Acórdão nº 1534/18.6T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Março de 2019
Magistrado Responsável | BARATEIRO MARTINS |
Data da Resolução | 26 de Março de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório A (…), residente (…) , intentou a presente acção especial de insolvência contra J (…) Lda.
, com sede (…) , pedindo que se decrete a sua insolvência.
Começou por alegar que é credor da requerida “pelo facto desta última ter assinado uma confissão de dívida a seu favor em 14/03/2017, seguida de um acordo de pagamento, sendo o valor confessado de € 480 000,00”[1]; e que “ainda é credor da requerida pelo valor que consta do balancete de Outubro de 2016: € 22.045,51”[2].
Mais alegou, de relevante, que o “acordo de pagamento estipulava que a 1.ª prestação da confissão de dívida deveria ser paga no prazo de 90 dias a contar da assinatura do referido acordo – 14 de Março de 2017 – e tal cláusula não foi cumprida”[3]; e que a requerida não possui qualquer património, uma vez que vendeu (à E (…) S.A.), pelo preço de € 5.000,00, o único prédio (o rústico registado sob o nº (...) da Conservatória do Registo Predial de (...) e inscrito no artigo matricial (...) da Repartição de Finanças da (...) ) que possuía e que tinha um valor muito superior (em 2010, terá sido avaliado em € 1.400.500,00); encontrando-se impossibilitada de cumprir com as suas obrigações.
A requerida contestou.
Começou por alegar que, em 14 de Março de 2017, J (…) adquiriu, ao requerente, por € 5.000,00, a quota que este detinha na requerida; sociedade de cujo activo fazia parte o prédio rústico identificado na PI e de cujo passivo faziam parte um crédito detido pela sociedade de contabilidade (no montante de € 3.923,00), as coimas pela falta de pagamento ao Estado do Pagamento Especial por Contas e IRC (no montante global de € 480,91) e um crédito detido pelo próprio requerente, crédito de que o mesmo declarou prescindir no contrato de cessão.
Mais alegou que, em 14 de Março de 2017, além da cedência de quota da requerida, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda (do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 1307 e descrito na Conservatória do Registo Predial das (...) sob o número (...) .), tendo como promitente-vendedor o requerente e como promitente-compradora a requerida, pelo valor de € 480.000,00 “e cujo pagamento seria a efectuar de acordo com o plano de pagamento que consta do acordo de pagamento a que o requerente alude na PI.
”[4]; tendo “nessa mesma data sido outorgada a “Confissão de Dívida” (documento n.º 1 Junto com a douta P.I.) para salvaguarda do promitente vendedor, ora requerente, no caso de a promitente compradora, ora requerida, pretender efectuar a escritura definitiva de compra e venda antes do pagamento do preço e, consequentemente, o prédio prometido deixar de estar na esfera jurídica do promitente vendedor e ora requerente”[5]; não tendo, porém, ainda sido efectuado o contrato definitivo de compra e venda do referido terreno.
E concluiu que não é devedora de quaisquer montantes ao requerente, o qual não pode valer-se da “Confissão de Dívida” dado que “esta apenas foi efectuada para salvaguarda do promitente vendedor e ora requerente no caso de o contrato definitivo ser efectuado antes do pagamento total do preço[6]; e pede que a sua requerida insolvência seja julgada totalmente improcedente.
O requerente respondeu, alegando[7]: “ (…) a motivação negocial para a venda da quota jamais foi a existência de supostas dívidas da empresa.” “A questão era outra.” “A requerida, mais uma vez na estratégia de se furtar ao cumprimento dos acordos negociados entre esta e o A. sempre sob a égide do Sr. F (…), pessoa com que o A. negociou tudo (o A. só conheceu o actual sócio-gerente da R. no dia das escrituras), directa ou indirectamente, através da sua ilustre mandatária nesta acção, omitem factos importantes.” “O Sr. F (…) é sócio-gerente da empresa E (…) Lda., com que o A. teve litígio que terminou com uma transacção judicial nos termos da qual o A. se confessou devedor de € 350.000,00.” “Para garantir esta dívida, foi constituída uma hipoteca voluntária sobre o terreno descrito na P.I e que era propriedade da requerida.” “Mais tarde, a empresa veio instaurar uma acção executiva contra o ora A. e a sua sociedade unipessoal, ora requerida, reclamando o pagamento da quantia de € 430.000,00” “Na pendência desta execução, o A. reuniu com o Sr. F (…) e logrou-se chegar a um entendimento quanto à dívida exequenda.” “O aceitava transmitir a quota da sociedade, ora requerida, ao actual sócio-gerente pelo valor de € 5.000,00 (valor esse nunca recebido pelo A.) e a E (…) representada pelo Sr. F (…), desistia da execução e cancelava a hipoteca voluntária sobre o terreno.” “Simultaneamente, seria assinada uma confissão de dívida com um acordo de pagamento no valor de € 480.000,00.” “O interesse da cessão da quota para o A. era o de ficar com um título executivo que lhe garantisse o pagamento do terreno, o qual vendia através da cessão da quota, e não o de fazer face às dívidas fiscais, as quais eram diminutas à altura da cessão, ou à dívida do gabinete de contabilidade” “E o interesse do Sr. F (…) era o de passar para a sua esfera de influência o referido terreno para poder pedir um financiamento bancário e, posteriormente, construir edifícios.
“Aliás, o Sr. F (…) vinha insistindo há vários anos com o A. no sentido de este passar o terreno para a sua esfera de influência porque receava que a CGD, credora em processos executivos contra a E(…), penhorasse o crédito desta empresa sobre o A. e a requerida” (…) “O A. foi iludido com esta proposta do Sr. F (…).” “O A. exigiu ao Sr. F (…) uma garantia face a um eventual incumprimento, garantia essa que deveria consistir na constituição de uma hipoteca voluntária a favor do A. sobre o terreno.” “O Sr. F (…) recusou porque, dizia ele, se houvesse um ónus sobre o terreno, jamais conseguiria o financiamento.” “E sem o financiamento a dívida não poderia ser paga.” “ Por tal motivo, ele mesmo sugeriu que fosse dada como garantia negocial um terreno que o A nem sabe exactamente onde fica, o qual estava em nome de uns primos ou amigos do Sr. F (…), mas, na realidade, estava na sua esfera de influência.” “Ao que parece, o Sr. F (…) não pode ter bens em seu nome devido a questões judiciais resultantes da má situação financeira das empresas às quais tem estado ligado, segundo ele deu a entender”.
“Assim, no mesmo dia (14/03/2017) em que foi celebrada a confissão de dívida, o acordo de pagamento e o contrato-promessa junto com a contestação, foi igualmente feita a venda desse terreno ao A. pelo valor de € 5.000,00, valor este que o A. nunca recebeu[8]” “Deste modo, o pacote negocial acordado entre o A. e o Sr. F (…)sob a égide da sua ilustre mandatária, signatária da contestação, abrangia os seguintes negócios: 1.º - Desistência do pedido na acção executiva por parte da E (…) desistência dos embargos por parte da A. e cancelamento da hipoteca.
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- Cessão da quota do A. na empresa, que é ora requerida, ao actual sócio-gerente da mesma.
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- Confissão de dívida da requerida a favor do A. no montante de € 480.000,00 e acordo de pagamento.
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- Venda do terreno, que estava em nome dos familiares ou amigos do Sr. F (…) e situado na F(…) ao A..
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- Contrato-promessa de compra e venda do referido terreno celebrado entre o A. e a requerida.
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- Autorização do A. à requerida e às empresas às quais esta esteja ligada para continuarem a usar o referido terreno na Fanadia, onde supostamente está situado o estaleiro de construção civil das empresas do Sr. F (…) 7.º - Autorização da requerida ao A. para que este continue a utilizar a arrecadação sira no terreno propriedade daquela.
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- Declaração de quitação do Sr. F (…).” “Assim o A. ficou proprietário do terreno onde o Sr. F (…) diz estar instalado o seu estaleiro de construção civil e, logo que a dívida estivesse paga, o referido terreno regressaria à esfera de influência do Sr. F (…) mediante o cumprimento do contrato-promessa.
Sucede, porém, que o referido terreno tem um valor comercial muito pouco significativo comparado com o valor da confissão de dívida (…) Na realidade, o móbil de todas estas negociações gira à volta do valor comercial do terreno que é agora propriedade da E(…), o qual já foi indicado pela A. na PI na sequência de uma avaliação efectuada no âmbito do litígio que opôs o A. e a E(…), da qual o Sr. F (…) é sócio-gerente.
Não era a quota do A. na requerida em si mesma que tinha valor ou interesse negocial.
O que realmente interessava era o terreno do qual esta empresa era proprietária até se desfazer dele para se por a salvo de uma execução, a qual seria mais do que certa perante o incumprimento premeditado do que ficou acordado na confissão de dívida e subsequente acordo de pagamento.
Ao aceitar este pacote negocial proposto pelo Sr. F (…), o A. não esperava que o terreno passasse depois para a esfera jurídica da E (…) Na realidade, o Sr. F (…) sempre lhe tinha garantido que logo que a transmissão de propriedade se concretizasse, de imediato ele diligenciaria no sentido de pedir um financiamento bancário e com o capital mutuado pagaria o terreno do A.
nos termos acordados.
O A. foi insistindo junto do Sr. F (…)durante os meses subsequentes ao termo do prazo para o pagamento da primeira tranche tentando telefonar-lhe para saber o andamento do pedido de financiamento.
Inicialmente, o Sr. F (…) apresentava-lhe as melhores perspectivas de obtenção do financiamento.
(…) Em finais de 2017, o A. chegou à conclusão que tinha sido iludido e que todo este pacote negocial tinha tido como único objectivo o de retirar o terreno propriedade da requerida da esfera jurídica da A. de modo a passa-lo para a esfera de influência do Sr. F (…).
Foi designado dia para realização de audiência de discussão e julgamento, que se realizou com observância do legal formalismo, após o que o Exmo. Juiz proferiu sentença em que julgou a acção improcedente (não decretando a insolvência da requerida).
Inconformado com tal decisão, interpõe o requerente recurso de apelação, visando a...
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