Acórdão nº 4603/16.3TBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Fevereiro de 2019
Magistrado Responsável | CARLOS MOREIRA |
Data da Resolução | 20 de Fevereiro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.
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A (…), instaurou contra H (…) acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
Alegou: Contraíu casamento com o R. em 8/10/2010.
O R. era dependente de heroína e tomava diariamente metadona; na sequência deste tratamento passou a ingerir diariamente álcool em quantidades significativas e tratava a A. por «puta» e «vaca»; o R. obriga a A. a ter contacto sexual e masturbava-se perante si; persegue a A. de carro e telefona-lhe constantemente procurando saber onde está e com quem; o R. recebe os proveitos da venda de produtos de beleza que pontualmente faz, mas a A. é que suporta os seus custos; a A. é que suporta todas as despesas da vida familiar; no dia 4/6/2016 o R. riscou o carro da A.
Pediu: Se decrete o divórcio e que se condene o R. a pagar-lhe a título de danos não patrimoniais a quantia de 5.000 euros , acrescida de juros à taxa legal.
Realizou-se a conferência a que alude o artigo 931º do C.P.C., sem sucesso.
O R. contestou.
Excepcionando a incompetência em razão da matéria quanto ao pedido indemnizatório e a ineptidão da petição inicial.
Em reconvenção, pediu que se decrete o divórcio e a condenação da A. a pagar-lhe o valor mensal de 300 euros a título de alimentos, a actualizar anualmente.
Para tanto, alegou: A A., no dia 19/7/2016, obrigou-o a abandonar a casa de morada de família, que sempre contribuiu para a economia doméstica na execução das lides domésticas e a cuidar das crianças, que não consegue arranjar um emprego estável e que a A. tem proventos mensais e património .
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Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Julgo a presente acção procedente, e a reconvenção parcialmente procedente, pelo que, no mais absolvendo a A., decreto o divórcio entre A (…) e H (…), com a consequente dissolução do casamento entre ambos celebrado em 8/8/2010, a que se reporta o assento nº 53 da Conservatória do Registo Civil da (...) .» 3.
Inconformado recorreu o réu.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Inexistiram contra alegações.
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Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidades da sentença.
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- Alteração da decisão sobre a matéria de facto.
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– Pensão de alimentos para o réu.
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Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
Clama o réu que a sentença é nula porque ambígua, nos termos do artº615º, nº 1, al. c), 2ª parte, do CPC., e porque não fundamentada, nos termos da al. b) do mesmo preceito.
5.1.1.
O primeiro vício inexiste.
Não há qualquer ambiguidade, ao menos se operada uma interpretação sagaz em função do pedido e do decidido.
O réu, ele próprio, em reconvenção, formulou dois pedidos: o de divórcio e o de alimentos.
No conspeto decisório da sentença, a reconvenção foi julgada parcialmente procedente.
Porque o divórcio foi decretado, obviamente que a procedência da reconvenção se reportou a este pedido.
O facto de esta decisão também abranger o decretamento do divórcio formulado pela autora na petição inicial em nada prejudica esta interpretação.
Até porque, não tendo, presentemente, de ser declarado qual o cônjuge culpado da rutura conjugal, a destrinça, na sentença, sobre se o divórcio é decretado por referência ao pedido inicial da autora ou ao pedido reconvencional do réu, é pouco mais do que irrelevante E, naturalmente, porque o pedido de alimentos não foi, adrede, concedido, a improcedência da reconvenção reporta-se precisamente a este.
O dado que comprova a inexistência de ambiguidade, e que o recorrente compreendeu e interiorizou o decidido, é que ele se insurge contra a decisão precisamente na parte que entendeu ser-lhe desfavorável: o indeferimento do pedido de alimentos.
5.1.2.
No atinente à não fundamentação.
O recorrente, alcandorando-se no artº 615º do CPC, imputa tal vício à decisão sobre a matéria de facto.
Assim sendo, ele subsume inadequadamente a sua pretensão.
Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu – a qual se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.
Assim, na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzido ou se o julgador se pronunciou e relevou todos os factos com interesse para a decisão.
Já na sentença final urge apenas verificar se a decisão final está alicerçada, ou não, em factualismo pertinente e nas normas legais atinentes e foi curialmente prolatada.
Já no domínio do CPC pretérito se entendia que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.
Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004 dgsi.pt.p.
Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e a decisão final - são, na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.
E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.
Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.
Os do artº 615º, são taxativos, reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a sua nulidade.
E mesmo que declarada a nulidade, vg., por falta de fundamentação factual ou jurídica, o tribunal ad quem deve conhecer do objecto da apelação – artº 665º do CPC.
Já a falta ou insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, ou a desconsideração de factos relevantes apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d) - cfr. Ac. da RC de 10.09.2013, p 336/10.2TBPBL.C1 in dgsi.pt.
Decorrentemente, facilmente se alcança que o vício não é de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes, eventualmente, de (i)legalidade da decisão sobre a matéria de facto, ex vi da sua deficiência, cuja consequência não está prevista no artº 615º, mas antes no artº 662º nº2 al. c) – cfr, neste sentido, os Acs. da RC de 20.01.2015 e de 19.12.2017, ps. 2996/12.0TBFIG.C1 e 2206/07.2TBCBR.C1 in dgsi.pt.
5.1.2.1.
Nesta conformidade, e devidamente colocada/subsumida a posição da recorrente, perscrutemos.
O artº 607 nº4 do CPC impõe ao julgador, na fundamentação da decisão fáctica, a indicação dos elementos probatórios alicerçantes da mesma, e, ademais, a sua análise crítica.
Este segmento normativo é a decorrência lógica do disposto nos artºs 208º nº 1 da Constituição e 154º nº 1 do CPC que impõem o dever de as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serem sempre fundamentadas.
A motivação tem uma dupla finalidade: por um lado convencer os interessados do bom fundamento e da correção da decisão, o que implica a sua legitimação; por outro lado permitir ao tribunal superior, em caso de recurso, a possibilidade da sua sindicância.
Nesta conformidade, a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode reconduzir-se a uma mera indicação genérica dos meios de prova que conduziram ao resultado enunciado.
O que poderia descambar num mero juízo arbitrário ou de convicção e, como tal, insindicável, sobre a realidade, ou não, de um facto.
Antes devendo ser especificados os concretos meios de prova, submetê-los a uma análise crítica, e explicitado o processo lógico-dedutivo que levou à convicção expressa na resposta: o como e o porquê dessa convicção – cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, p.90 e segs. e Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.189.
Mas, por outro lado, esta exigência não deve ser levada a limites de exagero.
Até porque uma fundamentação exaustiva e perfeita é de muito difícil e, por vezes, impossível, consecução.
Assim: «…o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o...
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