Acórdão nº 109/14.3TBRSD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 17.6.2014, Conselho Directivo dos Moradores - Compartes de F (…) com sede em F (…), (...) , instaurou a presente acção declarativa comum contra União das Freguesias de (…) (1ª Ré), com sede em (...) , (...) - (...) , e E (…), S. A. (2ª Ré), pedindo que estas sejam condenadas: a reconhecerem que os prédios identificados no art.º 4º da petição inicial (p. i.) (a 2ª Ré quanto aos n.ºs 1627, 1851 e 1889) são baldios e propriedade comunal dos moradores compartes da freguesia (…) [a)]; a reconhecerem esse direito e a absterem-se de qualquer acto que o ponha em causa [b)]; a verem declarado que os prédios foram devolvidos ao Conselho Directivo dos Compartes pela Junta de Freguesia (…)c)]; a União de Freguesias a ver declarada a ineficácia e a nulidade da escritura de justificação notarial e ordenado o cancelamento de qualquer registo efectuado a seu favor com base na mesma escritura [d)] e que não adquiriu os prédios por usucapião e, ainda, a restituir ao A. o montante da renda vencida em 31.01.2014 que recebeu da 2ª Ré, no montante de € 81 000 e demais acréscimos [e) e f)], bem como a indemnizarem o A. pelos prejuízos sofridos com a sua conduta ilícita, nomeadamente com os honorários e demais despesas a suportar com a constituição de advogado a determinar em ulterior decisão [g)].

Alegou, em síntese: o A. foi eleito em reunião de Assembleia dos moradores compartes da Freguesia (…) de 20.01.2013; estão inscritos na matriz predial rústica da freguesia da União das Freguesias (…), tendo como titular a Assembleia dos Moradores Compartes, um conjunto de 10 prédios rústicos, que identifica, sitos na área da antiga freguesia de (…), cujos artigos matriciais estão actualizados em resultado da agregação das freguesias e que são baldios; desde tempos imemoriais que os referidos prédios têm vindo a ser possuídos e fruídos pelos moradores das comunidades locais da freguesia de (...) , que neles apascentam gado, recolhem matos e lenhas e exploram águas, há mais de 20, 50, 100 ou 200 anos, à vista de todos, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, na convicção de os utilizarem por direito próprio e exclusivo dos moradores da Freguesia (…), ignorando lesar direitos de outrem; a Junta de Freguesia (JF) (…) outorgou no Cartório Notarial de (...) , em 18.9.2002, uma escritura de justificação notarial, fazendo-se constar que adquirira aqueles prédios rústicos, por compra verbal no ano de 1975, a pessoas que identifica, alegando a posse e fruição sobre eles há mais de 20 anos conducente à sua aquisição, também, por usucapião; a ali justificante sabia que as declarações não correspondem à verdade, pois tais prédios nunca estiveram na sua posse como proprietária, nunca lá praticou quaisquer actos de posse, nos termos e com a convicção de proprietário declarados na escritura ou jamais estiveram na posse ou foram propriedade das pessoas identificadas na mesma escritura como transmitentes e tais prédios nunca lhes foram transmitidos por qualquer forma; o A., no uso dos poderes conferidos pela Assembleia dos Moradores Compartes numa Acta, pediu, por escrito, a devolução dos terrenos baldios à JF de (…), tendo esta deliberado, por unanimidade, devolver os terrenos à Comissão dos Moradores Compartes da Freguesia (…) ratificou a devolução aprovada pela Junta, em reunião realizada em 19.5.2013; a JF de (...) , em 02.02.2002, deu de arrendamento à sociedade S (…), Lda., para exploração de um parque eólico, terrenos inscritos na matriz predial rústica sob os artigos (antigos) 964, 901, 918 e 945, sendo certo que à 2ª Ré foi-lhe cedida a posição contratual de arrendatária e, por alterações do contrato inicial, o parque eólico encontra-se actualmente instalado nos prédios dos artigos actuais n.ºs 1889, 1851 e 1627; com a devolução dos baldios ao A. pela 1ª Ré, aquele ocupou a posição de cedente no contrato de arrendamento; não surtiram efeito as missivas de 14.01.2014 e de 10.4.2014, juntas à p. i., para que fossem entregues ao A. os valores das rendas em causa.

A 2ª Ré, na contestação, além do mais, confirmou que E (…) S. A., lhe cedeu a posição contratual no contrato de arrendamento celebrado com a JF de (...) e afirmou que sempre pagou a renda nos termos do mencionado contrato, à JF de (...) . Concluiu pela improcedência da acção.

A 1ª Ré também contestou, alegando, em resumo: o A. é uma inexistência jurídica, dado que não cumpriu qualquer dos formalismos e procedimentos previstos na Lei dos Baldios, contendendo com o recenseamento provisório dos compartes, a existência de caderno de recenseamento dos compartes, convocatória para a realização da assembleia constituinte e a efectiva ocorrência de eleições para os órgãos de administração do baldio no respeito do quorum legalmente necessário, etc., verificando-se, assim, a excepção dilatória da falta de personalidade e capacidade judiciária do mesmo; os prédios identificados no art.º 4° da p. i. são legítima propriedade da 1ª Ré, estão na sua posse há mais de vinte anos - pelo menos desde 1975 - e encontram-se registados na Conservatória Predial a seu favor, assim como nas matrizes prediais; em nenhum momento a comunidade de (...) usou e fruiu ou teve qualquer espécie de posse sobre tais terrenos como baldios; se outro título não houvesse, adquiriu a 1ª Ré o direito de propriedade sobre todos os prédios pela figura de usucapião. Concluiu pela procedência da excepção dilatória de falta de personalidade e capacidade judiciárias do A., absolvendo-se a 1ª Ré da instância, ou pela total improcedência da acção, com a sua absolvição de todos os pedidos.

O A. respondeu à matéria de excepção, concluindo pela sua improcedência.

O A.

ampliou o pedido para € 162 000 (considerada a renda vencida em 31.01.2015), requerendo, ainda, a condenação da 1ª Ré a restituir-lhe as demais rendas que se vencerem até trânsito da sentença, devidas actualizações e respectivos juros moratórios.

Foi proferido despacho saneador que relegou para final o conhecimento da matéria de excepção, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento [no decurso da qual foi proferido despacho, a 02.3.2018, objecto de recurso, admitido como apelação a subir com o recurso da sentença final - cf., nomeadamente, fls. 740 verso, 742 verso, 776 e 939 do processo físico], o Tribunal a quo, por sentença de 11.3.2019, julgou a acção parcialmente procedente, decidindo: condenar as Rés a reconhecerem que os prédios identificados no artigo 33 dos factos provados - e a 2ª Ré apenas relativamente às alíneas D), E) e G) de tal artigo - são baldios e propriedade comunal dos moradores compartes da antiga freguesia (…) e consequentemente a absterem-se de qualquer acto que o ponha em causa; declarar que os prédios em causa foram devolvidos aos Compartes de (...) pela Junta de Freguesia (…); declarar a ineficácia da escritura de justificação notarial identificada nos art.ºs 4 e 5 da factualidade, no que tange aos Compartes, com o consequente cancelamento de qualquer registo (registral ou matricial) efectuado a seu favor com base na mesma escritura; declarar que a 1ª Ré - antes Freguesia (…) - não adquiriu tais prédios por usucapião; condenar a 1ª Ré a restituir ao A. o montante da renda vencida em 31.01.2014 que recebeu da 2ª Ré, no montante de € 81 000 e demais acréscimos e ainda aquelas que se venceram e foram pagas no mês de Janeiro dos anos subsequentes - 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 - à razão anual de valor não inferior a € 81 000 e ainda alguma vincenda até decisão final nestes autos; julgar improcedente o pedido de indemnização ao A. por prejuízos por este sofridos, com honorários e demais despesas a suportar com a constituição de advogado, absolvendo as Rés deste pedido.

Inconformada, a 1ª Ré apelou formulando as seguintes conclusões: (…) Remata dizendo que deve revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que, alterando a decisão da matéria de facto nos termos supra expostos, declare verificada a excepção dilatória de falta dos pressupostos de personalidade e capacidade judiciária do Autor e absolva as Rés da instância; ou declare verificada a excepção dilatória de falta de deliberação de ratificação do recurso a juízo pelo Autor e absolva as Rés da instância; ou, considere a presente acção totalmente improcedente; ou, subsidiariamente, considere improcedente o pedido de condenação da 1ª Ré a entregar/pagar ao A. as rendas que recebeu da 2ª Ré.

O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) relevância da matéria de excepção; c) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração da decisão de facto; d) pedido de “devolução” das rendas entregues à 1ª Ré. * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.

A Ré União de Freguesias foi criada por agregação integrando o património (…) “e assumindo todos os direitos e deveres, bem como as responsabilidades legais, judiciais e contratuais das freguesias agregadas” (de (…)), sendo que os artigos matriciais infra estão actualizados em resultado da agregação das freguesias.

  1. Correu termos no Tribunal de Resende uma acção ordinária-Proc. 37/03.8TBRSD-A - era Autor a comunidade local de (…), representado por anterior Conselho Directivo de Compartes e Ré a Junta de Freguesia e Outros, na qual o Autor Conselho Directivo pedia, além do mais, que se declarasse que esses terrenos eram baldios, como tal, propriedade comunitária do povo de (…) e que a Junta o reconhecesse e respeitasse esse direito.

  2. Nesses autos também o Autor Conselho Directivo peticionava que fosse declarada nula e de nenhum efeito escritura de justificação outorgada em 29.11.2002, no Cartório Notarial de (...) , tendo por objecto os terrenos da presente acção.

  3. A Junta de...

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