Acórdão nº 5236/17.2T8CBR-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

D (…), melhor identificado nos autos, veio instaurar procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra E (…) melhor identificada nos autos, pedindo que lhe seja restituída, de imediato, a posse do imóvel sito na Rua (…), .

Para fundamentar essa pretensão, alega, em resumo: que o direito de propriedade sobre o referido imóvel está em discussão no processo principal, alegando a Requerida que o imóvel lhe pertence em exclusivo – pedindo, por isso, a respectiva entrega – e alegando o Requerente que o imóvel pertence a ambos; que, independentemente da propriedade do imóvel, era o Requerente que tinha a sua posse exclusiva sendo certo que nela habita sozinho há cinco anos e desde a separação do casal e que, não obstante ter instaurado também um procedimento cautelar com vista à entrega do imóvel, a Requerida, no passado dia 05/08, aproveitando a ausência do Requerente e sem aguardar a decisão a proferir no referido procedimento cautelar (cujo julgamento está agendado para o dia 06/09), arrombou a porta da casa e mudou a respectiva fechadura, impedindo o Requerente de aí entrar.

Tal procedimento/pretensão foi liminarmente indeferido(a) por decisão proferida em 08/08/2019.

Inconformado com essa decisão, o Requerente veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) ///// II.

Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: • Saber se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos propostos pelo Apelante; • Saber se, em face da matéria de facto provada – eventualmente alterada na sequência da apreciação da questão anterior – estão reunidos os pressupostos necessários para decretar a restituição provisória da posse que é peticionada nos autos, o que se reconduz a saber se o Requerente/Apelante tinha a posse do imóvel em causa nos autos e se dela foi esbulhado com violência.

///// III.

Matéria de facto Pensamos não haver dúvida – perante a leitura das alegações – que o Apelante pretende, desde logo, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto (declarando, aliás, no requerimento de interposição do recurso que este versa sobre matéria de direito e de facto), sustentando que a prova carreada nos autos principais e apenso C não deixa dúvida relativamente ao facto de ser o Apelante quem reside no local (facto que, aliás, sempre foi reconhecido pela Requerida que reside nos EUA) e que a participação criminal que apresentou na PSP era o único meio probatório que podia obter em tempo útil e que é suficiente para julgar demonstrado o esbulho.

Assim e perante o teor das alegações, pensamos ser claro que o Apelante pretenderá impugnar a decisão que não julgou provado que “ele residisse sozinho – ou exclusivamente – no citado imóvel, vivendo a Requerente nos EUA” e a decisão que não julgou provado que “no dia 5 de Agosto de 2019, a aqui Requerida arrombou a porta da referida casa e mudou a fechadura da mesma”.

Analisemos, então, essa matéria.

A decisão recorrida já julgou provado que o Requerente vive no imóvel pelo menos desde 12/02/2016 (data em que, no âmbito do processo de divórcio, lhe foi atribuído, a título provisório, o direito à utilização da casa de morada de família que estava instalada naquele imóvel) e, ainda que o Requerente não tinha aqui indicado qualquer prova, pensamos que os autos fornecem, de facto, elementos suficientes para julgar aqui demonstrado que o Requerente vive aí sozinho, vivendo a Requerente nos EUA. Com efeito, esses factos resultam, com alguma evidência, da acção principal e do apenso C (procedimento cautelar recentemente instaurado pela aqui Requerida), onde a aqui Requerida sempre reconheceu que residia nos EUA e que, pelo menos a partir de Fevereiro de 2016, sempre foi o Requerente a residir sozinho no imóvel em causa nos autos. Só assim se compreende, aliás, que, em 23/04/2019, a Requerida tenha vindo instaurar um procedimento cautelar contra o aqui Requerente solicitando a imediata entrega do imóvel, onde continuou a alegar que residia nos EUA (ainda que também alegasse que iria regressar brevemente a Portugal) e que o ora Requerente vivia ali sozinho (cfr. artigo 16º do requerimento inicial do apenso C).

Temos, portanto, como indiscutível que, desde a data referida, o Requerente/Apelante vive sozinho no aludido imóvel, estando amplamente reconhecido nos autos principais e apensos que não vive com a Requerida e o filho desta (que durante esse período têm estado a residir nos EUA) e não havendo qualquer indício de que viva com qualquer outra pessoa, sendo que, conforme referido, a Requerida reconheceu – no apenso C – que ele vive ali sozinho.

Julgamos, portanto, provado que, desde a data da decisão referida em 18º - 12/02/2016 –, o Requerente vive sozinho no imóvel em causa, vivendo a Requerida, pelo menos até há pouco tempo, nos EUA.

Pretende também o Apelante que se julgue provado que “no dia 5 de Agosto de 2019, a aqui Requerida arrombou a porta da referida casa e mudou a fechadura da mesma”.

A decisão recorrida justificou a decisão de não julgar provado este facto com a seguinte argumentação: “A este propósito existe apenas [foi junto no apenso C] uma cópia de uma denúncia que o aqui requerente apresentou junto da PSP de (...) dando conta desses factos. Mas isto não é mais do que aquilo que o próprio requerente afirma no quadro desta providência cautelar e sendo certo que “A prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes” (V. RG, 18/1/2018, http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/063D12AA03DEAB6480258232003A1AEF )”.

É certo que o Requerente – ora Apelante – não juntou qualquer prova daquele facto, além da denúncia que apresentou no próprio dia em que os factos teriam ocorrido (05/08/2019) e é certo que, conforme se refere na decisão recorrida, essa denúncia corresponde apenas àquilo que foi declarado pelo próprio Requerente perante aquela entidade policial.

É verdade que, conforme se disse na decisão recorrida, as declarações da própria parte – sejam elas proferidas no processo ou fora dele – no sentido de confirmar a verificação de determinados factos que lhe são favoráveis não serão, por regra, suficientes para, só por si, fazer a prova desses factos. Mas essa afirmação não tem carácter geral e não pode ser instituída como princípio em matéria probatória – até porque, em muitos casos, só as declarações das partes poderão ter a idoneidade necessária para fazer a prova de determinados factos que não são do conhecimento de outrem – nem poderá ser levada ao extremo de impedir, em absoluto, que a prova de determinados factos assente exclusivamente em declarações da parte a quem aproveitam ou em documentos que por ela foram produzidos ou que se limitem a reproduzir aquilo que declarou a propósito desses factos. Na verdade e conforme refere Miguel Teixeira de Sousa a propósito das declarações de parte[1], “…a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se”.

Ora, no caso em análise, pensamos que haverá elementos suficientes para, com base num juízo de probabilidade e razoabilidade, julgar sumariamente demonstrado o referido facto.

Sabemos, pelo aludido documento, que, no dia 05/08/2019, às 18h 14m, o Requerente compareceu nas instalações da PSP, denunciando o facto de a Requerida, nesse mesmo dia e sem disso dar conhecimento ao Requerente, ter mudado as fechaduras da porta da casa onde este residia e onde se encontravam todos os seus pertences (roupas, medicamentos e documentos); sabemos também que, ainda no mesmo dia – cerca das 19 horas –, apresentou no Tribunal o requerimento inicial do presente procedimento cautelar pedindo a imediata restituição da posse do referido imóvel. Ora, de acordo com os padrões de comportamento que temos como habituais e razoáveis, ninguém se dará ao trabalho de fazer uma denúncia na PSP e contactar um advogado para interpor um procedimento cautelar com vista à restituição da posse da casa onde reside, suportando os custos inerentes e pagando designadamente a taxa de justiça devida, se não estiver efectivamente “desapossado” da casa, até porque, nenhum benefício poderia retirar dessa situação, já que, na melhor das hipóteses, aquelas diligências apenas poderiam servir para lhe restituir uma posse ou detenção que já tinha e nunca havia perdido; tais diligências apenas serviriam, portanto, para perder tempo e dinheiro. Assim, se o Requerente apresentou aquela denúncia e se veio interpor o presente procedimento cautelar, o que temos como normal e verosímil, de acordo com as regras de experiência e senso comum, é que ele tenha sido efectivamente impedido de entrar na casa onde residia por ter sido mudada a respectiva fechadura.

Por outro lado, ainda que não exista prova efectiva de que tenha sido a Requerida a mudar a fechadura, a verdade é que tudo aponta para esse facto. Com efeito, não existindo indícios de que tal pudesse ter sido feito por outra pessoa nem se descortinando razões para que tal pudesse ter sucedido, tudo leva a crer que tenha sido a Requerida. Efectivamente e conforme resulta do processo principal e respectivos apensos, a Requerida vem, desde há algum tempo, a efectuar diligências no sentido de obter a restituição do referido imóvel do qual se arroga ser proprietária exclusiva; além de notificação judicial avulsa do aqui Requerente que, com aquela finalidade, já havia requerido em momento anterior, a Requerida instaurou – em...

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