Acórdão nº 1047/15.8T8LMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA GONÇALVES
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

J (…) e R (…) (entretanto falecidos e agora representados pelos seus sucessores, devidamente habilitados, M (…) e J (…)), residentes (…) , instauraram acção contra J (…), Ldª, com sede (…) , pedindo que seja declarada a cessação de um contrato de arrendamento celebrado com a Ré e que tem como objecto o prédio que identificam e que é propriedade dos Autores e que, em consequência, a Ré seja condenada a restituir de imediato o locado, livre e desocupado, e a pagar-lhe as rendas vencidas e vincendas até ao momento da restituição. Mais pedem que a Ré seja condenada a pagar os prejuízos causados com o custo excedentário à mera manutenção do locado no montante de 3000,00€, as despesas que o A. teve de fazer com licenciamentos desnecessários e até duplicados (projecto mais certificação) no valor de 1250,00€ e uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 5000,00€.

Alegam, em resumo, para fundamentar a sua pretensão: que a Ré realizou obras não autorizadas e afectou o locado a fim diverso do contratualizado na medida em que demoliu a parede divisória dos dois estabelecimentos que aí funcionavam (uma barbearia e um quiosque), eliminando a barbearia; que, sem autorização do senhorio, a Ré cobriu o chão (originalmente de soalho de madeira) por uma camada de cimento/betão o que causou o abatimento de cerca de 5 cm do chão do estabelecimento e, não obstante as solicitações efectuadas, a Ré não encerrou e não disponibilizou o estabelecimento para a realização das obras necessárias, o que obriga a despesas acrescidas com as obras e que, em face disso, o Autor sofreu aborrecimentos e arrelias com o receio constante de se ver confrontado com pessoas feridas em virtude dum eventual colapso do chão.

Sustentando que os factos descritos constituem fundamento para a resolução do contrato, declaram, cautelarmente, que a Ré fica notificada da oposição à renovação do arrendamento, nos termos do nº 2, do art.º 1110 do Código Civil, dizendo que a presente acção, através da citação, deverá ainda ser tida pelo réu como notificação para denúncia do contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1103.º do CC, que se basta agora com uma notificação menos solene do que a citação, por ser desnecessário, para a denúncia, a acção judicial, bem como a notificação, por força do preceituado no art.º 1110º do CC.

A Ré contestou, alegando, em resumo: que não procedeu a qualquer alteração do estabelecimento desde que iniciou a sua exploração em Outubro de 2009, sendo que nessa data já não existia a barbearia e, segundo sabe, a eliminação da divisória que existia e a eliminação da barbearia ocorreram em 1986 e com autorização do senhorio; que a anomalia do pavimento foi causada pela actuação dos Autores que, em tempos, cortaram a trave que, na cave do estabelecimento da Ré, passava encostada à parede interior do seu prédio, em duas partes de forma a, entre elas, formarem um alçapão, removendo a parede interior que ajudava a suportar as cinco traves que lá existiam e que serviam de suporte ao chão; que nunca se opôs à realização de obras, sucedendo apenas que os Autores nunca lhe comunicaram uma data precisa para o início e o termo das obras e nunca mostraram disponibilidade para acordar com a Ré os termos de realização dessas obras e a conciliação dessas obras com o funcionamento do estabelecimento, ainda que num outro local, como a Ré chegou a propor.

Com estes fundamentos e invocando ainda a caducidade do direito à resolução do contrato, conclui pedindo a procedência desta excepção e, em qualquer caso, a improcedência da acção.

Os Autores responderam, sustentando a improcedência da excepção invocada.

Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e foram delimitados os temas da prova.

No início da audiência de discussão e julgamento, os Autores formularam o seguinte requerimento: “--- A autora requereu a acção de despejo com os fundamentos nucleares, constantes da presente acção e que consistem na utilização da fracção barbearia para outra actividade (venda de jornais e recordações) e a realização de obras sem autorização do senhorio nomeadamente a substituição do sobrado sem autorização do senhorio e a feitura de uma casa de banho).

--- Como resulta do documento nº 4 junto ao processo, o senhorio/autor, por carta, notificou o arrendatário para que decorrido o prazo prescrito na lei após a transmissão das quotas para os actuais sócios, em mais 50%, tinha intenção de, após o decurso do prazo, fazer cessar o arrendamento, denunciando-o.

--- É o que dispõe o artº 28, nº 3b) da lei 6/2006 na redacção actual em conjugação com o artigo 1101º do CC.

--- Por sua vez o artº 1086º do C.Civil cumula a resolução do contrato de arrendamento, em causa na presente acção, com a denúncia ou oposição à renovação, como se pretende agora com o presente requerimento. Este artigo, 1086º, certamente por razões de simplicidade e economia processual, autoriza mesmo a discussão destas questões mesmo após a decisão de resolução.

--- Competirá naturalmente a V. Exª definir a prioridade da discussão em audiência, matéria que irrevante para os autores.

--- Requer-se assim nestes termos, também por esta outra razão, a cessação de contrato, com fundamento em denúncia unilateral do senhorio por ter decorrido o prazo de 5 anos após a transmissão das quotas e pretender exercer tal direito”.

A Ré respondeu, sustentando que tal cumulação do pedido não deve ser admitida e, caso seja admitida, o pedido deve ser julgado improcedente.

Alega, para tanto, que o teor do documento n.º 4 junto com a p.i, não preenche os pressuposto exigidos pelas normas legais que o regulamentam, pois, não o expressa inequivocamente e de modo a poder ser entendido como uma denúncia pela comum das pessoas, já que não refere a data da cessação do contrato com a denúncia e obrigação de entrega do locado, não passando aquela carta de um conjunto de ameaças sem fundamento. Mais alega que, à data do envio daquela carta, o senhorio, nos arrendamentos para fins não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, não gozava do direito de denúncia livre; tal direito só lhe era conferido quando se verificasse alguma das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 28º da Lei 6/2006 e desde que observasse um prazo de pré-aviso de 5 anos, em relação ao momento em que produziria o efeito extintivo e o Autor não respeitou o prazo que os normativos legais exigem.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu nos seguintes termos: “A) Declaro a cessação, por denúncia, do contrato de arrendamento referido em B) dos factos provados e decreto o consequente despejo da ré “J (…) Lda.”, do prédio locado referido em A) dos factos provados; B) Condeno a Ré “J (…), Lda.” a restituir o locado aos Autores J (…) e esposa R (…), livre e desocupado, e a pagar-lhes as rendas vencidas e vincendas até ao momento da restituição do locado; C) Absolvo a ré “J (…), Lda.”, do demais peticionado pelos autores J (…) e esposa R (…)”.

Discordando dessa decisão, a Ré, J (…), Ldª, veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) Os Autores apresentaram contra-alegações e interpuseram recurso subordinado.

Em sede de contra-alegações, formulam as seguintes conclusões: (…) Relativamente ao recurso subordinado, formulam as seguintes conclusões: (…) ///// II.

Questões a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações dos Apelantes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir: • Saber se deve ser alterada a decisão que julgou provado o facto constante da alínea J) da matéria de facto provada; • Saber se a comunicação constante da alínea J) reúne os requisitos necessários para valer como denúncia do contrato e para operar a cessação do contrato em determinada data e se tal denúncia – a ter existido – é nula por não ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção; • Caso se entenda que o contrato foi efectivamente denunciado, saber se, nos termos do disposto a art.º 1056 do C.C., ele deve considerar-se renovado nas condições do art.º 1054º, nº 2, pelo facto de a Ré ter continuado no gozo do locado, sem oposição dos Autores, desde a data em que a denúncia teria operado até à formulação do pedido em 24/05/2017; • Saber se há fundamento para resolver o contrato com algum dos seguintes fundamentos: a) uso do prédio para fim diverso daquele a que se destinava; b) realização de obras sem o consentimento do senhorio, mais concretamente, a sobreposição de uma placa de betão em cima de um pavimento de soalho de madeira ou c) utilização imprudente do locado em virtude de a arrendatária se ter oposto (nunca disponibilizou), mesmo com datas várias propostas, a abandonar o local para que as obras pudessem ser efectuadas.

///// III.

Matéria de facto A Apelante impugna a decisão que julgou provado – sob a alínea J) – que a carta aí mencionada foi enviada com aviso de recepção, argumentando que não existe qualquer prova nos autos desse facto, apenas existindo nos autos um simples talão do registo em cujos serviços especiais não se encontra assinalada a quadrícula relativa ao envio do A/R. (cfr. doc. 4 junto pelos AA).

Assiste razão à Apelante.

A carta mencionada na citada alínea corresponde ao documento nº 4 junto com a petição inicial e, ainda que no teor dessa carta se diga “Carta registada com aviso de recepção”, a verdade é que não foi junto aos autos qualquer documento comprovativo de que assim tenha sucedido. Com efeito, se é certo que tal aviso de recepção não foi junto aos autos, também é certo que o talão de registo anexado a essa carta não faz menção a aviso de recepção.

Não existe, portanto, qualquer prova de que a carta tenha sido enviada com aviso de recepção.

E não se diga – como dizem os Apelados – que estava admitido por acordo das partes que a carta havia sido enviada com aviso de recepção, porque os Autores nunca...

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