..:) e M (…) donatárias, bem como dos testamentos e atos de última vontade outorgados pela M (…) em 4 de outubro de 2012 no Cartório Notarial de (...) , em 21 de junho de 2013 e em 15 de novembro de 2013, estes no Cartório Notarial da Dra. (…), em virtude de terem sido obtidas as declarações da declarante por coação e/ou dolo, diretamente exercidas pelas beneficiárias de ambos os documentos, para o efeito do seu enriquecimento patrimonial; Caso assim se não entenda, e) Declarar-se a incapacidade sucessória das RR. B (…) e M (…) para receber da M (…) qualquer deixa testamentária em virtude de indignidade, por haverem determinado a declaração de vontade de M (…), a qual não obteriam de outra forma, e contra a vontade da declarante.

Para tanto, alegaram: Em 31 de dezembro de 2016 faleceu, no estado de viúva, M (…), mãe da A., correndo nessa data inventário judicial para partilha dos bens do seu marido e pai da A., A (…), após a sua morte.

A falecida havia outorgado, em 26.3.2015, escritura pública pela qual cedeu gratuitamente o seu quinhão hereditário por óbito do marido às 1ª e 2ª RR., o que foi mantido em segredo até ao óbito da doadora, constituindo tal um pacto sucessório.

Entre outubro de 2012 e novembro de 2013 a falecida outorgou 3 testamentos, instituindo herdeiros nos 2 primeiros os seus netos, aqui 3º e 4º RR., e excluindo-os no 3º testamento, em que instituiu como herdeiras da sua quota disponível apenas as 1ª e 2ª RR.

Estes documentos foram outorgados pela falecida quando esta se encontrava doente, incapaz de entender e querer, não tendo noção do valor do dinheiro, desbaratando o seu património, sem vontade própria, pelo que havia delegado na sua empregada, aqui 1ª R., a administração dos seus dinheiros.

As 1ª e 2ª RR. isolaram a falecida, não a deixando contactar com a família, instruindo-a, e ameaçando-a que a deixariam sozinha e doente, de forma a que afastá-la da intenção de beneficiar os netos, o que fizeram aquando da outorga da doação e dos dois últimos testamentos, que a falecida não entendeu e não quis.

Citados os Réus, foi apresentada contestação separada pelos 1ºs e 2ºs, alegando, em síntese: Que a (…) sempre esteve lúcida, e na posse de todas as suas faculdades mentais, até à sua morte, tendo disposto da sua herança e da sua meação de forma livre e consciente, sem qualquer interferência das RR. B (…) e M (…), não ocorrendo qualquer das invocadas causas de invalidade dos atos por si praticados, em causa nos autos.

Concluem pela improcedência da acção.

3.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os Réus dos pedidos contra si formulados pelos Autores.» 4.

Inconformados recorreram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegaram as rés M (…) e B (…), pugnando pela manutenção da decisão, aduzindo esta os seguintes argumentos finais: (…) 4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

  1. - Procedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Pretendem os autores a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com inclusão do teor factual constante da conclusão D), ou seja, de factualidade que foi dada como provada na acção de inabilitação que tramitou relativamente à fenecida M (...) .

Atendíveis e considerados na sentença, apenas podem ser os factos que, mesmo e não obstante se encontrarem provados, tenham interesse para a decisão segundo qualquer uma das versões plausíveis da questão de direito.

Aqueles factos foram provados na sentença de inabilitação, pelo que, constituindo esta documento autêntico não colocado em crise, os mesmos, em princípio, poderiam ser dados como provados.

Porém, a inadmissibilidade da sua consideração, por inócuos ou irrerelevantes, dimana do próprio teor decisório de tal sentença.

Efetivamente, e como nela se plasmou, a data da incapacidade foi fixada em Agosto de 2016.

E os atos e factos que os colocam sub sursis nesta nossa acção são todos anteriores a tal data.

Ora como em tal decisão é outrossim acertadamente mencionado, certo é que, mesmo no domínio e para os efeitos da acção de interdição e inabilitação, estes estados de interdição ou inabilitação apenas se constituem com a sentença que os decreta.

E sendo que a data da fixação do começo da incapacidade é uma mera declaração natural ou de facto que nem sequer constitui presunção judicial quanto à existência daqueles estados.

Pelo que os factos contemporâneos de tal data não invertem o ónus da prova sobre a sua existência no momento da prática do ato, o qual continua a impender sobre quem impugna a validade do mesmo.

Tal entendimento tem aplicação, por igualdade ou por maioria de razão, para atos externos discutidos em outros processos como os que estão em dilucidação nos presentes autos.

Competindo assim aos autores provar que os atos anteriores a tal início de incapacidade já estavam atingidos e determinados por esta, pois que doadora já estava afetada na sua capacidade de entender e querer, como alegam.

O que, como se vê da matéria de facto dada como não provada, e que eles não impugnam, não lograram efectivar – cfr. als. i) a r) dos factos não provados.

A assim ser, e uma vez que nem na acção de inabilitação foi provada incapacidade anterior a agosto de 2016 e sendo certo que os atos em causa são anteriores, há que reiterar a irrelevância, ou, no mínimo, a inoquídade de tal matéria.

Acresce que, bem vistas as coisas, tais factos não relevam para alicerçar a pretensão dos recorrentes tal como a definem nas suas conclusões, as quais, como se viu, delimitam o objecto do recurso.

Na verdade, os recorrentes conformaram-se com a sentença da 1ª instância na parte em que lhes indeferiu a sua pretensão com base no argumento de que a doadora já estava afetada na sua capacidade...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT