Acórdão nº 190/15.8T8CNT.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelBARATEIRO MARTINS
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório J (…) e esposa R (…) residentes habituais em França e, quando em Portugal, na Rua (…) , intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra S (…), Lda.

, com sede em (...) , pedindo que se condene a R. a:

  1. Proceder à reparação do imóvel debelando definitivamente os defeitos de que este padece, num total de € 3.737,52; b) Pagar aos AA. uma indemnização não inferior a € 2.800,00, que corresponde ao valor das rendas que estes deixaram de auferir desde Agosto de 2014 até Março corrente; c) Pagar aos AA. os valores das rendas que se venham a vencer sem que o imóvel tenha sido completamente reparado.

    Alegaram, para tal, que adquiriram à R., em 29/10/2010, uma fracção autónoma dum prédio em propriedade horizontal e que, algum tempo depois, verificaram que a mesma padecia de vários problemas de infiltrações, razão pela qual, subsistindo os problemas, em 17/01/2012, enviaram uma carta à R. solicitando a reparação de tais defeitos; no seguimento do que a R. se limitou a efectuar umas pinturas nas paredes e nos tectos, sem solucionar a causa das infiltrações, que continuaram a existir, agora com mais gravidade, razão pela qual, em 25/09/2014, enviaram nova carta à R. a denunciar com detalhe (divisão a divisão) os defeitos então existentes, defeitos que a R. se recusou a reparar (informando apenas estar disposta a proceder a umas pinturas, o que, segundo os AA., é manifestamente insuficiente para que os defeitos fiquem definitivamente debelados) Mais alegaram que, em Outubro de 2011, arrendaram a fracção pelo valor de € 350,00 mês, sendo que o inquilino, em face dos problemas causados pelas infiltrações, entregou a fracção em Julho de 2014, o que levou a que deixassem de obter rendimentos/rendas desde Agosto de 2014.

    A R. contestou.

    Começou por invocar a caducidade e a ilegitimidade; caducidade, por os defeitos denunciados em 17/01/2012 e em 25/09/2014 serem exactamente os mesmos, razão pela qual a acção teria que ser intentada, segundo a R., até 17/07/2012 (e só o foi em 20/03/2015); ilegitimidade, por os AA. pedirem também a reparação de partes comuns (cuja legitimidade, segundo a R., pertence ao condomínio, para além deste nunca haver denunciado quaisquer defeitos, estando já decorrido o prazo de 5 anos da garantia geral e assim se verificando a caducidade de quaisquer direitos pelos defeitos nas partes comuns).

    Após o que, sobre o fundo, impugnou a existência de quaisquer defeitos construtivos, sustentando, em resumo, que as manchas de humidades e consequentes fissuras se devem a falta de arejamento da fracção e à falta de limpeza das caleiras do edifício.

    Concluiu pois pela absolvição (do pedido e da instância, quanto à ilegitimidade).

    Os AA. responderam, opondo-se às excepções, sustentando que, “como as pinturas efectuadas, a mando da R., não resolveram os problemas do imóvel, os AA. tiveram que recorrer a um perito de forma a verificar todos os defeitos de que este padece e, assim que tiveram acesso ao relatório pericial, fizeram seguir a carta de 25/09/2014, ou seja, sem que se tivesse esgotado o prazo de 6 meses para intentar a acção” Foi entretanto sugerida, requerida e admitida a intervenção (ao lado dos AA.) do Condomínio do Prédio sito na Rua (…) em , o qual veio dizer que fazia seus os articulados apresentados pelos AA..

    Após o que a R. veio invocar caducidade (já “anunciada” na contestação) da pretensão “imputável” ao Condomínio, por este nunca lhe ter reportado/denunciado a existência de defeitos nas partes comuns do prédio e estar já decorrido o prazo de 5 anos de garantia (por o prédio ter sido concluído em 29 de Setembro de 2005).

    Ao que o interveniente Condomínio respondeu, pugnando pela não verificação da caducidade.

    Foi proferido despacho saneador – em que foi declarada a total regularidade da instância (julgando-se prejudicada a excepção de ilegitimidade, com a intervenção do Condomínio) – identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Após o que, realizada a audiência, a Exma. Juíza proferiu sentença, em que julgou“(…) procedente, por verificada, a excepção de caducidade do direito de acção dos AA. e do interveniente Condomínio, em consequência do que absolveu a R. de todos os pedidos contra si deduzidos (…)” Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA. recurso de apelação, tendo-se, por Acórdão deste Tribunal da Relação de 12/07/2017, anulado a decisão proferida em 1.ª Instância e ordenado “a repetição do julgamento para, ampliando-se a matéria de facto, se apurarem, designadamente, os defeitos efectiva e realmente existentes na fracção (e as causas dos mesmos, tendo presente o que a R. alega na sua contestação) e os defeitos que foram realmente denunciados pela carta referida no ponto 7 dos factos”.

    Regressados os autos à 1.ª Instância e realizada nova audiência, a Exma. Juíza proferiu nova sentença, em que, desta vez, julgou a acção totalmente procedente, mais exactamente, decidiu: “ (…)

  2. Julgar improcedente, por não verificada, a excepção peremptória de caducidade do direito de denúncia exercido pelos autores e pelo Interveniente Condomínio do Edifício (…) b) Julgar improcedente, por não verificada, a excepção peremptória de caducidade do direito de acção dos autores e do Condomínio do Edifício (…) c) Julgar totalmente procedente, por provada, a presente acção, em consequência do que: 1. Se condena a ré a proceder à reparação dos defeitos elencados no ponto 13 dos factos provados, os quais se contabilizam no montante de €3.737,52; reparação essa que deverá ser efectuada no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença; 2. Se condena a ré a pagar aos autores a indemnização no valor de €2.800,00, por cada mês de renda (fixada na quantia mensal de €350,00) que os autores deixaram de auferir no período contido entre Agosto de 2014 e Março de 2015, valor este acrescido do montante respeitante às rendas vencidas e vincendas que aqueles deixaram de auferir desde a data de propositura da presente acção, até efectivo e integral cumprimento do determinado em 1. (…)” Inconformada agora a R. com tal decisão, interpõe recurso de apelação, pedindo que “a sentença recorrida seja declarada nula na parte em que julga procedente o pedido do interveniente Condomínio e revogada e substituída por outra que julgue, em relação aos autores e ao interveniente Condomínio, procedente a excepção peremptória de caducidade de denúncia dos defeitos ou, caso assim não se entenda, que julgue procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção com a consequente absolvição da ré, ora recorrente, dos pedidos.” Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões: (…) Os AA. e o Condomínio responderam, sustentando, em síntese, que não ocorrem quaisquer vícios, deficiências ou erros de julgamento, devendo a sentença ser mantida na íntegra.

    Dispensados os vistos, mantendo-se a instância regular, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * II – Reapreciação da Decisão de Facto Requer a R./apelante por diversas vezes – como se pode ver das conclusões 12, 16, 17, 19, 25, 26, 42, 43 e 44 – que sejam alterados os factos; que sejam aditados factos, quer aos provados quer aos não provados, os quais, segundo menciona, terão sido referidos nas declarações de parte do legal representante do Condomínio e nas declarações de parte dos AA..

    Como infra (aquando da apreciação jurídico-substantiva) se perceberá, os factos em causa são irrelevantes para o desfecho da causa/recurso; em todo o caso, em termos processuais, impõem-se as seguintes observações: O tribunal, a nosso ver, não pode sem mais aditar factos a partir do que é referido em audiência[1].

    As partes continuam a ter o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que baseiam as excepções (cfr. art. 5.º/1 do CPC), o que significa que, não os tendo as partes alegado, não pode o tribunal considerá-los provados só por terem sido referidos em audiência.

    Daí que, quando se impugna a decisão de facto, a melhor técnica – para que não se suscitem dúvidas sobre a prévia alegação dos factos em causa – seja a de dizer que se deve considerar provado ou não provado este ou aquele facto alegado no art. tal PI ou na art. tal da contestação.

    Até porque, quanto aos factos complementares ou concretizadores, os mesmos só podem ser considerados e atendidos na sentença após o devido contraditório ser exercido, atento o disposto no art. 3.º/3 e 5/2/b) do CPC, ou seja, após o juiz anunciar às partes, antes do encerramento da audiência, que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto constante do art. 5.º/2/b) do CPC.

    Doutro modo, estar-se-ia perante uma verdadeira decisão-surpresa; estar-se-ia a exigir aos mandatários graus de diligência e atenção extraordinários, uma vez que tinham que prever – a partir da mais leve afirmação duma testemunha – todas as hipóteses/consequências possíveis e imaginárias, esforçando-se por destruir todo e qualquer indício ou afirmação lateral que tivessem sido feitos e assim impedir que o tribunal se pudesse “lembrar” de os incluir no elenco dos factos provados, sem nunca terem sido alegados e apenas por uma testemunha/parte os ter a dado passo referido (ainda que tal referência não tivesse sido alvo de devido esclarecimento e debate).

    Assim, não tendo sido feito tal tipo de anúncio/alerta pelo tribunal, não poderá imputar-se às partes (no caso, seria aos AA. primitivos e ao Interveniente) as consequências da falta dum qualquer esforço probatório de sentido oposto[2] e, assim, dar-se como provados quaisquer factos complementares ou concretizadores apenas porque os mesmos foram referidos/alegados nos depoimentos prestados em audiência.

    A “bondade” do que vimos de dizer, em tese, quer sobre a boa técnica de impugnar a decisão de facto quer sobre o modo como podem ser considerados os factos complementares e concretizadores, é, a nosso ver...

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